David Arioch – Jornalismo Cultural

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Tom Regan: “Você nunca deve considerar os interesses daqueles que violam os direitos dos animais (ou humanos) antes de julgar o que estão fazendo como errado”

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“Embora eu reconheça o papel importante que Singer desempenhou nos estágios iniciais do movimento moderno, não acredito que suas ideias representem o que os ativistas acreditam”

“Acredito que ambas as ideias [de Peter Singer] não são apenas equivocadas, são fundamentalmente enganosas, de maneira que são prejudiciais aos animais” (Acervo: The Animals Voice)

Embora o filósofo australiano Peter Singer tenha feito uma grande diferença no movimento moderno em defesa dos direitos animais, em parte, pela publicação do livro “Animal Liberation” em 1975, que se tornou um clássico para o movimento dos direitos animais, com o tempo o seu discurso passou a ser criticado por outros importantes nomes da luta pelos direitos animais. Antes de falecer em 17 de fevereiro de 2017, o filósofo estadunidense Tom Regan, um dos teóricos mais proeminentes na defesa pelo abolicionismo animal, e que fazia oposição ao utilitarismo de Singer, concedeu uma entrevista a Claudette Vaughan, do Vegan Voice, explicando quais os seus principais pontos de discordância em relação à filosofia de Peter Singer.

Tom Regan, autor do clássico “Empty Cages”, de 2004, relatou que com o tempo Peter Singer passou a defender unicamente duas ideias principais: “[De acordo com Singer], Primeiro, devemos considerar os interesses de todos e ter igual igualdade de interesses. Segundo, depois de ter feito isso, devemos fazer o que traz o melhor equilíbrio geral dos interesses dos afetados. A primeira ideia diz respeito ao procedimento: o que temos que fazer antes de decidir o que é o certo a se fazer?  A segunda ideia diz respeito ao julgamento moral: o que é o certo a se fazer? Acredito que ambas as ideias não são apenas equivocadas, são fundamentalmente enganosas, de maneira que são prejudiciais aos animais.”

Regan discordava de Singer quanto ao procedimento de consideração de interesses porque, de acordo com ele, isso significa colocar em uma balança, e em nível de igualdade, não apenas os interesses dos explorados, mas também dos exploradores em continuar fazendo o que fazem. Para Regan, a perspectiva ética de Singer em relação ao procedimento, ou seja, o que temos de fazer antes de decidir o que é certo, é perigosa, porque, com base nisso, alguém pode dizer também que é importante considerar os interesses de estupradores, proprietários de escravizados e pedófilos antes de julgar que o que eles fizeram e fazem é absolutamente reprovável e inaceitável.

“Similarmente, acredito que é profundamente equivocado dizer que devemos considerar os interesses das pessoas na indústria de pele, vivissecção ou agricultura animal antes de julgarmos que essas pessoas estão fazendo algo terrivelmente errado. Minha posição não poderia ser mais oposta a essa ideia. Você nunca deve considerar os interesses daqueles que violam os direitos dos animais (ou humanos) antes de julgar o que estão fazendo como errado, isto porque estão violando os direitos de alguém”, justificou Tom Regan a Claudette Vaughan.

Tom Regan afirmou em entrevista ao Vegan Voice que muitas pessoas acreditam que o seu trabalho e o de Singer são muito similares. “‘Singer não diz o mesmo?’, ‘Singer não acredita nos direitos animais?’ Para essas perguntas, a resposta honesta é: ‘Não, ele não diz a mesma coisa. Não, ele não acredita nos direitos animais.’ E se alguém pergunta: ‘No que ele acredita então?’ A resposta é: ‘Ele acredita nas duas ideias que descrevi.’”

“Acredito que é profundamente equivocado dizer que devemos considerar os interesses das pessoas na indústria de pele, vivissecção ou agricultura animal antes de julgarmos que essas pessoas estão fazendo algo terrivelmente errado” (Foto: American Anti-Vivisection Society)

Regan citou que Peter Singer não acredita que a vivissecção seja sempre errada, apontando que o filósofo australiano crê que há situações em que a vivissecção é justificável. “Se os resultados estão em melhor equilíbrio do que se fossem obtidos de outra maneira, então sua visão é a de que não há nada de errado em usar animais em pesquisa. Este é um motivo pelo qual penso que as ideias de Singer são prejudiciais aos animais. Minha posição não poderia ser mais oposta à sua”, explicou o filósofo a Claudette Vaughan.

