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Há diferenças entre viver na época da ditadura e entendê-la enquanto poder político
Analfabetismo no Brasil da década de 1960 chegava a 60 e até 70% em muitos estados
Me sinto deslocado quando encontro pessoas enaltecendo a ditadura como se tivesse sido um período majestoso e edênico. “Meu pai, minha mãe, meu avô, minha avó, meu tio, minha tia e tantos outros contam que só apanhava na época da ditadura quem era bandido”, dizem muitos.
Francamente? Todo mundo tem alguém na família que diz isso e não é algo que me surpreenda porque interpreto de uma forma completamente diferente. Eles não reclamavam e ainda não reclamam da ditadura porque na realidade não se importavam muito com os rumos da política brasileira. Também gozavam de pouco entendimento sobre as responsabilidades de se viver em sociedade.
O individualismo naquela época já era uma coisa aberrante e foi exatamente isso que fez com que a ditadura perdurasse por 21 anos no Brasil. Ademais, tinha uma face sombria e uma néscia. A sombria era encampada por aqueles que se beneficiavam do sistema político vigente, e a néscia era a dos menos instruídos ou incultos que tinham linha de raciocínio azêmola e solene, e por assim dizer até macabra de que “se o governo não me incomoda, tudo está perfeito, mesmo que pessoas morram à minha volta”.
A verdade que vejo pouca gente divulgando nos debates sobre o assunto é que nos tempos da ditadura militar havia uma grande massa de pessoas que não se importavam realmente com a democracia ou a liberdade de expressão. Muitos nem sabiam o significado dessas palavras, o que é aceitável, levando em conta que o analfabetismo no Brasil da década de 1960 chegava a 60 e até 70% em muitos estados, segundo o IBGE.
Por isso grande parcela da população brasileira da atualidade não teve e não tem familiar que foi perseguido nessa época, o que é muito normal, levando em conta que quando a ditadura chegou ao fim o Brasil contava com mais de 136 milhões de pessoas. E tudo isso pode ser usado para reforçar o discurso falseado de que só os “piores cidadãos” eram perseguidos pelos militares. A mim. isso significa algo bem simples. O que veio depois não foi graças ao esforço da maioria, o que na minha modesta opinião endossa mais ainda as histórias de luta de quem seguiu na contramão da obviedade.
Pondero que ter vivido na época da ditadura e tê-la compreendido na essência são coisas completamente diferentes. Conheço muitos idosos que a enaltecem, inclusive da minha família, mas esses não desempenhavam atividades intelectuais, culturais, artísticas ou econômicas que pudessem ser cerceadas. Sendo assim, considero no mínimo incoerente citar um familiar que pouco ou nada contribuiu para os rumos da democracia no Brasil, mesmo que não exercida na sua plena funcionalidade.
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tivemos até obras musicais e poemas censurados no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), principalmente nas décadas de 1960 e 1970, porque o Dops suspeitou que havia conteúdo subversivo nos trabalhos enviados, o que não era verdade. E são pessoas que qualificam a ditadura militar como revolução que falam mal de ditadores. Ou seja, um entranhado e estrambólico paradoxo.
Além disso, acredito que embora o Golpe de 1964 tenha sido colocado em prática como uma promessa de transformar o Brasil em um país do futuro, o que ele fez foi instituir uma retrógrada forma de colonialismo baseada em relações de trabalho fundamentadas no barateamento e precarização da mão de obra, o que já acontecia na Europa e nos Estados Unidos na década de 1920.
Ou seja, inspirados na velha Doutrina Góes Monteiro, da Era Vargas, os generais fizeram com que o Brasil evoluísse sim em industrialização, não tenho dúvida disso, mas um progresso que a exemplo de outras versões beneficiou a menor parcela de brasileiros.
