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Brigitte Bardot: “Os animais são nossos amigos, e nós não comemos nossos amigos”

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“O que mais me frustra é que não há direitos animais. Os animais não têm direitos”

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Em 1973, no auge da carreira, a famosa atriz francesa Brigitte Bardot, que estrelou 47 filmes, anunciou a sua aposentadoria do cinema. E foi assim, aos 39 anos, que ela iniciou uma nova vida como ativista dos direitos animais.

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian em 10 de julho de 2015, ela contou que quando descobriu a verdade sobre a realidade da exploração animal, tornou-se evidentemente óbvio para ela, e até mesmo indispensável, colocar um fim em sua carreira. “Que era somente brilho e vaidade, para que eu pudesse me dedicar a esta causa urgente”, justificou.

Em entrevista publicada pelo tabloide Daily Mail em 2 de novembro de 2014, Brigitte relatou que a fama não a satisfazia mais, e que seu amor pelos animais deveria ser expressado oficialmente. “Jamais olhei para trás. Nasci com o amor pelos animais. Não tive nenhum perto de mim na minha infância porque estávamos em guerra, e a vida em Paris era muito difícil”, declarou. A experiência a marcou tanto que ela jamais suportou o som de fogos de artifícios ou trovões, porque remetem às lembranças dos bombardeios.

O que Brigitte Bardot nunca deixou de destacar como realmente positivo em relação à sua fama é o fato de ter condições de conseguir ajuda de pessoas do mundo todo. Em 1986, ela leiloou seus bens para criar a Fondation Brigitte Bardot, para o bem-estar e proteção dos animais. “Resgatei cães e gatos de rua durante toda a minha vida, mas quando comecei a fundação, minha intenção já era fazer muito mais do que isso. Meu objetivo é proteger todos os animais selvagens ou de estimação da França e do exterior. Comecei pequena. Tive que aprender tudo sobre proteção dos animais – as leis, a organização de instituições de caridade, a gestão, e as obrigações de saúde e segurança”, enfatizou ao Daily Mail.

Ao longo da trajetória como defensora dos animais, ela encontrou muitos obstáculos, principalmente porque, segundo ela, há um grande número de pessoas insensíveis ao sofrimento dos animais, pelos quais elas têm profundo desprezo. “Elas os consideram objetos de lucro ou carne sobre pernas”, queixou-se à jornalista Liz Jones, do Daily Mail.

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Bardot é vegana, assim como seu marido Bernard d’Ormale, e seus amigos mais próximos. Para a ativista, comer a carne dos animais é semelhante ao canibalismo. “Passamos a proteger uma espécie somente quando ela está quase extinta, o elefante africano e o rinoceronte, por exemplo. Há uma necessidade urgente de protegê-los porque os rebanhos estão sendo massacrados. Mas [como sempre] soamos o alarme apenas quando é muito tarde”, lamentou.

Muitas vezes acusada de incitar ódio racial por causa de seus comentários sobre abate ritual de animais, ela nunca se arrependeu de nada que tenha dito ou escrito sobre o assunto. “Já fui ameaçada muitas vezes por caçadores, açougueiros que vendem carne de cavalo e assassinos de focas. Mas ainda estou viva!”, revelou a Liz Jones.

Brigitte Bardot tem entre suas mais importantes bandeiras, a luta pelo fim do abate halal (islâmico) e kosher (judaico) de bovinos, além do banimento do consumo de carne de cavalo. “Depois de 30 anos, minha fundação ganhou muitas batalhas pequenas, mas ainda estamos esperando pelas grandes vitórias que dependem do governo, e ele não nos concederá, infelizmente”, lamentou em entrevista à ativista Lauren Kearney, do site Respect and Connect, publicada no Huffington Post em 26 de abril de 2016.

Para alcançar seus objetivos, Brigitte passa o dia escrevendo cartas para ministros de governo, chefes de estado estrangeiros, prefeitos e altos funcionários públicos. “Também cuido dos meus animais – tenho quase 50 cavalos, burros, pôneis, cabras, ovelhas e porcos – todos salvos de abatedouros”, confidenciou. Ela também é responsável por gatos, galinhas, gansos, patos e cães resgatados.

Questionada por Liz Jones, do Daily Mail, se é mais difícil envelhecer quando se foi um grande exemplo de beleza na juventude, ela explicou que não tem tempo nem desejo de olhar para o próprio umbigo. Maior reflexo disso é que Brigitte Bardot não tem hora para almoçar. “Apenas como um pedaço de chocolate ou alguma fruta. O almoço me faz perder tempo”, argumenta.brigitte-bardot-with-seal

Embora dedique muito tempo à fundação, ela não vê com bons olhos a questão dos direitos animais. “O que mais me frustra é que não há direitos animais. Os animais não têm direitos”, desabafou à Lauren Kearney, do Respect and Connect. Apesar de tudo, Brigitte segue tentando pressionar governos do mundo todo a criarem leis mais compassivas em defesa dos animais.

Durante a entrevista, Lauren pediu que Bardot enviasse uma mensagem ao mundo. Em uma frase curta, que lembra muito o que foi dito pelo escritor irlandês e vegetariano George Bernard Shaw, ela disse: “Os animais são nossos amigos, e nós não comemos nossos amigos.”

Uma de suas lutas mais antigas é contra a indústria de peles, considerada por Brigitte como uma indústria da morte e do sofrimento. “Diante dessa normalização da crueldade, devemos reagir. Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, publicada em 10 de julho de 2015, perguntaram o que ela diria ao conceituado designer de moda alemão Karl Lagerfeld, radicado em Paris e conhecido por defender o uso de animais na indústria da moda, alegando que eles também são explorados para consumo.