Tom Regan enfatizou que as pessoas não deveriam ficar chocadas ao saberem disso, levando em conta que Peter Singer diz que não é moralmente errado ter relações sexuais com animais. “Desde que o sexo ocorra em local privado, e assumindo que os participantes estão gostando, ele não vê nada de errado nisso. Isso é perfeitamente condizente com as duas principais ideias de Singer. Na verdade, isso é exigido pelas suas duas principais ideias. Novamente, a minha posição não poderia ser mais oposta a dele. Na minha visão, bestialidade é sempre moralmente errada pelas mesmas razões que sexo com crianças é moralmente errado: os direitos daqueles que não podem dar o consentimento são violados”, criticou.

O filósofo estadunidense argumentou que a última coisa que os animais precisam é que os exploradores de animais insinuem que os ativistas da militância pelos direitos animais estão reivindicando direitos para que possamos ter sexo mutuamente satisfatório com seres não humanos: “Quero dizer, meu Deus! Se isso acontecesse, os ativistas seriam vistos como desonestos, na melhor das hipóteses, e depravados, na pior das hipóteses. Em ambos os casos, o que os ativistas dizem em nome dos animais seria totalmente desconsiderado. Seria muito difícil calcular o dano maciço que seria causado aos animais. Então, embora eu reconheça o papel importante que Singer desempenhou nos estágios iniciais do movimento moderno, além de eu gostar muito dele como pessoa, não acredito que suas ideias representem o que os ativistas da militância pelos direitos animais acreditam. Espero que isso se torne mais claro à medida que avançamos. E precisa ser assim.”

Saiba Mais

Professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos, Tom Regan conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil. Outras de suas obras de referência são “All That Dwell Therein: Essays on Animal Rights and Environmental Ethics”, de 1982; e “The Case for Animal Rights”, de 1983.

Referência

Vaughan, Claudette. An American Philosopher: The Tom Regan Interview. Vegan Voice. Republicado pela Animal Liberation Front (ALF).





Walter Brain: “Pessoalmente, não vejo razão para conceder uma mente aos meus congêneres humanos e negá-la aos animais”

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Foto: Walter Bird (1962)

Pessoalmente, não vejo razão para conceder uma mente aos meus congêneres humanos e negá-la aos animais (…) Pelo menos, não posso negar que os interesses e atividades dos animais estão relacionados com uma consciência e uma capacidade de sentir da mesma forma que os meus, e que estes podem ser, tanto quanto sei, tão vívidos quanto os meus.

Cada partícula de evidência factual apoia o argumento de que os mamíferos vertebrados superiores experimentam as sensações dolorosas de forma pelo menos tão intensa como nós. Dizer que eles sentem menos porque são animais inferiores é absurdo: pode facilmente demonstrar-se que muitos dos seus sentidos são muito mais desenvolvidos do que os nossos – a acuidade visual em certas aves, a audição na maior parte dos animais selvagens, e o tato noutros; hoje em dia, estes animais dependem mais do que nós de uma consciência o mais alerta possível em relação a um ambiente hostil.

Com exceção da complexidade do córtex cerebral (que não se relaciona diretamente com a dor), os seus sistemas nervosos são quase idênticos aos nossos e a sua reação à dor é extraordinariamente semelhante à nossa, embora encontrando-se ausentes (tanto quanto sabemos) os matizes filosóficos e morais. O elemento emocional é por demais evidente, expressando-se sobretudo sob a forma de medo e ira.

Walter Russell Brain, 1st Baron Brain, um dos mais importantes neurologistas do século 20. Página 27 do livro “Animal Liberation”, de Peter Singer.





Animais não humanos podem sofrer mais do que nós

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Acervo: Peta

Por vezes, os animais podem sofrer mais devido à sua compreensão limitada. Se, por exemplo, fizermos prisioneiros de guerra, podemos explicar-lhes que, embora eles tenham de se sujeitar à captura, a serem revistados e a perderem a liberdade, não serão molestados de outras formas e que terão a liberdade concedida no final das hostilidades. No entanto, se capturarmos animais, não podemos explicar-lhes que não pensamos em colocar suas vidas em risco. Um animal não consegue distinguir uma tentativa de dominação e limitação de movimentos de uma tentativa de matar: tanto terror lhe causa uma como a outra.

Página 30 do livro “Animal Liberation”, de Peter Singer.