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Como surgiu o Colégio Paroquial
Frei alemão Ulrico Goevert fundou a escola em 1952
O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi fundado em Paranavaí em 1952 por iniciativa do frei alemão Ulrico Goevert que queria erradicar o analfabetismo local. Até 1952, o único espaço de alfabetização era o Grupo Escolar de Paranavaí, atual Colégio Estadual Newton Guimarães, que teve como primeira diretora a professora Enira Moraes Ribeiro. “Me veio o pensamento de fundar uma escola paroquial. Convenci o Frei Estanislau [o pernambucano Agripino José de Souza] a fazer um exame de qualificação para dar aulas”, contou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.
A escola foi inaugurada em um velho barracão que passou por uma rápida reforma. Como não havia dinheiro para investir no colégio, tiveram de pedir tábuas emprestadas para a confecção das carteiras escolares. “Também eram usadas como mesas durante as festas”, confidenciou o padre que mais tarde recebeu uma intimação do inspetor de ensino do Estado do Paraná. Caso não construíssem um prédio novo, teriam a autorização de funcionamento revogada. Apesar das dificuldades, o frei alemão conseguiu atender a ordem do governo a tempo. Para isso, recebeu ajuda financeira da comunidade local e também da Ordem dos Carmelitas na Alemanha.
Em 1952, antes do início das aulas, Frei Ulrico abriu matrículas para 220 alunos, divididos em quatro salas, duas para garotos e duas para garotas. Frei Estanislau era o responsável pela turma do primeiro ano primário. No começo, o trabalho na escola foi muito difícil, inclusive eram constantes as reclamações de pais de alunos que questionavam os métodos de ensino.
Após acompanhar algumas aulas de perto, o padre alemão percebeu que algumas professoras tinham influência negativa sobre os alunos, então as substituiu. “Frei Estanislau tinha um refinado talento para lidar com as crianças. Quem o ajudava nessa missão era a professora Irene Gomes Patriota que se encarregava das meninas”, lembrou Goevert.
Irene, que nasceu no Distrito de Angelin, em Garanhuns, Pernambuco, chegou a Paranavaí em 17 de novembro de 1944. Deixou a cidade em janeiro de 1963, quando seu pai Leodegário Gomes Patriota faleceu. Segundo Frei Ulrico, Irene Patriota foi uma das melhores professoras do Colégio Paroquial.
“Eu dava preferência para as professoras mais feias”
“Era difícil conseguir uma boa professora. Não me esqueço de uma que ia muito bem, mas conheceu um jovem engenheiro, se casaram e ela deixou a escola”, lamentou o padre que era muito exigente e não admitia que alguém lecionasse sem comprovar qualificação. A partir do acontecido, Frei Ulrico se tornou mais cauteloso. Optou por não aceitar mais belas professoras na escola. “Eu dava preferência para as mais feias, aquelas que ficaram noivas duas ou três vezes pelo menos”, frisou.
Em menos de cinco anos, a escola somou 600 estudantes e 18 professoras. “360 alunos estudavam de graça”, enfatizou o padre, acrescentando que as crianças do colégio tinham de ir à missa todos os sábados. “Às quartas-feiras, dávamos aulas de catequese para 1,4 mil crianças. Em cada turma, havia cerca de 500 crianças. Fui duramente criticado pelo frei Adalbert Deckert [padre provincial de Bamberg, no Estado alemão da Baviera], e com razão, pois eu não tinha como dar um tratamento individual a cada aluno”, admitiu Ulrico Goevert.
A primeira diretora do Colégio Nossa Senhora do Carmo foi Eugenia Araújo Rauen, a quem o Frei Ulrico chamava de “minha professorinha”. Eugenia assumiu a direção da escola, pois tinha cursado a Escola Normal do Instituto de Educação de Curitiba. “Como ela era funcionária da Secretaria de Agricultura, não podia dar expediente na Escola Paroquial, então só assinava os documentos”, revelou o padre.