“Duvido muito que Karl Lagerfeld come muitos visons, raposas ou chinchilas. É importante não misturar as coisas. Cada batalha deve ser travada em seu próprio direito. A criação de animais para a extração de sua pele é absolutamente terrível”, ponderou. Acusada de já ter usado as roupas de Lagerfeld, Brigitte Bardot rebateu que leva a vida de uma pessoa do campo, então não vê como seria possível que ela usasse algo da grife do alemão enquanto alimenta as cabras sob sua tutela.anotherbb

“Tenho respeito por Lagerfeld enquanto homem, mas teria muito mais se ele, por sua vez, respeitasse os animais. Não vivemos no mesmo mundo. Ele se inclina para o seu gato, mas não se importa com todos os animais que são sacrificados para suas coleções, pela mais fútil e vulgar das modas. Pele não é luxo. É uma indústria de morte e sofrimento. Devemos boicotar casacos de pele, assim como todos os acessórios [feitos com material de origem animal]. É inacreditável que temos que lutar por algo que deveria ser óbvio para todos”, protestou ao The Guardian.

A sua batalha para proteger as focas abatidas pela indústria da pele é considerada uma das mais simbólicas da luta pelos direitos animais na Europa. “Igualmente, conseguimos obter sucesso na proibição de venda de pele de gato e de cachorro na Europa. No entanto, essa proibição deve ser estendida a todas as espécies. Pele é somente para o uso do animal que a possui. Orgulho, estupidez ou simplesmente ignorância permitiram que essa tendência sobre a exploração leal de peles de animais florescesse mais uma vez”, criticou em entrevista ao The Guardian.

Indagada pela jornalista Liz Jones, do Daily Mail, sobre o motivo do ser humano ter tão pouca compaixão pelos animais, ela respondeu: “O homem não evoluiu. Ele permanece fundamentalmente cruel e bárbaro, mesmo quando ele pensa que mudou.”

Saiba Mais

Brigitte Bardot nasceu em Paris em 28 de setembro de 1934 e começou a conquistar fama internacional em 1957 com o filme “E Deus Criou a Mulher”, do cineasta francês Roger Vadim. Na sequência, vieram “Amar é a Minha Profissão”, “A Verdade”, “O Desprezo” e “Viva Maria!”. Os cinco são considerados os filmes mais importantes da sua carreira artística.

Segundo a revista Time, a ex-atriz é uma das cem pessoas mais influentes da história da moda.

Referências

https://www.theguardian.com/fashion/2015/jul/10/brigitte-bardot-i-couldnt-wear-lagerfeld-while-feeding-my-goats

http://www.dailymail.co.uk/home/you/article-2815676/Brigitte-Bardot-ve-victim-image.html

http://www.huffingtonpost.com/lauren-kearney/interview-with-brigitte-b_b_9771702.html

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Written by David Arioch

February 5th, 2017 at 10:28 pm

Lamartine: “Matar os animais é uma das mais deploráveis enfermidades da condição humana”

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“É uma dessas maldições lançadas sobre o homem pelo embrutecimento de sua própria perversidade”

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Lamartine: “Talvez eu esteja em dívida com essa dieta por conseguir preservar requintada sensibilidade e uma doce tranquilidade de humor e caráter” (Foto: Reprodução)

Pioneiro do romantismo francês e considerado um dos maiores poetas da França do século XIX, o escritor e poeta Alphonse de Lamartine era um defensor do vegetarianismo. Em uma de suas obras, “Les Confidences”, ele conta como se tornou vegetariano logo nos primeiros anos de sua vida.

“Minha mãe estava convencida, assim como sempre foi a minha convicção, de que matar os animais para nos alimentarmos de sua carne e sangue é uma das mais deploráveis e vergonhosas enfermidades da condição humana. É uma dessas maldições lançadas sobre o homem pelo embrutecimento de sua própria perversidade”, escreveu na página 59 da obra publicada originalmente em 1849.

Lamartine narra que surpreendeu a todos quando chegou aos 11 anos se alimentando basicamente de pão, vegetais e frutas. Nem por isso ele era menos saudável ou teve sua fase de desenvolvimento comprometida. “Talvez eu esteja em dívida com essa dieta por conseguir preservar requintada sensibilidade e uma doce tranquilidade de humor e caráter”, registrou.

Assim como sua mãe, o poeta francês acreditava que os hábitos alimentares que envolvem exploração de animais endurecem o coração humano e comprometem a capacidade de observá-los como seres gentis. “Eles são nossos companheiros, nossos auxiliares […]. Esses apetites sangrentos, essa visão da carne palpitante, são calculados para brutalizar os instintos do coração, tornando-nos ferozes”, observou.

A nutrição baseada na exploração animal era reconhecida por Alphonse de Lamartine como possivelmente mais suculenta e energética. Por outro lado, ele afirmou que essas supostas qualidades também eram as causas ativas da irritação humana e do seu definhamento físico. “Azedam o sangue e encurtam os dias de vida da humanidade”, declarou em “Les Confidences”.

Desde muito cedo, com a intenção de fortalecer a opinião do filho em relação à abstinência de carne, sua mãe contava-lhe histórias de tribos gentis e piedosas da Índia, que se negavam a se alimentar de seres sencientes. Muitos eram pastores ou camponeses e, segundo Lamartine, trabalhavam mais duro do que qualquer outra pessoa. Também possuíam uma genuína inocência. “Para matar o desejo, que mesmo que tivesse existido dentro de mim, ela não usou argumentos, mas recorreu ao instinto, que em nosso cerne é muito mais poderoso do que a lógica”, explicou.

Um dia, ainda jovem, o poeta ganhou um cordeiro de um camponês de Milly, uma comuna francesa da região da Borgonha. Com um estreito laço de amizade com o animal, ele o ensinou a segui-lo por todos os lados. “Se tornou o mais carinhoso e fiel dos cães. Nos amamos com a mesma ternura que toda criança tem pelos animais e vice-versa”, relatou.

No entanto, em uma ocasião, ele ficou chocado quando ouviu um cozinheiro conversando com sua mãe. “Madame, o cordeiro está gordo e o açougueiro veio buscá-lo. Devo entrega-lo a ele?”, questionou. Quando ouviu aquilo, Lamartine começou a gritar, abraçou o animal, perguntou o que era um açougueiro e o que tal pessoa iria fazer com ele.