“A única coisa que distingue a criança do animal, aos olhos dos que defendem que ela tem ‘direito à vida’, é o fato de ser, biologicamente, um membro da espécie Homo sapiens”

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Australian philosopher Peter Singer poses for an portrait at Yale University Press office to promote his new book “The Most You Can Do”, in London, Britain, June 11, 2015 (Photo: Tristan Martin)

Suponhamos que, como tantas vezes acontece, uma criança nasça com lesões cerebrais profundas e irreversíveis. A deficiência é tão grave que a criança nunca passará de um “vegetal humano”, incapaz de falar, reconhecer outras pessoas, agir de forma autônoma ou desenvolver um qualquer sentido de autoconsciência. Os pais, apercebendo-se de que não podem esperar qualquer melhoria no estado da criança, e não podendo despender ou pedir ao Estado que despenda os milhares de dólares necessários anualmente para os cuidados adequados à criança, pedem ao médico que mate a criança de uma forma indolor.

Deverá o médico fazer o que os pais lhe pedem? Do ponto de vista legal, não deve, pois, a este respeito, a lei reflete a perspectiva da santidade da vida. A vida de cada ser humano é sagrada. No entanto, as pessoas que diriam isto a respeito da criança não colocariam objeções ao abate de animais não humanos. Como podem elas justificar os seus diferentes juízos? Os chimpanzés, os cães, os porcos e os membros adultos de muitas outras espécies ultrapassam de longe a criança com lesões cerebrais nas suas capacidades de relacionamento social, de agir independentemente, de ter autoconsciência e de todas as outras capacidades que poderiam razoavelmente considerar-se como conferindo valor à vida.

Mesmo com os cuidados mais intensivos, algumas crianças gravemente afetadas nunca conseguem atingir o nível de inteligência de um cão. Nem podemos fazer apelo ao empenhamento dos pais da criança, uma vez que eles, neste exemplo imaginário (e em alguns casos reais), não querem manter a criança viva. A única coisa que distingue a criança do animal, aos olhos dos que defendem que ela tem “direito à vida”, é o fato de ser, biologicamente, um membro da espécie Homo sapiens, ao passo que os chimpanzés, os cães e os porcos não o são. Mas utilizar esta distinção como base para conceder o direito à vida à criança e não aos outros animais é, claramente, puro especismo. É exatamente este o tipo de distinção arbitrária que o racista mais cruel e assumido utiliza para tentar justificar a discriminação racial.

Peter Singer em “Animal Liberation”, de 1975.

 





Written by David Arioch

September 18th, 2017 at 6:23 pm

Henry Salt, um pioneiro dos direitos animais

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“Devemos reconhecer o vínculo comum da humanidade que une todos os seres vivos em uma só fraternidade”

Henry Salt era um protovegano, e contrário à posição da Vegetarian Society, da Inglaterra, de promover o consumo de ovos, laticínios e mel (Foto: Reprodução)

O escritor inglês, humanitarista e reformador social Henry Salt foi um dos pioneiros da discussão sobre os direitos animais. Sua contribuição foi tão significativa que em 1975, quando o filósofo australiano Peter Singer publicou “Animal Liberation”, o seu livro mais famoso, mais tarde considerado uma das bases filosóficas do movimento de libertação animal, ele fez questão de dizer que uma nova geração descobriu tudo que tinha sido dito antes – em referência às obras deixadas por Salt, que faleceu cinco anos antes da criação do veganismo pela Vegan Society.

Henry Salt era um protovegano, e contrário à posição da Vegetarian Society, da Inglaterra, de promover o consumo de ovos, laticínios e mel como parte de uma dieta que eles consideravam a mais adequada aos “vegetarianos”. Salt sabia que o abandono do consumo de outros alimentos de origem animal era o único e verdadeiro caminho do vegetarianismo ético. Até porque consumi-los significa reconhecer que são alimentos de consumo humano.  No ensaio “A Plea for Vegetarianism”, publicado em 1885, ele declarou que mesmo os produtos lácteos são desnecessários e, sem dúvida, serão dispensados completamente sob um sistema de dieta mais natural.

No ano seguinte, esse trecho foi suprimido na nova versão que reuniu outros ensaios sob o título “A Plea for Vegetarianism, And Other Essays”, e porque a própria sociedade vegetariana inglesa deixou subentendido que caso Salt criticasse os hábitos dos vegetarianos da época, ele ficaria sem leitores, já que a maioria se enquadrava no que posteriormente foi definido como ovolactovegetarianismo. Por outro lado, a versão de 1885 é uma das provas da boa vontade de Henry Salt na luta pela consolidação do vegetarianismo ético que daria origem ao veganismo.

