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Sobre o sofrimento de animais selvagens em armadilhas II
Na primeira hora em que um animal selvagem é preso em uma armadilha, não raramente o desespero faz com que ele comece a mastigar os seus próprios membros na tentativa de se livrar da situação. Isto porque a dor é tão visceral que ele é capaz de qualquer coisa para tentar sobreviver, mesmo que os ferimentos posteriores também possam causar-lhe a morte caso ele não receba nenhum tipo de ajuda.
Referência
Animal Ethics in Animal Research, livro de autoria de Helena Röcklinsberg e publicado em outubro de 2017 pela Editora da Universidade de Cambridge.
Sobre o sofrimento de animais selvagens em armadilhas
A trágica história de João Levinho
Um grande jóquei que teve um triste fim como andarilho
O roraimense João Ortino Moreira, conhecido como João Levinho, foi um jóquei que teve a carreira interrompida em Boa Vista, Roraima, em 1952, e veio ao Noroeste do Paraná a pé, fixando residência em Paranavaí. Mais tarde, se tornou agricultor, mas devido a algumas desilusões abandonou tudo e passou os últimos dias de vida vagando como andarilho pela região.
João Levinho nunca conheceu os pais. Em 1929, foi abandonado numa sarjeta da periferia de Boa Vista seis meses após o nascimento. Dizem que no mesmo dia a proprietária de um prostíbulo o recolheu e lhe deu abrigo até os cinco anos, além de registrá-lo.
“Um dia, Levinho foi chamar a mulher pela manhã e a encontrou morta, estirada sobre a cama. Parece que teve um ataque cardíaco. Quando ouviu as garotas da casa falando que deveriam entregá-lo à polícia, ele se assustou e fugiu”, relata o aposentado Juraci Martins que conheceu João Moreira em um bar em 1955.
Afastou o frio e a fome cheirando cola de sapateiro
Levinho não teve infância. Enquanto as outras crianças brincavam, o garoto andava pelas ruas procurando restos de alimentos no chão e em latas de lixo. Para afastar o frio e a fome, muitas vezes recorreu a um tipo de cola de sapateiro que os companheiros de rua partilhavam. Costumava passar a noite em um terreno baldio. Pulava o muro e dormia enrolado em folhas de bananeira. “Falou que se sentia protegido assim. Quando tinha uns 12 anos, Levinho conheceu Orlando de Maria, um comerciante que o ajudou”, conta Martins.
O homem levou João Moreira a um clube de hipismo, onde lhe mostrou as corridas de cavalos. Foi aí que surgiu a oportunidade de se tornar um jóquei e o garoto aceitou. O pequeno e leve João se destacou, demonstrando talento para o esporte. Até os 22 anos, conquistou títulos que renderam bastante prestígio nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.
Com uma carreira de sucesso, surgiram melhores oportunidades, mas Levinho não aceitou nenhuma, pois tinha uma dívida de gratidão. “O João continuou vivendo em Boa Vista e dividia tudo que ganhava com o comerciante”, explica o aposentado. Numa noite de 1952, Orlando de Maria foi assassinado a tiros por um apostador na saída do clube de hipismo, após mais uma vitória de Levinho.
Assustado, Moreira recebeu a recomendação de ir embora de Boa Vista. Partiu para Belém, no Pará, a pé, só com a roupa que estava usando e um anel de ouro que tinha uma pequena pedra no formato de um cavalo – presente do comerciante. Lá, Levinho ouviu a conversa de dois homens na saída de um bondinho. “Falavam de um lugar no Paraná pra onde as pessoas estavam indo, algo como ‘Paraivaí’ ou ‘Paranaivaí’”, diz Martins, reproduzindo as palavras de Levinho. Moreira, que nem sabia onde ficava o Sul do Brasil, decidiu encarar a aventura e tomou a decisão de vir ao Paraná.
Atravessou rios e matas para chegar a Paranavaí
A viagem toda foi percorrida a pé porque antes de João Moreira deixar Boa Vista o rapaz fez uma promessa de nunca mais depender de ninguém para alcançar qualquer objetivo. “Levinho andou mais de cinco mil quilômetros, atravessou rios e matas. Queria provar a si mesmo do que era capaz”, justifica Juraci Martins. Antes de completar metade do trajeto, João Ortino estava quase descalço, com a sola do sapato completamente gasta. Então Levinho improvisou um calçado feito de chapa de madeira, borracha e barbante.