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“Vi um homem com os braços nus e lambuzados de sangue, batendo na cabeça de um touro” (Arte: Reprodução)

“O cozinheiro disse que era um homem que matava cordeiros, carneiros, novilhos e belas vacas por dinheiro. Eu mal podia acreditar nisso. Orei à minha mãe e facilmente a convenci a pouparem o meu amigo”, admitiu. Na realidade, a mãe do poeta não raramente testava suas convicções.

Mais tarde, Alphonse de Lamartine acompanhou sua mãe até a cidade e, no caminho, atravessaram o quintal de um matadouro. Havia um propósito nisso que o jovem só percebeu depois. “Vi um homem com os braços nus e lambuzados de sangue, batendo na cabeça de um touro. Outros cortavam as gargantas de bezerros e ovelhas, separando seus membros ainda palpitantes. O sangue fluía por todo o pavimento. Um intenso sentimento de pena, misturado com horror, se apoderou de mim. Tive que ser levado rapidamente para fora daquele lugar”, revelou.

A experiência fez com que Lamartine nunca mais deixasse de associar aquela cena à imagem de um prato com carne, tantas vezes visto por ele sobre a mesa. “Embora a necessidade de cumprir as regras da sociedade me fez comer carne [em determinado momento da vida], desde então, tudo que as outras pessoas comem [e que seja de origem animal] me causa repulsa. O que testemunhei me fez sentir completa aversão. Insuflou-me do horror perpetrado pelos açougueiros. Tem sido sempre difícil pra mim não ver no trabalho de um açougueiro a ocupação de um carrasco”, enfatizou em “Les Confidences”.

A importância de Alphonse de Lamartine

O escritor e poeta Alphonse de Lamartine nasceu em Mâcon, na França, em 21 de outubro de 1790. Criado em uma propriedade rural nas imediações de Milly, estudou os clássicos gregos e romanos, além das obras francesas contemporâneas. Sua educação foi uma educação filosófica que ele qualificava como de “segunda mão”, suavizada por sentimentos maternais. Lamartine, que sofreu grande influência de filósofos como Pitágoras, publicou 19 livros, entre poesia, ficção e história.

De todas as obras publicadas pelo francês, “Méditations Poétiques”, de 1820, continua sendo a mais famosa. No livro, o poeta aborda as relações entre o misticismo, a natureza e as emoções. Para ele, a natureza é a mais importante manifestação da grandeza divina.

Despertando para uma formação mais pessoal de espiritualidade, o escritor adotou a simplicidade como estilo de vida, tanto na forma de se vestir quanto de se alimentar. Depois do lançamento de “Méditations Poétiques”, que alçou o nome da Lamartine aos dos grandes nomes da literatura mundial, ele conseguiu uma nomeação para assumir a embaixada francesa na Itália.

Lá, viveu dez anos, e aproveitou o tempo ocioso para produzir literatura, já que seus deveres diplomáticos não exigiam tanto tempo. Em 1828, de volta à França, tentou garantir uma vaga no parlamento, mas foi derrotado. Então tomou a decisão de viajar para o Oriente Médio, onde começou a se interessar por religiões orientais. Reflexo desse período foi registrado no livro “Souvenirs, Impressions, Pensées, et paysages pendant un Voyage en Orient”, escrito em 1832 e 1832, e no romance em verso “La Chute d’un Ange”; obra de 1838 que chegou a ser banida da Igreja Católica pelo viés panteísta e racionalista.

Em um excerto, o poeta diz: “Le plus beau don de l’homme, c’est la Misericorde”. Ou seja, o maior dom do homem é a Misericórdia. Sendo assim, ele jamais deve matar qualquer animal. Lamartine também se inspirava na idealização do amor, suas crenças e sua relação com a natureza. Considerado um dos protagonistas da transição da literatura neoclássica para a romântica, marcada pela paixão e pelo lirismo, ele foi também um historiador. Escreveu sobre a história dos girondinos, importante grupo político que participou da Revolução Francesa entre os anos de 1789 e 1799.

Em 1849, Lamartine teve o privilégio de fazer parte do governo provisório da França na Segunda República, após a deposição de Luís Filipe I. O escritor e poeta liderou as ações que culminaram na abolição da escravidão e no primeiro modelo dos direitos trabalhistas na França, de acordo com o pesquisador Lawrence C. Jennings. Ainda assim, acabou derrotado por Napoleão III na eleição presidencial realizada no mesmo ano. Depois de se aposentar da política em 1851, Alphonse de Lamartine continuou escrevendo até o dia 28 de fevereiro de 1869, quando faleceu em Paris.

Referências

Lamartine, de Alphonse. Les Confidences (1857). Nabu Press (2012).

Lamartine, de Alphonse. Trois Mois au Pouvoir (1848). Nabu Press (2011).

Lamartine, de Alphonse. La Chute d’un Ange (1838). CreateSpace Independent Publishing Platform (2015).

William A. Alcott. Vegetable Diet: As Sanctioned by Medical Men and by Experience in All Ages. Marsh, Capen & Lyon (1838).

Jennings, Lawrence C. French Anti-Slavery: The Movement for the Abolution of Slavery in France, 1802-1848.  Cambridge University Press (2006).

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Quando me tornei vegetariano…

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Arte: Vegan Solution

Não posso admitir que o meu paladar seja mais importante do que a preservação da vida animal (Arte: Vegan Solution)

Quando me tornei vegetariano, não tomei tal decisão pela minha saúde. Na realidade, cheguei a um momento da minha vida em que comecei a me sentir desconfortável consumindo alimentos de origem animal. Foi uma transformação natural, de dentro para fora. Eu nem mesmo tinha assistido qualquer documentário sobre o assunto. Comecei a pesquisar depois. Como pratico atividades físicas há muitos anos, tem quem associe isso à saúde, mas não, não tem nada a ver. Considero sim a dieta vegetariana bem saudável e percebi inúmeros benefícios. Ainda assim, esta não foi a minha motivação.