Também há que se ponderar que à época os vegetarianos da Vegetarian Society, que em sua maioria eram ovolactovegetarianos, não tinham um entendimento profundo das implicações morais e éticas do consumo de outros alimentos de origem animal. Muitos acreditavam que sem morte não havia violência ou privação, e essa linha de pensamento se baseava em um escasso entendimento das proposições da revolução industrial no que dizia respeito ao “destino comum” dos animais explorados para consumo humano.

Muitos ignoravam ou não percebiam que se alimentar de animais em qualquer nível significava legitimar a exploração sobre outras espécies. Exemplo disso foi o choque do escritor irlandês George Bernard Shaw, que abdicou do consumo de ovos e laticínios quando soube que simplesmente deixar de comer carne não contribuía tanto com o vegetarianismo ético quanto ele imaginava.

Analisando o contexto do vegetarianismo na Inglaterra do século 19, e levando em conta que Henry Salt teve de aceitar o fato de que ser “vegetariano demais” poderia gerar desconforto e antipatia por parte de outros “vegetarianos”, talvez seja justo dizer que os defensores do ovolactovegetarianismo da época se dividiam em dois grupos: os ingênuos ou menos informados, que acreditavam que simplesmente não consumir carne era o suficiente para endossar o vegetarianismo ético, e os acomodados – praticantes do vegetarianismo de conveniência, ou seja, que acreditavam que abdicar do consumo de laticínios e ovos seria um erro, já que significaria uma posição “radical” demais que poderia gerar conflitos no contexto das convenções sociais da época.

“Mesmo os produtos lácteos são desnecessários e, sem dúvida, serão dispensados completamente sob um sistema de dieta mais natural” (Foto: Reprodução)

Em 1906, quando Henry Salt publicou “The Logic of Vegetarianism”, mais uma vez ele evitou fazer críticas ao consumo de outros produtos de origem animal, e mais uma vez para não despertar a inimizade dos membros da Vegetarian Society. Porém, quando foi vice-presidente dessa mesma entidade, não raramente ele argumentava que jamais entendeu por que a palavra vegetariano trazia, enquanto conceito de uma época em que o vegetarianismo era quase sinônimo do não consumo de carne, alimentos que nunca foram de origem vegetal.

Nesse aspecto, a natureza espirituosa, humanitarista, modesta e tranquila de Henry Salt falava mais alto, e ele acabava por não ir tão longe em seus discursos mais críticos. Porém, mesmo sem precisar conquistar desafetos, as suas obras por si só já traziam a transparência de seu caráter e desejo de ver os animais livres do jugo humano.

Prova disso é que em 1890, quando Gandhi estudava direito em Londres, e já não seguia os preceitos do vegetarianismo indiano, até pelo fato de encará-lo mais como uma obrigação, ele leu um dos livros de Henry Salt, o que transformou sua vida e abriu seus olhos para o vegetarianismo ético. “Li o livro de Salt, de capa a capa, e fiquei muito impressionado. A partir do dia em que li este livro, me tornei vegetariano por escolha”, declarou.

Salt tinha uma forma não agressiva de chamar a atenção para os direitos animais, e isso também fez e faz dele um grande exemplo de transformação e divulgação positiva do vegetarianismo ético. Há quem o considere a figura mais importante do movimento vegetariano do final do século 19 para o século 20. E um dos livros que contribuiu para isso foi “Animals’ Rights: Considered in Relation to Social Progress”, publicado originalmente em 1892, e qualificado pelo filósofo Peter Singer como uma das obras essenciais em defesa dos direitos animais.

O livro é dividido em temas como o caso dos animais domésticos, o caso dos animais selvagens, a matança de animais para produção de comida, tortura experimental e linhas de reforma, entre outros tópicos. No livro, Salt diz que o sofrimento imposto aos animais é consequência da ausência de direitos, e vale-se dos absurdos que ouvia de tanta gente, inclusive do meio intelectual, na tentativa de legitimar a exploração animal, considerando-a como parte natural do ciclo da vida.

Ele apresenta argumentos refutando todas as justificativas especistas que ouviu ao longo de anos, e destaca a importância de uma cruzada intelectual, literária e social contra a opressão animal. No entendimento do escritor inglês o que os animais vivem hoje é a mesma realidade vivida anteriormente pelos escravos, e os discursos contra os direitos animais são tão falaciosos quanto os dos detratores do abolicionismo.