Andou mais centenas de quilômetros até chegar a Ponta Porã, no Mato Grosso. Lá, Moreira dormia sob um banco de praça quando foi surpreendido por um ladrão que tentou arrancar-lhe o anel do dedo. Levinho resistiu e levou duas facadas, uma na perna e outra no braço. Ainda assim preservou o seu único bem material. Em vez de ir a um hospital, conseguiu uns pedaços de tecido e um pouco de pó de café num armazém e os usou para estancar o ferimento.
Algumas semanas mais tarde, já recuperado, prosseguiu viagem. “Quando chegou na divisa com o Paraná era de madrugada. Levinho viu uma canoa encostada, a desamarrou e atravessou o Rio Paraná”, narra o amigo. Quando se sentia cansado, para não ser surpreendido por animais selvagens, dormia quase no topo das árvores, preso à corda que antes estava amarrada à canoa. “O João a usava para evitar que caísse da árvore durante o sono”, comenta Martins. Levinho chegou a Paranavaí cinco meses depois que deixou Boa Vista.
Abandonou tudo em 1965
Na cidade, conheceu um migrante português que estava de partida para Londrina, no Norte Central Paranaense. O homem ofereceu uma chácara em troca de 50% dos rendimentos. Levinho hesitou por um instante, mas aceitou a proposta. Na propriedade situada na saída de Paranavaí, o roraimense construiu um rancho. Para investir na propriedade, trabalhou como peão na derrubada de mata. “João Levinho comia só uma vez por dia pra guardar dinheiro pra investir na cafeicultura. Conseguiu uma fazenda de café em menos de dez anos”, enfatiza o aposentado.
Moreira se casou em 1957 com uma moça de origem polonesa. O relacionamento foi mantido até 1965, quando descobriu que a mulher o traía. Um ano antes já tinha vivido uma tragédia. Os três filhos de Levinho, que tinham entre três e seis anos, estavam brincando quando foram atropelados por um caminhão carregado de café que ia para o Mato Grosso. “A traição foi o estopim. Ele abandonou tudo, fugiu de casa. Procurei por toda parte, mas não o achei em canto nenhum”, garante Juraci Martins.
Após o Natal de 1968, um caminhoneiro, amigo do aposentado, informou que um homem com as características de João Moreira foi visto nas imediações de Marilena, a 70 km de Paranavaí. Martins percorreu a localidade por horas, até que viu um homem deitado sobre um capinzal, às margens de uma estrada que dava acesso à Fazenda Santa Lúcia. “Levinho estava muito mal vestido, barbudo e com o cabelo comprido. Quase não o reconheci. Tinha um ar sereno no rosto, apesar de um dedo torto, que parecia quebrado, e as cinco facadas que o mataram, deixando a blusa toda vermelha”, confidencia.
Pela primeira vez em 26 anos, João Moreira estava sem o anel de ouro no dedo. “Se tornou o seu bem mais precioso. Sempre me dizia isso. Até hoje não dá pra acreditar que João Ortino Moreira foi morto por aquilo que lhe era tão importante, mas não tão significante para quem quer que tenha sido seu assassino”, declara Juraci Martins. Quando a polícia desistiu das investigações, o amigo percorreu a região tentando descobrir quem matou Moreira. Soube apenas que João Levinho tinha ganhado o apelido de “Quietinho”, um andarilho que nada falava ou pedia a quem quer que fosse e por onde passasse.
Saiba Mais
João Levinho foi encontrado morto em 27 de dezembro de 1968, dia em que completaria 39 anos.
Curiosidade
João Ortino Moreira começou a competir por volta dos 14 anos. Era rápido e leve como o vento, diziam os outros jóqueis que o apelidaram no primeiro campeonato em que participou.
15 quilômetros eram percorridos em uma hora
“A única diferença entre um automóvel e uma carroça é que um era motorizado e o outro não”
Na década de 1950, quem se aventurava pela região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, levava pelo menos uma hora para percorrer 15 quilômetros de carro, jipe ou caminhão. As dificuldades de tráfego faziam com que muita gente saísse da cidade somente em casos de extrema necessidade.