Levando em conta quem sou hoje, mais do que nunca, não posso admitir que o meu paladar seja mais importante do que a preservação da vida animal. Para mim, o especismo se tornou incômodo e isso veio num crescendo até que eu abdicasse completamente do consumo de alimentos de origem animal. Como sempre tive cães e gatos em casa, acho injusto da minha parte me alimentar de outro animal que esteja sobre a minha mesa mais por uma questão cultural do que essencial. Devo dizer que minha própria autoavaliação quanto ao meu papel como ser vivo, reforçada por algumas experiências, me influenciou muito.

Sim, escrevo sobre vegetarianismo e veganismo, até porque sou jornalista e gosto de escrever sobre tudo que me agrada. Mas meus artigos são fundamentados em pesquisas, com o propósito de lançar luz ao que pouca gente sabe a respeito do assunto. Tanto que decidi relacionar mais o vegetarianismo e o veganismo com a literatura, o que acaba por ser um exercício jornalístico. E meus contos sobre o assunto abordam basicamente o respeito e o direito à vida independente de espécie. Não tenho a menor intenção em obrigar alguém a ser vegetariano. Vocês jamais vão me ver “batendo boca” por causa disso.

Quando uma pessoa demonstra não ter o menor interesse, por que eu iria forçá-la a ler sobre o assunto? Minhas palavras sobre o tema são direcionadas a quem os recebe de bom grado, sem se armar. Sou um sujeito extremamente tranquilo quanto a isso. Em qualquer lugar onde vou, só converso sobre vegetarianismo e veganismo se o assunto surgir naturalmente, se eu for chamado para falar disso ou se me fizerem perguntas. Este é o tipo de pessoa que sou.

Written by David Arioch

September 11th, 2016 at 11:33 pm

Romain Rolland: “Milhares de animais [atualmente milhões] são assassinados todos os dias, sem sombra de remorso”

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“Ele tentava elevar a própria fronte, gemendo como uma criança, balindo e pendendo a língua cinza”

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Rolland também dedicou sua vida à defesa dos direitos dos animais e da dieta vegetariana (Foto: Reprodução)

Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1915, o escritor francês Romain Rolland, autor de “Jean-Christophe”, um dos romances mais importantes do século 20, também dedicou sua vida à defesa dos direitos dos animais e da dieta vegetariana. Importante pensador, Rolland influenciou Sigmund Freud e se tornou amigo de Mahatma Gandhi. Em 1922, o alemão Hermann Hesse, também vencedor do Nobel de Literatura, dedicou o livro “Sidarta”, um dos romances mais espiritualistas da literatura mundial, ao seu querido amigo Romain Rolland.

“Milhares [atualmente milhões] de animais são desnecessariamente assassinados todos os dias, sem sombra de remorso. Se alguém fizesse menção a isso, seria considerado ridículo. Por isso esse crime é imperdoável”, escreveu Romain Rolland no romance “Jean-Christophe”, publicado em dez volumes entre os anos de 1904 e 1912. Na obra com viés autobiográfico, o autor francês narra a história de um gênio musical alemão que adotou a França como lar. A partir daí, ele sincretiza suas visões musicais, questões sociais, internacionalismo humanista e direitos dos animais.

“Ele não podia mais suportar ver uma das cenas mais ordinárias que testemunhara centenas de vezes – um bezerro chorando em uma cesta de vime, com seus grandes olhos salientes, seus tufos brancos encaracolados sobre a testa, seu focinho roxo e suas pernas dobradas. Havia um cordeiro com as quatro pernas amarradas sendo transportado por um camponês. Pendurado de cabeça para baixo, ele tentava elevar a própria fronte, gemendo como uma criança, balindo e pendendo a língua cinza. Havia aves amontoadas em uma cesta e podia-se ouvir ao longe os guinchos de um porco sangrando até a morte, além de um peixe a ser limpo em uma cozinha”, registrou Rolland em “Jean-Christophe”.

Em 1886, o que o influenciou a se tornar vegetariano e a adotar um estilo de vida frugal foi a obra “O que devemos fazer”, de Liev Tolstói, em que o escritor russo aborda a miséria, as desigualdades e os índices de mortalidade nas grandes cidades. Tolstói se questionava sobre finalidade do dinheiro e a divisão do trabalho, além de criticar o sistema político vigente. Ao saber que o escritor russo, um tradicional aristocrata, adotou o vegetarianismo e optou por trabalhar com camponeses, Roland enviou-lhe uma carta e obteve uma longa e alentadora resposta.

Mais tarde, inspirado pela filosofia vedanta, e principalmente pelas obras de Swami Vivekananda, um dos responsáveis pela introdução da vedanta e do yoga no Ocidente, Romain Rolland, um jovem exigente e tímido, se empenhou na redescoberta de si mesmo. Embora trabalhasse como professor, não gostava de lecionar. Sua vocação e satisfação maior era a escrita, tanto que em 1912, quando conseguiu garantir uma renda mensal modesta com a literatura, a sua primeira decisão foi pedir demissão do cargo de professor.

Pacifista ao longo de toda a sua vida, Romain Rolland protestou contra a Primeira Guerra Mundial. Quando se mudou para a Suíça, ele escreveu “Au-dessus de la mêlée”, uma crítica à guerra, publicada no Jornal de Genebra em 22 de setembro de 1914. Dez anos depois, lançou seu livro sobre o líder indiano Gandhi, de quem se tornou amigo em 1931, após o primeiro encontro dos dois. Em 1923, Rolland começou a se corresponder com o austríaco Sigmund Freud, criador da psicanálise. Os dois tinham grande admiração um pelo outro, tanto que em uma das cartas, Freud admitiu: “Trocar uma saudação com você continuará a ser uma feliz memória até os meus últimos dias.”

O escritor francês foi inspirado pela filosofia oriental (Foto: Reprodução)

O escritor francês foi inspirado pela filosofia oriental (Foto: Reprodução)

Estudioso do misticismo oriental, Romain apresentou a Sigmund Freud, com quem se correspondeu por mais de 15 anos, o conceito de “sentimento oceânico”, uma impressão de vínculo e comunhão com o mundo, desenvolvido através de suas pesquisas. Mais tarde, o austríaco publicou em 1929 o livro “Civilizações e Seus Descontentes”, que traz logo nas primeiras páginas um debate sobre a origem desse sentimento. Depois de ler a obra “O Futuro de uma Ilusão”, Rolland fez algumas observações que serviriam como premissa para Freud escrever “O Mal-Estar na Civilização”. O escritor francês exerceu influência sobre o austríaco e suas obras até 1939, quando Sigmund Freud faleceu.