Henry Salt vivia com a esposa em uma casa de campo, onde plantavam a própria comida. Em 1891, o escritor fundou a Liga Humanitária, que se manteve na ativa até 1920. Como secretário geral e editor, ele fez campanha tanto em favor dos direitos dos desprivilegiados quanto dos animais não humanos. Na página 2 de “Animals’ Rights: Considered in Relation to Social Progress”, ele escreveu que a noção de que a vida de um animal é isenta de “propósito moral” pertence a uma classe de ideias que não pode ser aceita pelo pensamento humanitário avançado da atualidade.

“A noção de que a vida de um animal é isenta de “propósito moral” pertence a uma classe de ideias que não pode ser aceita pelo pensamento humanitário avançado da atualidade”

“É uma suposição puramente arbitrária, em desacordo com os nossos melhores instintos, em desacordo com a nossa melhor ciência, e absolutamente fatal (se o assunto for claramente pensado) para qualquer realização plena dos direitos animais. Se quisermos fazer justiça às raças inferiores, devemos nos livrar do “grande abismo” fixado entre elas e a humanidade; e devemos reconhecer o vínculo comum da humanidade que une todos os seres vivos em uma só fraternidade universal”, escreveu.

Em 1914, aos 63 anos, Henry Salt conseguiu ampliar a discussão em torno do uso de produtos animais. Após a Primeira Guerra Mundial, ainda publicou muitos livros, que só não tiveram maior repercussão porque o clima tenso da guerra ofuscou o debate sobre o vegetarianismo ético. Em 1931, quando Gandhi ministrou uma palestra intitulada “A Base Moral do Vegetarianismo” na Vegetarian Society, em Londres, ele teve o auxílio de Henry Salt, que à época estava com 80 anos. Gandhi então fez o que poucos fizeram até então, e provavelmente influenciado pela base filosófica de Salt – qualificou o uso de leite por vegetarianos como uma tragédia.

Não foi somente em relação a isso que Salt influenciou Gandhi. As biografias que o defensor dos direitos animais escreveu sobre Percy Bysshe Shelley e Henry David Thoreau também chamaram a atenção do líder indiano. Influenciado por Henry Salt, Gandhi leu o ensaio “A Desobediência Civil”, publicado por Thoreau em 1849, o que teve grande impacto em seu ativismo político.

O poeta Percy Shelley, que era vegetariano e protovegano, foi uma importante influência para Henry Salt. O reformador social o considerava um exemplo de ser humano empenhado na luta pelos direitos humanos, animais e da verdadeira liberdade de pensamento e ação. Salt se identificou muito com Shelley porque, assim como ele, era alguém que lutava contra aqueles que se opunham ao progresso.

“Quando digo que vou morrer, como tenho vivido, racionalista, socialista, pacifista e humanitarista, devo deixar claro o meu propósito. Não acredito na religião presentemente estabelecida. Mas tenho uma fé religiosa muito firme – um credo de parentesco que eu chamo; uma crença de que nos próximos anos haverá um reconhecimento da fraternidade entre homem e homem, nação e nação, humano e sub-humano, o que vai transformar um estado de semi-selvageria, como o temos em nossa civilização, em um estado onde não  haverá tal barbaridade como a guerra, o roubo dos pobres pelos ricos, ou o uso de animais inferiores pela humanidade”, registrou Henry Salt em um papel deixado sobre sua mesa antes de falecer.

Saiba Mais

Henry Salt nasceu na Índia Britânica em 20 de setembro de 1851 e faleceu em Surrey, na Inglaterra, em 19 de abril de 1939.

Ele lutou muito contra a vivissecção.

Referências

Salt, Henry. Animals’ Rights: Considered in Relation to Social Progress. Cornell University Library (1894).

Singer, Peter. Animal Liberation: The Definitive Classic of the Animal Movement. Harper Perennial; Edição: Updated ed (2009).

Salt, Henry. The Logic of Vegetarianism: Essays and Dialogues. G. Bell and sons (1906).

Henry, Salt. A plea for vegetarianism and other essays Vol: 1886 1886. Facsimile Publisher (2015).

http://www.henrysalt.co.uk/

 

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Os 30 anos do disco “Animal Liberation”, produzido em prol dos animais

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Mote do disco: “Os animais não são nossos para comermos, usarmos e fazermos experimentações”

O disco foi uma ideia do então diretor de divulgação da Peta – Dan Mathews (Foto: Reprodução)

No dia 21 de abril, “Animal Liberation”, o primeiro disco inteiramente dedicado aos direitos animais, completou 30 anos. Quando foi lançado em 1987, o disco produzido por Al Jourgensen, da lendária banda de metal industrial Ministry, chamou a atenção pela proposta diferenciada. Até então, registros fonográficos com caráter beneficente eram feitos apenas em prol de causas humanitárias. Um clássico e grande exemplo é a música “We Are the World”, escrita por Michael Jackson e Lionel Richie em 1985.