Colégio Paroquial ficou em primeiro lugar no Paraná
Em 1956, o Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi eleito o melhor estabelecimento de ensino do Paraná após uma avaliação do nível de conhecimento dos estudantes. O primeiro lugar trouxe a Paranavaí o inspetor estadual de ensino, cargo que equivale hoje ao de Secretário Estadual de Educação, que fez questão de parabenizar o padre Ulrico Goevert.
O frei atribuiu o ótimo desempenho dos alunos ao trabalho da professora Rosa Akie Noguti, filha de imigrantes japoneses, que chegou a Paranavaí em 1953. “Uma boa professora diplomada. Em três anos, ela fez um progresso enorme com os estudantes”, avaliou o padre.
Nos primeiros anos, cada estudante do Colégio Paroquial pagava uma mensalidade de 30 cruzeiros. A quantia era o suficiente apenas para cobrir as despesas com seis professores. “Foi aí que me dei conta que se eu quisesse ter bons professores precisaria pagar mais, assim eu poderia exigir melhores resultados”, ponderou.
Jardim da Infância foi criado em 1954
Como havia muitas crianças em Paranavaí em 1954, o frei alemão Ulrico Goevert percebeu a necessidade de se criar um jardim de infância para oferecer educação e recreação aos menores. Sem dinheiro para investir em infraestrutura, o padre ampliou a igreja em sete metros, fez uma repartição e conseguiu doações de mesinhas e cadeiras. “Quem me ajudou foi Maria de Lourdes Gomes Patriota, uma idealista moça de 19 anos”, explicou o padre alemão.
Ao término da obra, o Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo recebeu matrículas de 40 crianças. Logo estavam com 60 e tiveram de construir uma nova escolinha para abrigar os alunos. O Jardim da Infância passou a funcionar na Quadra 77, na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Pará, onde é atualmente a casa das Irmãs Filhas da Caridade da Escola São Vicente de Paulo.
Entre os alunos que estudaram no Jardim da Infância, estava uma criança de três anos, conhecida como Alencarzinho, filho do advogado José de Alencar Furtado.
Certo dia, o garotinho teve um choque anafilático, não resistiu e faleceu. “Quando ele entrou em agonia, cantou ‘Ave, Ave, Ave Maria’ com a vozinha cada vez mais fraca, até dar o último suspiro. Ele aprendeu o canto no nosso Jardim da Infância”, destacou Frei Ulrico.
Saiba Mais
Em 1952, Paranavaí tinha um elevado índice de analfabetismo entre as crianças.
O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo recebeu licença oficial de funcionamento do Governo do Estado do Paraná em 17 de junho de 1956. O documento permitia que a escola oferecesse o nível primário de ensino. A licença para o ginasial foi conquistada em 22 de fevereiro de 1960.
Após a morte do pai, Leodegário Gomes Patriota em 17 de janeiro de 1962, a professora Irene Patriota se mudou para Curitiba. No dia 16 de outubro de 1970 deixou a capital e fixou residência em Apucarana, no Norte Central Paranaense.
A primeira professora do Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo, Maria de Lourdes Patriota, é irmã da professora Irene Patriota. Lourdes nasceu no dia 21 de janeiro de 1932 em Brejão, Pernambuco.
Em 1960, Maria de Lourdes e o marido, Jarbas Nogueira dos Santos, funcionário da Caixa Econômica Federal, deixaram Paranavaí. Se mudaram para Bandeirantes, no Norte Pioneiro Paranaense, onde viveram por um ano, até fixar residência em Apucarana. Desde 1983, Lourdes Patriota mora em Curitiba.
Em 1955, Rosa Akie Noguti, que nasceu em 10 de janeiro de 1934 em Vera Cruz, interior de São Paulo, assumiu o cargo de diretora do Colégio Paroquial, onde trabalhou até maio de 1960. Depois se casou com Paulo Fumio Watanabe e em 1978 se mudou para Curitiba.
José de Alencar Furtado era pai do deputado federal Heitor de Alencar Furtado, assassinado em 1982, que empresta o nome para a avenida mais importante de Paranavaí.