Em 1928, Rolland e o filósofo húngaro e pesquisador da vida natural, Edmund Bordeaux Szekely, fundaram a Sociedade Biogênica Internacional com a intenção de expandir suas ideias sobre a integração entre mente, corpo e espírito. A instituição advogava em favor do estilo de vida simples e da alimentação vegetariana.

“As torturas inomináveis que os seres humanos infligem a essas criaturas inocentes fez seu coração doer. Concedendo aos animais um raio de razão, imagine o quanto o mundo pode ser um pesadelo terrível para eles. Um sonho com homens de sangue frio, cegos e surdos cortando suas gargantas, abrindo-as, eviscerando-os, fatiando-os, cozinhando-os vivos e às vezes rindo da forma como eles se contorcem de agonia. Existe algo mais atroz entre os canibais da África?”, escreveu Romain Rolland em “Jean-Christophe”.

O escritor francês foi uma das principais inspirações da ativista canadense Anita Krainc, co-fundadora do movimento vegano Toronto Pig Save, que em 22 de junho de 2015 foi presa após dar água a porcos confinados em um caminhão a caminho de um matadouro na Grande Toronto.

Romain Rolland e a internacionalização do humanismo

Nascido em Clamecy, Nièvre, em 29 de janeiro de 1866, o escritor francês veio de uma família diversificada, formada por grandes investidores da área urbana e pequenos agricultores. Na Escola Normal Superior de Paris, Romain Rolland estudou filosofia, mas desistiu porque não gostou do viés ideológico e impositivo do curso. Por isso optou por se graduar em história.

Rolland com Mahatma Gandhi, de quem se tornou amigo, em 1931 (Foto: Reprodução)

Rolland com Mahatma Gandhi, de quem se tornou amigo, em 1931 (Foto: Reprodução)

Em 1889, se mudou para Roma, onde viveu dois anos e se tornou amigo da escritora alemã Malwida von Meysenbug, amiga do filósofo Friedrich Nietzshe e do compositor Richard Wagner. As ideias de Rolland, aliadas aos ensinamentos de Liev Tolstói e as lições de Malwida, moldaram sua visão política e humanitária, internacionalizando suas ideias.

De volta à França em 1894, Rolland obteve seu título de doutorado com a tese “A Origem do Teatro Lírico Moderno – A História da Ópera antes de Lully e Scarlatti”. Ao longo de 20 anos, lecionou em vários liceus de Paris, até que foi nomeado diretor de educação musical da Escola de Estudos Sociais Avançados entre os anos de 1902 e 1911. Em 1903, também assumiu a primeira cadeira de história da música da Sorbonne.

Seu primeiro livro foi publicado em 1902, aos 36 anos, quando ele estudava o teatro popular e defendia a democratização do teatro. No ensaio “Le Théâtre du peuple”, publicado em 1913, Romain Rolland diz que o palco e o auditório devem sem abertos para as massas. “Precisamos que o teatro seja assistido pelo povo, mas antes temos que criar algo que seja voltado para eles”, sugeriu.

Como humanista, também abraçou o trabalho dos filósofos da Índia. Muitas de suas pesquisas foram registradas oralmente, através de conversas com Rabindranath Tagore e Mahatma Gandhi. Místico, Rolland enxergava a si mesmo como alguém com uma ancestralidade muito curiosa, e isto o inspirou a escrever a novela Colas Breugnon, publicada em 1919. Em seguida, vieram “Clérambault” e “Pierre et Luce”, de 1920; além do seu segundo romance de sete volumes – “L’âme Enchantée”, escrito entre os anos de 1922 e 1933.

Na primavera de 1919, o francês convidou o escritor irlandês George Bernard Shaw, também vegetariano e pacifista, para assinar uma petição em favor da paz. Rolland também se correspondeu com Albert Einstein, e juntos fundaram um comitê antifascista. Em 1920, o escritor francês retomou seus estudos sobre a filosofia mística da Ásia, especialmente da Índia, o que rendeu uma biografia sobre Gandhi, publicada em 1924.

Dois anos depois, ele se aprofundou nos estudos sobre o yoga e lançou as biografias dos gurus Vivikananda e Ramakrishina.  Em 1932, ingressou no Comitê Mundial Contra a Guerra e o Fascismo, organizado por Willi Münzenberg. Depois se mudou para Villeneuve, às margens do Lago Genebra, no cantão de Vaud, e se entregou ainda mais à escrita.

Em 1935, Romain Rolland viajou para Moscou, a convite do escritor russo e também vegetariano Maxim Gorky. Como um tipo de embaixador dos artistas franceses na União Soviética, ele tentou convencer Josef Stalin a parar com a repressão contra seus opositores. Chegou a pedir clemência para o escritor anarquista Vicor Serge. Em 1937, Rolland retornou para Vézelay, uma comuna francesa da Borgonha, ocupada pelos nazistas em 1940. Se isolou e seguiu produzindo em ritmo intenso, até que faleceu em 30 de dezembro de 1944.

Saiba Mais

Em 1966, a União Soviética lançou um selo comemorativo no centenário de nascimento de Romain Rolland. A homenagem foi justificada como um tributo aos nobres ideais de sua produção literária, e ao amor e a simpatia com a qual ele descreveu os mais diferentes seres vivos.

Romain Rolland também escreveu biografias sobre Beethoven, publicada em 1903; Hugo Wolf, em 1905; Michel-Angelo, em 1906; e Tolstói, em 1911.

Seu grande amigo, o escritor austríaco Stefan Zweig lançou a biografia “Romain Rolland – The Man and his Work” em 1921.