Encarar uma viagem pela região Noroeste do Paraná nem sempre foi sinônimo de lazer e prazer, é o que indica depoimentos de pioneiros que viviam em Paranavaí nos anos 1950. À época, deixar a cidade não tinha nada a ver com a satisfação de fugir da rotina cotidiana, mas sim de cumprir uma obrigação. Na maioria das vezes, os pioneiros pegavam a estrada a trabalho, para comprar produtos necessários à subsistência que estavam em falta em Paranavaí ou até mesmo levar um enfermo a algum hospital com melhor estrutura.
“Naquele tempo, quase ninguém gostava de viajar, a não ser os mais jovens e aventureiros. Quem tinha família, preferia ficar em casa, descansando. Era muito melhor do que seguir pelo picadão e ainda ter que entrar na mata quando viesse um carro na outra direção”, comentou o pioneiro cearense João Mariano. A justificativa é que durante a colonização local as vias urbanas e as estradas da região eram tão precárias que dificilmente alguém conseguia percorrer mais de 15 quilômetros em menos de uma hora.
“A maioria dos veículos não oferecia conforto e eram lentos. Alguns trajetos eram feitos até numa velocidade ainda inferior. A única diferença entre um automóvel e uma carroça é que um era motorizado e o outro não”, comentou Mariano em tom bem humorado, acrescentando que de vez em quando os pioneiros atropelavam alguns animais selvagens pelo caminho.
O pioneiro paranaense Juscelino Camilo de Oliveira costumava viajar de caminhão, percorria toda a região de Paranavaí para abastecer dezenas de armazéns espalhados por cidades e povoados do Noroeste Paranaense. Oliveira disse que já estava acostumado a passar a maior parte do tempo longe da mulher e dos filhos.
“Nessas minhas empreitadas, vivi muitas situações inusitadas. Lembro de quando estava voltando do Porto São José e logo na entrada de Paranavaí ouvi uns grunhidos, gemidos, bem, barulhos que não consegui identificar. Encostei o caminhão rente a uma árvore. Quando desci e me aproximei, tinha um guaxinim e um filhote de jaguatirica pendurados na lona. Levei um baita susto e eles também, tanto que rapidinho correram pra mata nas imediações do Jardim São Jorge”, relatou.
Juscelino Camilo ainda admitiu ter atropelado alguns animais à noite durante as viagens como caminhoneiro, contudo, ressaltou que eram sempre bichos de pequeno porte. “No escuro, com a mata quase colada na estrada, o bichinho passava na frente e não dava pra evitar o atropelamento. Tudo acontecia rápido demais, apesar do caminhão ser lento. Ás vezes, eu ficava na dúvida e me esgueirava pela janela pra ver, daí ficava aliviado quando enxergava o animal terminando a travessia”, destacou Oliveira.
“Qualquer deslize podia fazer invadir a mata e bater numa árvore”
O pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza contou que o pesadelo dos viajantes até a década de 1950 era “encarar a estrada” em dias de chuva. “Viajei poucas vezes com meu jipe em tempos chuvosos. Teve uma vez que a minha filha adoeceu e não melhorava de jeito nenhum, daí levei ela até Londrina, pois lá eu tinha um primo que era um ótimo médico. Só que a viagem foi terrível porque a lama estava bem funda e o carro atolou umas sete, oito vezes, mesmo amarrando correntes nas rodas. A gente saiu daqui num domingo e chegou lá só na terça-feira, pra você ter uma ideia de como a estrada ficava pior ainda com o tempo ruim”, revelou Souza.
Como os veículos eram lentos e as vias se resumiam a picadões, os acidentes não eram graves, embora aconteciam com certa frequência. O pioneiro catarinense José Matias Alencar explicou que em 1952 já era preciso ser um bom motorista para que a viagem fosse completada com sucesso. “Mesmo que a estrada fosse uma só, mudava muito de um trecho até o outro e isso era enganoso. Em um pedaço, você tinha uma pista mais transitável, e logo ali na frente o chão já era diferente, com sobras de vegetação pelo caminho. Se o peão não estivesse atento, qualquer deslize podia fazer ele invadir a mata e bater numa árvore. Eu, por exemplo, em 1950, não conhecia direito a região e bati meu carro perto da Capelinha [atual Nova Esperança]. Tive que voltar pra Paranavaí a pé”, enfatizou Alencar que chegou à cidade só no dia seguinte.