Depois de refletir sobre isso, Dan Mathews, então diretor de divulgação da organização Pessoas Pelo Tratamento Étnico dos Animais (Peta), conheceu Al Jourgensen, que já era diretor da Wax Trax! Records, e pediu sua opinião sobre a ideia de um disco dedicado à causa animal: “Vá em frente!”, disse Jourgensen que se ofereceu para produzi-lo, de acordo com matéria de Tom Popson, publicada no Chicago Tribune em 7 de novembro de 1986.

A inspiração para “Animal Liberation” veio com a música “Skin”, lançada em 1980 pela banda britânica Siouxsie & the Banshees. A composição fala sobre a realidade da indústria de peles. “Pensei: ‘Isso é efetivo!’”, declarou Mathews. Depois de um ano de contato com bandas e artistas em carreira solo, o trabalho ganhou corpo com uma forte proposta baseada no mote: “Os animais não são nossos para comermos, usarmos e fazermos experimentações”.

Disco foi produzido por Al Jourgensen, da lendária banda de metal industrial Ministry (Foto: Allan Amato)

Segundo Dan Mathews, muitos artistas e grupos entraram em contato querendo contribuir de alguma forma, porém, muitos queriam doar músicas com outra temática. “Como suas músicas não falavam diretamente dos direitos animais, realmente não podíamos aceitá-las”, justificou e acrescentou que a Peta visava tanto o aspecto financeiro quanto educacional.

Criticando a vivissecção, indústria de peles, indústria da carne e também a caça, Nina Hagen, Lene Lovich, Attrition, Chris & Cosey, Colour Field, Luc Van Acker, Shriekback, Captain Sensible e Howard Jones doaram não apenas tempo e criatividade, mas também disponibilizaram seus próprios estúdios de gravação para a realização do projeto. Enquanto “Hunter”, de Van Acker critica a caça, Hagen e Lovich abordam os testes em animais e a redução de animais à comida.

O que agradou bastante em relação ao disco é que houve uma preocupação em não parecer hostil nas letras e na temática, o que permitiu que “Animal Liberation” conquistasse bastante aceitação entre pessoas que não eram vegetarianas. “Nina e Lene têm uma canção muito otimista, muito vigorosa. Acho que é a música mais pop que elas fizeram. E não é algo que pareça como uma lição de moral. […] As pessoas podem tirar suas próprias conclusões”, declarou Mathews ao Chicago Tribune.

Embora Al Jourgensen, do Ministry, não toque no disco, ele fez as transições entre as músicas, além de ter criado os clipes de notícias e incluído citações que instigam o ouvinte à reflexão. O trabalho teve a contribuição de Bill Rieflin, Ion Barker e Roland Barker. O disco também foi lançado com uma música bônus e ao vivo – “The Meat is Murder”, do The Smiths. Todo o dinheiro arrecadado com a venda dos discos foi usado na produção e circulação de material para conscientização sobre os direitos animais.

Faixas do disco “Animal Liberation”

Al Jourgensen – “International Introduction” (1:36)

Nina Hagen / Lene Lovich – “Don’t Kill The Animals” (Rescue Version) (6:36)

Al Jourgensen – “Civil Disobedience Is Civil Defence” (0:58)

Attrition – “Monkey In A Bin” (2:26)

Chris & Cosey – “Silent Cry” (3:27)

Al Jourgensen – “Lab Dialogue” (0:24)

Lene Lovich – “Supernature” (5:40)

Al Jourgensen – “Life Community” (0:49)

Colour Field – “Cruel Circus” (3:58)

Luc Van Acker – “Hunter” (3:31)

Shriekback – “Hanging Fire” (3:00)

Captain Sensible – “Wot? No Meat!” (3:11)

Al Jourgensen – “Meat Farmer” (0:28)

Howard Jones – “Assault And Battery” (4:50)

Bônus – The Smiths – “Meat is Murder” (5:53)

Referências

http://articles.chicagotribune.com/1986-11-07/entertainment/8603230771_1_benefit-animals-songs-peta

http://waxtraxchicago.bigcartel.com/product/various-animal-liberation-cd-rare-out-of-print

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