Frase célebre de Romain Rolland

“O pessimismo da inteligência não deve abalar o otimismo da vontade.”

Referências

Rolland, Romain. Jean-Christophe (1904-1912). Editora Globo (1986).

Zweig, Stefan. Romain Rolland – The Man and his Work (1921). Disponível em archive.org.

Cruickshank, John. Rolland, Romain. The Penguin Companion to Literature 2: European Literature. Harmondsworth: Penguin (1969).

Parsons, William B. The Enigma of the Oceanic Feeling: Revisioning the Psychoanalytic Theory of Mysticism. Nova York. Oxford University Press (1999).

Bradby, David. Rolland, Romain. The Cambridge Guide to Theatre. Cambridge University Press (1998).

Eu, a medicina veterinária e o amor aos animais

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Penso que a medicina veterinária deve sempre ser pautada pelo amor aos animais (Foto: Reprodução)

Me recordo que quando eu era criança todo mundo achava que eu seria médico veterinário quando me tornasse adulto, isto porque eu vivia rodeado de animais. Até mesmo quando ia ao dentista eu levava algum bicho comigo. Lembro que a Sapeca, uma cadelinha sarapintada, sempre me acompanhava e ficava me esperando na sala de brinquedos.

Ou seja, não me recordo de alguém aventar a ideia de uma pessoa se tornar veterinário por algo que não fosse amor aos animais. Não imaginava que isso fosse possível. Me tornei adulto e segui por outro caminho, que na realidade tem mais a ver com a minha própria identidade.

Porém descobri que nem sempre é por amor aos animais que alguém se torna veterinário. Há outros objetivos, distantes daqueles vislumbrados por crianças que amam os animais. Que bom seria se não perdêssemos a essência de criança. De qualquer modo, é alentador saber que há excelentes profissionais nessa área, e com uma preocupação em estender aos outros animais o mesmo tratamento que damos a cães e gatos.

Written by David Arioch

September 9th, 2016 at 10:11 pm

A galinha garnizé de 20 anos

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A galinha garnizé tem 20 anos e vive na Vila Alta, em Paranavaí (Foto: David Arioch)

A galinha garnizé tem 20 anos e vive na Vila Alta, em Paranavaí (Foto: David Arioch)

No quintal da casa da aposentada Lindinalva Silva Santos vive Jurema, uma galinha garnizé de 20 anos. Falo com ela e ela se aproxima. Miudinha e esperta, continua calma e dócil, mesmo depois de ter sofrido tanto ao longo da vida. Escapou da morte várias vezes quando era mais jovem. Uma vez se esforçaram para arrastá-la com linha e anzol.

Naquele dia, Jurema perdeu a língua, mas foi bem cuidada e se recuperou. Também sobreviveu a outras tentativas de ladrões querendo transformá-la em comida. Acho incrível como ela inspira vida. É atenta a tudo. Nada passa despercebido.

Mais surpreendente ainda é ver como Jurema gosta de brincar com outros animais. Será que vale a pena explorar uma ave ou transformá-la em comida? Levando em conta tudo isso, a lição que ela transmite ao existir até hoje, com seus 20 anos. Pelo que pesquisei, Jurema tem potencial para chegar pelo menos aos 25, e não tenho dúvida de que isso é resultado de uma vida sem exploração.

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A galinha garnizé mora na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná.

Written by David Arioch

August 30th, 2016 at 11:56 pm

Ralf Hütter, Kraftwerk e o vegetarianismo

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Hütter: “Não gosto de matadouros. Isso é elementar”

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Ralf Hütter se tornou vegetariano há mais de 35 anos (Foto: Divulgação)

Na reportagem “Kraftwerk: the elusive kings of digital pop”, publicada pelo The Times, de Londres, em setembro de 2009, Ralf Hütter, vocalista, compositor e fundador da banda alemã Kraftwerk, se apresentou como um vegetariano e amante dos animais. E sobre sua escolha, ele foi lacônico: “Não gosto de matadouros. Isso é elementar.” Hütter, que advoga o vegetarianismo há mais de 35 anos, também convenceu os outros membros a tornarem-se vegetarianos.

Kraftwerk é considerada a banda mais influente de todos os tempos no cenário da música eletrônica com ramificações na industrial music, synthpop e dance music. O grupo estimulou o surgimento de milhares de bandas que inspiradas na independência autoral dos precursores do Krautrock, movimento de música experimental alemã, começaram a interpretar a música e o mercado fonográfico sob uma perspectiva mais moderna, que não se abatia pelas restrições e sanções econômicas surgidas com a Guerra Fria.

De um pequeno estúdio em Colônia, na Renânia, Florian Schneider, Ralf Hütter, Wolfgang Flür e Karl Bartos extraíam composições que como cascatas de timbres alusivos à vida moderna versavam sobre a desconstrução humana no pós-guerra, a sujeição ao consumismo e a distorção de valores estéticos, como o kitsch, embora nem sempre atrelados à Indústria Cultural. Iam além e recriavam amores eletrônicos em belos universos desconexos com seus sintetizadores e outros equipamentos analógicos que a própria banda inventava ou personalizava.

Já diziam na inesquecível Das Modell: “Ela é tão bela que por sua beleza teremos de pagar.” Kraftwerk fez muito sucesso pela genialidade em unir criatividade, até mesmo se tratando dos figurinos, perspectivas e prognósticos sobre o homem do futuro, deixando um legado musical que inclui obras-primas como Autobahn, de 1974, e a trilogia Radio-Activity, Trans-Europe Express e The Man Machine, de 1975, 1977 e 1978. Kraftwerk é um exemplo de que há mais profundidade na música industrial/eletrônica do que se imagina.

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Written by David Arioch

August 23rd, 2016 at 11:10 am

“Não aceito que um bicho morra para que eu possa me alimentar”

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“Eu teria vergonha de matar um animal pra comer” (Foto: David Arioch)

O aposentado José Francisco de Oliveira, o Seu Zé, sobrevive com um salário mínimo por mês e, mesmo com sérias limitações, se preocupa em cuidar dos animais que circulam pela sua pequena residência. Gasta cerca de sete pacotes de quirela por mês alimentando centenas de pássaros. “Tem dia aqui que chego a contar 200 rolinhas de uma vez. Fica tudo preto. Eu não mato um passarinho de jeito nenhum, nem que eu morra de fome. Não aceito que um bicho morra para que eu possa me alimentar. Teria vergonha de matar um animal pra comer”, conta.