A perspectiva alemã sobre Paranavaí
“Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas”
O padre provincial alemão Jacobus Beck veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em fevereiro de 1952 para conhecer o trabalho do frei Ulrico Goevert, responsável pela Paróquia São Sebastião. Na então colônia, Beck se surpreendeu e se identificou com alguns costumes. No mesmo ano, a experiência de três semanas foi registrada em várias edições da revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera.
A curta passagem de Beck não permitiu que ele aprendesse a língua portuguesa. Por isso, pode-se dizer que o frei alemão está entre os padres germânicos que vieram a Paranavaí nos anos 1950 e não tiveram tempo de ter um profundo contato com a cultura dos moradores da colônia, fossem brasileiros ou estrangeiros. O fato fato foi o diferencial nos artigos publicados na Karmelstimmen, sob o título de “Meine Reise Nach Brasilien“.
Era um sábado, 9 de fevereiro de 1952, quando Jacobus Beck sobrevoou o Noroeste do Paraná. Observou ao longe os campos cortados por imensos rios. “Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas. Mas foi só quando estávamos na região de Paranavaí que vi a mata virgem”, afirmou o alemão, acrescentando que tudo era tão belo que dava a impressão de que o céu se curvava diante do avião. Por volta do meio-dia, o padre se deparou com a colônia composta por um sem número de pequenas casas de madeira.
Logo o avião pousou no antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), ladeado por espessa mata primitiva. De lá, Beck pegou uma carona com o frei Ulrico Goevert em um jipe estadunidense. Foram para o centro da colônia, onde viviam mais de cinco mil pessoas. “Não era uma cidade ao modelo europeu com casas de pedras e ruas asfaltadas, mas também não lembrava nossas aldeias. As residências eram bem simples e remetiam às nossas barracas de feira. As vias pareciam os caminhos alemães que davam acesso aos areais”, comentou frei Jacobus.
O que chamou a atenção do alemão na Colônia Paranavaí foi a ordem e a limpeza, além da facilidade em se adquirir bens de consumo. De acordo com Beck, o povoado contava com muitos locais de lazer, carros e caminhões. “Isso já me lembrou a Alemanha, o tráfego dos veículos, os barulhos dos que vinham e dos que iam pelas ruas esburacadas”, frisou, rememorando que em 1952 três novas casas eram construídas por semana em Paranavaí. O padre também percebeu que a agricultura na colônia era voltada principalmente para a produção de café, algodão, arroz e milho.
“A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem”
Jacobus Beck estranhou o fato de não ter encontrado batata no povoado, um dos principais alimentos da culinária germânica. “Em Paranavaí se consumia a mandioca, uma hortaliça de raiz grossa que tem gosto e uso equivalente ao da batatinha”, avaliou o alemão que se surpreendeu com o tamanho do gado bovino criado na colônia, bem maior do que os animais alemães.
Nas passagens pelos pomares locais, entre as frutas tropicais que Beck experimentou e aprovou estavam banana, abacaxi, limão e figo. “A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem. Estava sendo trabalhado pelas mãos humanas pela primeira vez, então tinha uma umidade inacreditável. Apesar do calor tropical, chovia muito e acho que a proximidade com muitos rios e riachos ajudava”, enfatizou.
De acordo com o padre, o solo e as condições climáticas eram os principais fatores que atraíam tanta gente a Paranavaí. Havia brasileiros de outras regiões, europeus e japoneses. “Não cheguei a presenciar nenhum caso de racismo. Acho que todos viviam pacificamente”, destacou o frei que estranhou a maneira como a população local o cumprimentou, com abraços e tapas nas costas, embora admitiu que se acostumou.
Na Casa Paroquial, no quarto onde Jacobus Beck foi hospedado, o padre imaginou que encontraria janelas com vidraças e cortinas, ao melhor estilo alemão. “Foi uma procura em vão. Só havia uma grande abertura na parede e que era fechada à noite com janelas feitas de tábuas. Dormia na própria sacristia, com morcegos e camundongos “, ressaltou em tom bem humorado.