Seu Zé começou a valorizar a liberdade dos animais em 1925, aos oito anos, quando morava em uma roça nas imediações do Rio Capivari, no interior de São Paulo. “Eu estava andando por aquelas bandas carregando quatro gaiolas cheias de passarinhos, daí, do nada, os bichinhos começaram a fazer ‘tiu, tiu, tiu’, ‘prim, prim, prim’, ‘tiziu, tiziu, tiziu’. Parei, fiquei olhando e escutando. Carreguei eles mais um pouco e quando cheguei em casa, abri cada uma das gaiolas e soltei todos. Nunca mais prendi nenhum passarinho. Se eu tivesse dinheiro, comprava tudo pra soltar”, garante Seu Zé.

José Francisco de Oliveira tem um estilo de vida simples, sem apego material, passa horas do dia em introspecção, envolvido em uma forma bastante pessoal de espiritualidade. Admite que diariamente divaga até um passado que lhe conforta a existência. “Sinto muita falta da minha mulher e da minha filha que faleceram, mas não tenho arrependimentos, nem medo de morrer”, confidencia.

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José Francisco de Oliveira nasceu em 7 de agosto de 1917.

Ele vive em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, desde a década de 1940.

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Written by David Arioch

August 9th, 2016 at 11:34 pm

William Blake: “Toda comida sadia é apanhada sem rede ou armadilha”

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Ao grito da lebre caçada/Da mente, uma fibra é arrancada/Ferida na asa a cotovia/Um querubim, seu canto silencia

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Blake: “Um tordo rubro engaiolado/Deixa o Céu inteiro encolerizado/Um cão com dono e esfaimado/Prediz a ruína do estado” Arte: Reprodução)

“Toda comida sadia é apanhada sem rede ou armadilha”, escreveu William Blake, em crítica a quem resume os animais a alimentos, em The Marriage of Heaven and Hell (O Casamento do Céu e do Inferno), uma de suas obras mais famosas, lançada em 1790. No livro, um dos maiores poetas da primeira geração do romantismo inglês transmite suas crenças vanguardistas e sua espiritualidade peculiar por meio de uma combinação de prosa, poesia e ilustrações aos moldes das profecias bíblicas.

Embora não fosse exatamente religioso, o místico William Blake era espiritualista à sua maneira e acreditava que o mal que os seres humanos infligem aos animais, relegando-os à comida, têm consequências negativas para o mundo e a vida em sociedade. Inspirado no panteísmo, o poeta defendia que seres humanos e animais nascem com uma conexão natural que depois de rompida desencadeia fenômenos que ameaçam o equilíbrio da vida terrena.

Essa sua perspectiva o influenciou a escrever em 1803 um poema de 132 linhas, intitulado Auguries of Innocence (Augúrios da Inocência), que só foi publicado em 1863. Ou seja, mais de 35 anos após a morte de Blake, um pensador que qualificava como mais nociva a violação das leis espirituais do que a violação moral. Na obra com caráter sibilino de presságio, o poeta explora o paradoxo da inocência, do mal e da corrupção. E nesse contexto, apresenta a contumaz intercorrência na relação dos seres humanos com os animais:

Um tordo rubro engaiolado
Deixa o Céu inteiro encolerizado
Um cão com dono e esfaimado
Prediz a ruína do estado
Ao grito da lebre caçada
Da mente, uma fibra é arrancada
Ferida na asa a cotovia,
Um querubim, seu canto silencia
A cada uivo de lobo e de leão
Uma alma humana encontra a redenção
O gamo selvagem acalma
A errar por aí, a nossa alma
Se gera discórdia o judiado cordeiro
Perdoa a faca do açougueiro

Crítico férreo da imoralidade, e principalmente de todas as formas de crueldade, quando fala do cordeiro em Auguries of Innocence, Blake se refere tanto à candura animal, que se sobressai à humana, quanto ao destino de Jesus Cristo que perdoou seus executores.

O inglês que amargou décadas de pobreza se via mais como escultor e pintor do que poeta. Ele esperava que em uma exposição realizada em 1808 o seu trabalho pudesse trazer-lhe tanto retorno financeiro quanto reconhecimento por seu estilo original, baseado em temas a frente do seu tempo.

Na exposição que recebeu o nome de “Afrescos de Invenções Poéticas e Históricas”, Blake reuniu 16 de suas pinturas. “Aos que foram informados de que o meu trabalho se resume a obras não científicas, excêntricas ou nada mais que rabiscos de um louco, façam-me justiça e examinem tudo antes de tomar uma decisão”, pediu. Naquele dia, poucas pessoas prestigiaram o evento.

Ainda assim, ele não hesitou em dizer que não desistiria do seu sonho de ser reconhecido. “Ignorantes insultos não me farão desistir do meu dever para com a minha arte”, informou. Infelizmente ninguém comprou nenhuma de suas obras e a única resenha publicada sobre a exposição definiu William Blake como um lunático que só não corria risco de ser preso porque era inofensivo demais.

A recepção da poesia do inglês também seguiu na mesma esteira de suas pinturas e esculturas. Poucos viram ou leram pelo menos um de seus livros escritos e ilustrados à mão. Em 1811, dois anos antes de se consagrar como o poeta laureado, o britânico Robert Southey, leu Jerusalem, uma das obras mais famosas de William Blake. “É um poema perfeitamente louco”, sintetizou Southey.

No dia 12 de agosto de 1827, o poeta faleceu aos 69 anos na pobreza e no anonimato. Quase ninguém reconhecia qualidade em sua sensibilidade e autoralidade. Seu velório em Bunhill Fields, na região norte de Londres, passou despercebido e só pôde ser realizado através de um empréstimo de 19 xelins. Sepultado em um túmulo sem qualquer inscrição, o corpo de Blake foi colocado sobre outros três e seguido por mais quatro falecidos.

Catherine continuou a imprimir e divulgar as obras do marido depois que ele morreu, o que deixou claro que a parceria dos dois envolvia tanto amor quanto trabalho. Com a ajuda de poucos amigos e fãs de William Blake, ela conseguiu sobreviver por mais quatro anos. Nesse período, afirmou ter visto o marido muitas vezes, chegando a sentar-se junto dele por duas a três horas diárias. No dia 31 de outubro de 1831, Catherine chamou por Blake, como se ele estivesse no quarto ao lado. “Meu William…meu William…”, repetiu ela até o momento de sua morte.

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Entre as obras mais importantes do poeta inglês se destacam The Marriage of Heaven and Hell, Jerusalem, And did those feet in ancient time, Songs of Innocence and of Experience, Milton e The Four Zoas.

William Blake nasceu no Soho, em Londres, em 28 de novembro de 1757.

Catherine Blake nasceu em 25 de abril de 1762 e faleceu em 31 de outubro de 1831.

Referências

Blake, William. The Marriage of Heaven and Hell.  CreateSpace Independent Publishing Platform (2014).

Blake, William. Auguries of Innocence. Amazon Digital Services LLC (2012).

G.E. Bentley. The Stranger From Paradise: A Biography of William Blake. Yale University Press (2001).

Blake, William; Tatham, Frederick. The Letters of William Blake: Together with a Life (1906).

Gilchrist, A. The Life of William Blake, London (1863).

Morton, Timothy. The Pulses of the Body: Romantic Vegetarian Rhetoric and Itscultural Contexts. The University of Colorado at Boulder In Kevin Cope, ed.,1650–1850: Ideas, Aesthetics, and Inquiries in the Early  Modern Era Vol. 4. AMS Press. Páginas 53-88 (1998).

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Howard Lyman, a redenção de um ex-pecuarista

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Eu vi o medo nos olhos desses animais, mas até então não me permitia pensar a respeito

Howard Lyman, o homem que abandonou tudo por amor aos animais (Foto: Reprodução)

Howard Lyman, o homem que abandonou tudo por amor aos animais (Foto: Reprodução)

Eu acordava cedo, fazia a roçada, ouvia os pássaros cantando e me sentia como o guardião do Éden. Meu sonho era ser um fazendeiro. Então fui para a Universidade Estadual de Montana [nos Estados Unidos] estudar agricultura. Comprei uma fazenda orgânica e com o passar dos anos eu já possuía mais de sete mil cabeças de gado e mais de 12 mil hectares. Lembro como se fosse hoje quando trouxemos os animais e demos a eles entre 7 e 21 vacinas.

Cortamos os chifres, castramos eles, injetamos hormônios e os alimentamos com resíduos e antibióticos. Na fazenda, eu via tantas moscas juntas que você podia pegá-las aos montes apenas abrindo e fechando as mãos. Por isso levantávamos cedo, quando não havia nevoeiro, e pulverizávamos inseticidas por toda a propriedade.

Havia sempre uma grande nuvem flutuando sobre o gado, sobre a água e sobre a comida, e o inseticida atingia tudo. Duas horas mais tarde, o gado se alimentava e bebia aquela água contaminada. Essas são as coisas que aprendi na Universidade Estadual de Montana.

E pensei que estava tudo bem. Mas em minha mente, quando eu observava os pássaros mortos, as árvores morrendo, o solo mudando, eu nem me atrevia a pensar em como eu estava gastando centenas de milhares de dólares em produtos químicos. Eu era o responsável por tudo isso.

Meu irmão faleceu aos 29 anos, e ainda hoje acho que ele morreu por causa desses produtos químicos que usamos na fazenda. Em 1979, quando eu estava no auge da minha carreira, fiquei paralisado da cintura para baixo. É preciso muita concentração para direcionar sua atenção para outra coisa que não seja a sua situação.

No hospital, os médicos disseram que eu tinha uma chance em um milhão de voltar a andar por causa de um tumor dentro da minha coluna [ele começa a chorar porque se sentiu da mesma forma que os bovinos antes de serem abatidos – também debilitados a ponto de não conseguirem se movimentar].

Fui levado para a sala de cirurgia e operado durante 12 horas. Eles removeram um tumor do tamanho do meu polegar. Saí do hospital depois de uma operação com uma chance de sucesso em um milhão. Me lembro de estar na fazenda após a operação.

Eu estava no banheiro e me olhei no espelho, e foi a primeira vez na minha vida que fui honesto comigo mesmo. Toda a minha vida eu disse que amava os animais. E então me perguntei: “Se você realmente ama os animais, se você se importa com eles tanto quanto diz, por que come eles?”

Eu nunca vi um animal pular e dizer que quer ser um hambúrguer. Estive em centenas de matadouros, vi milhares de animais morrerem, e sempre que eu os observava, eu notava que eles sabiam o que aconteceria com eles. Havia o cheiro de morte. Eu me questionava: “Existe alguma necessidade disso?”

Eu vi o medo nos olhos desses animais, mas até então não me permitia pensar a respeito, até que saí do hospital. E quando me questionei, quase derrubei a pia do banheiro. Eu não poderia ir até a minha esposa e discutir isso com ela. Como dizer que temos milhões de dólares investidos em um negócio baseado em alimentar e matar animais? Como eu poderia dizer: “Talvez o que devêssemos fazer é sair desse negócio!”

Como eu desabafaria com meus amigos quando todos eles estavam trabalhando no mesmo ramo que eu? Não tive nenhum apoio. Mesmo que eu tentasse recorrer ao meu sacerdote, seria em vão, porque ele também comia carne tanto quanto eu. Foi o momento mais difícil e mais solitário da minha vida quando abandonei tudo.

Howard Lyman, ativista dos direitos dos animais que passa 11 meses do ano realizando palestras e promovendo a nutrição vegana e a expansão de fazendas orgânicas sem exploração animal. Peaceable Kingdom.

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