A hospitalidade dos moradores estava entre as melhores lembranças do frei. Segundo Beck, o que um tinha dividia com o outro. Além disso, os convidados de uma festa eram sempre tratados com muito carinho e atenção. “É claro que a maioria tinha pouco a oferecer, mas caso o agraciado não aceitasse, isso era entendido como uma ofensa”, observou.
“Ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras”
À época, os padres eram vistos como autoridades de suma importância, tanto que por onde passavam ficavam rodeados de pessoas, como numa feira, na analogia de Beck ao perceber que a figura do vigário era muito estimada pela população. Até mesmo em casos de dores de dente, as pessoas procuravam o padre para dar uma solução ao problema ou então ofertar uma bênção.
Nas muitas vezes que percorreu as estradas de Paranavaí, achou o trânsito bastante intenso, até mesmo nas estradas por onde jipes e caminhões trafegavam dia e noite. “Isso ocorria porque muita gente era levada para as fazendas na mata virgem”, justificou.
À revista alemã, Jacobus Beck discorreu sobre um episódio em que foram até a Fazenda Santa Lúcia (situada em área que hoje pertence a Marilena) pela estrada da Água do 14, entre Piracema e Guairaçá, e tiveram de percorrer dezenas de quilômetros de mata a bordo de um jipe. “Nas subidas e descidas, muitas vezes ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras. Chegamos a atravessar rios com o veículo. Encontramos animais selvagens, como répteis, e muitas plantações”, confidenciou o padre que enganou uma cascavel de cinco anos, com um metro e meio de comprimento, e cortou-lhe o guizo de cinco anéis para levar de lembrança à Alemanha.
Naquele tempo, às imediações do Rio Paraná, viviam um tenente e um pelotão de soldados do Exército Brasileiro dispersos por pequenas casas de madeira. Com eles, frei Ulrico e frei Jacobus tomaram chimarrão. O grupo era responsável por controlar as navegações fluviais, evitando contrabandos de produtos enviados à Argentina.
Curiosidades
Em artigo à revista alemã Karmelstimmen, Jacobus Beck escreveu que a mata primitiva que circundava o Rio Paraná era a maior floresta virgem do Brasil.
Nos anos 1950, por causa das dificuldades de tráfego, o avião era o meio de transporte mais usado pela população de Paranavaí, superando caminhões, jipes e carros.
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O avião que caiu na mata noroestina em 1947
A queda do teco-teco nas imediações do Rio Ivaí quase custou a vida de dois jovens
Em 1947, a região Noroeste do Paraná foi cenário de um acidente aéreo que quase terminou em tragédia nas imediações do Rio Ivaí. À época, o fato chamou muita atenção e sensibilizou a população de Paranavaí que se uniu para orar e procurar as vítimas.
Naquele ano, dois jovens de Cafelândia, na mesorregião de Bauru, interior de São Paulo, filhos de um conhecido produtor rural, deixaram a cidade natal em um avião monomotor do tipo teco-teco e vieram em direção ao Paraná para fechar uma negociação de produção de café.
Durante a viagem, pouco tempo depois entrarem no Paraná, foram surpreendidos pelo mau tempo, fortes correntes de ar frio que faziam com que o veículo balançasse bastante. Como o avião era relativamente leve, os rapazes não conseguiram manter a estabilidade por muito tempo, nem encontrar um local para pousar, já que estavam em área de mata primitiva próxima ao Rio Ivaí.
Não demorou muito, o temporal se intensificou e o frágil teco-teco foi ao chão, levando junto os dois passageiros. Dias mais tarde, a população de Paranavaí foi informada que aconteceu um acidente aéreo e dois jovens estavam desaparecidos. “Eu rezei muito por eles”, disse a pioneira Inez Colombelli em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Houve muita comoção na cidade. Enquanto alguns se voluntariavam para dar início a busca e salvamento, outros não acreditavam na possibilidade dos rapazes terem sobrevivido. “Naquele tempo, um acidente de avião era como uma coisa do outro mundo. Quando alguém falava disso, a maioria dava a morte como certa”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.
Mesmo assim, Inez e muitas outras pioneiras de Paranavaí oravam todos os dias pela salvação dos dois jovens. De acordo com a senhora Colombelli, as preces foram atendidas, pois 17 dias após a queda do avião os rapazes chegaram a Paranavaí. Estavam exauridos e famintos, mas felizes por verem pessoas depois de tanto tempo. “Quando apareceram no povoado, estavam barbudos e com as roupas todas rasgadas”, relatou o pioneiro catarinense Carlos Faber.
Os sobreviventes foram bem recebidos pela comunidade. No mesmo dia, enquanto alguns se preocupavam em oferecer um local de descanso e alimentá-los, outros trataram de entrar em contato com a família das vítimas em Cafelândia. O mais surpreendente é que ninguém estava gravemente ferido. O que garantiu a sobrevivência dos dois jovens foi a rica vegetação da região, principalmente as árvores que amorteceram o impacto da queda do monomotor.
Segundo os sobreviventes, dificilmente estariam vivos se o teco-teco caísse diretamente no solo. O que também chamou a atenção é que a mata primitiva do Noroeste do Paraná era conhecida por ser habitada por muitos animais selvagens. Os rapazes relataram que quanto a isso não enfrentaram nenhum perigo. Por precaução, sempre paravam para descansar quando anoitecia, normalmente em locais altos e de boa visibilidade. A alimentação era improvisada com frutos, até mesmo desconhecidos. Foi o risco que correram para garantir a sobrevivência.
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A peste que assolou a Brasileira
Doença dizimou centenas de porcos na década de 1940
No início da década de 1940, muitos dos pioneiros que chegavam à Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, trouxeram gado, porcos e cabras, visando incrementar renda com a criação de animais. O que ninguém imaginava na época é que alguns anos depois um surto de peste suína dizimaria centenas de porcos.
Em 1944, muitos migrantes e imigrantes que fixaram residência na colônia tiveram a ideia de investir na suinocultura, motivados pela escassez de carne. Um exemplo é o pioneiro paulista Salatiel Loureiro que naquele ano construiu o terceiro rancho da Brasileira.
Logo que fixou residência no povoado, Salatiel Loureiro sentiu falta de comer carne, então decidiu ir a pé até Campo Mourão, no Centro Ocidental Paranaense, comprar animais para criar. Lá, comprou porcos e os tocou a pé até a Brasileira, numa viagem que durou dias. “Vim pela estrada mesmo, não tinha condução”, contou. A via percorrida por Loureiro era um picadão precário envolto por uma mata densa e fechada.
À noite, o pioneiro, acompanhado dos porcos, se abrigava diante de uma fogueira para descansar e também evitar o confronto com animais selvagens. “O ruim era que tinha muito mosquito”, comentou, acrescentando que as agruras eram superadas pelas belezas naturais. Segundo Loureiro, as novas gerações nunca imaginariam como a região de Paranavaí era bonita nos anos 1940.
Em 1947, Salatiel tinha uma das maiores criações de porcos da Fazenda Brasileira, o que era motivo de orgulho para o pioneiro. No entanto, no mesmo ano a peste suína chegou à colônia e dizimou centenas de suínos. “A peste acabou com a minha porcada. Fiquei no zero”, lamentou Loureiro que nunca mais quis saber de investir na suinocultura. Conforme palavras dos pioneiros, a doença vitimava animais todos os dias.
Poucos suínos resistiram à doença. A sobrevivência desses é creditada a uma promessa feita pelos pioneiros. “Eles se juntaram e rezaram. Falaram que se Deus os livrasse da peste suína, eles fariam de São Sebastião o padroeiro da igreja. A peste desapareceu e o povo cumpriu o prometido”, revelou o padre alemão Ulrico Goevert no pequeno livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.
Um dos moradores da Brasileira foi de caminhão até São Paulo, de onde trouxe a estátua de São Sebastião feita em gesso e com 1,30m de comprimento. A imagem doada pelo imigrante italiano Genaro Pienaro foi guardada na residência de um agricultor, pois a igrejinha ainda não tinha telhado. Se chovesse, a estátua corria risco de ser danificada. Não foram poucas as vezes em que o colono recebeu visitas de moradores que pediam autorização para orar em frente ao padroeiro da cidade.
Foi assim até a estátua ser remanejada para a Casa Paroquial. De acordo com Frei Ulrico, quando o telhado da igreja ficou pronto, São Sebastião foi colocado no seu devido lugar. “Durante o período de reformas, as estátuas ficaram desabrigadas, no mais verdadeiro sentido da palavra”, enfatizou o padre alemão que se surpreendeu com o fato da população local venerar tantos santos.