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Estudantes de Santa Maria de Jetibá: “Os animais são seres tão amáveis, e nenhum deles merece ser maltratado”
“Esse trabalho [de conscientização sobre a exploração animal], acaba impactando as famílias, porque os familiares acabam se envolvendo e o assunto é socializado”

Algumas das cartas que recebi dos mais de 20 estudantes de Santa Maria de Jetibá (Foto: David Arioch)
O escritor e professor Antonio Neto, de Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo, realizou um longo trabalho de conscientização sobre a exploração animal com mais de 20 estudantes do 9º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio São Luís. Depois de estudarem o tema, os alunos foram convidados a se corresponder com um ativista dos direitos animais. Para a minha surpresa, recebi o convite para manter contato por carta com dezenas de estudantes que agora têm uma noção de como a humanidade é injusta no tratamento dispensado aos animais.
Em uma das cartas, eles falam sobre a crueldade envolvida na produção da carne de vitela, que só é possível a partir da morte de um bezerro de mais ou menos quatro meses. “A vitela é a carne do bezerro macia, branca e gostosa. Isso é o que todo mundo pensa dela antes de descobrir sua origem. Assim que o bezerro macho nasce, ele já é tirado de sua mãe, que fica mugindo por suas crias durante semanas. Os filhotes são colocados em pequenos estábulos, podendo apenas mexer a cabeça, para assim não criarem músculos e a carne ficar macia. Como se não bastasse, ficam 22 horas por dia sem ver a luz, na tentativa do animal não entrar em desespero e criar úlceras. O ferro é removido de sua alimentação, deixando os bezerros anêmicos. Com quatro meses de vida, mais ou menos, são abatidos sem nunca terem visto a luz do sol. Ficamos indignados com todo esse sofrimento dos bezerros, ainda mais que não é por necessidade, mas sim por capricho das pessoas. Isso tem que parar! Os animais são seres tão amáveis, e nenhum tipo deles merece ser maltratado.”
Os estudantes demonstraram indignação e surpresa ao saber que existe uma suposta iguaria nominada foie gras que é resultado do sofrimento extremo do híbrido pato Mulard. “Aprendemos que o foie gras não passa de um patê gorduroso, feito no fígado do pato ou dos gansos, e que é muito consumido na França. Tudo começou quando os criadores cruzaram o pato-de-pequim e o marreco, nascendo assim o pato Mulard, os pequenos sofredores. São criados em dias, soltos e comem apenas milho. Depois de um longo período, são colocados em pequenas gaiolas, onde só conseguem mover a cabeça. Engaiolados, são forçados a comer mais do que o normal. Na sua garganta, é posto um enorme tubo, que vai ao encontro do seu estômago, e ali é onde é despejada a alimentação. O pato fica nesse tormento por três a quatro meses, e o seu fígado é obrigado a crescer doze vezes mais do que o normal. Na nossa opinião, quem pratica esse ato deveria ser preso por praticar essa crueldade com animais tão inocentes, que nem sequer conseguem se proteger ou expressar a dor que sentem ao passar por esse processo.”
O consumo de carne de cachorro na China, que é comparado ao tradicional hábito ocidental de consumir carne de animais como bovinos, suínos, caprinos, aves e peixes, também foi reprovado. “Na cultura oriental, eles acreditam que quanto mais o cachorro sofre, mais a carne fica macia e gostosa para o paladar chinês. Não concordo porque o cachorro é pra gente dar carinho. Tenho dois cachorros que são da raça pastor alemão.”
Os alunos também ficaram revoltados ao saber que o romantismo em torno das roupas e calçados baseados em peles de animais vela uma realidade nada agradável. “Percebemos que o comércio de peles é uma crueldade com os animais. Eles tiram as peles dos animais vivos e depois os matam. Algumas cenas são muito fortes. A maioria da sala achou isso muito errado. Eles morrem sozinhos. O que traz felicidade para as pessoas pode levar sofrimento para os outros. Uma coisa é você ver animais livres na floresta, e outra é você ver animais sendo torturados por pessoas, e isso tudo só para pegar peles e deixar pessoas ricas e felizes.”
Os estudantes que participaram do projeto se manifestaram contra a tourada, a considerando uma prática extremamente violenta, cruel e desnecessária. “A tourada é um ‘esporte’ da Espanha e do México. Porém, esse esporte maltrata muito os touros. O toureiro ataque ele com uma lança nas costas, fazendo o touro perder muitos litros de sangue. Achamos esse ‘esporte’ uma brutalidade, uma falta de respeito com os animais. Pode até ser a alegria de muitas pessoas, mas é uma tristeza muito grande para os animais.”
Sobre lutas de animais incentivadas por seres humanos, como as rinhas, também não deram outro parecer que não fosse o de contrariedade: “Eu acho isso errado, ficar treinando animais para brigar. Eu acho errado animais, não são para isso, animais são para cuidar, não para ser criado para matar uns aos outros.”
O trabalho sobre a exploração animal coordenado pelo professor e escritor Antonio Neto faz parte do projeto de incentivo à leitura e à escrita “Descobrindo o Ato de Ler o Mundo”. “Propus alguns temas que abordam a crueldade que a humanidade comete contra os animais, como touradas, rinhas, comércio de pele, produção de foie gras e vitela. A turma, a maioria, não tinha conhecimento dessas práticas controversas. Os temas foram sorteados entre os grupos. Cada grupo fez a pesquisa, estudou sobre o tema e fez uma apresentação em PowerPoint em sala de aula. Depois, trabalhei com eles os gêneros textuais carta e cartão”, informa Neto.
O objetivo do trabalho foi despertar a criticidade dos estudantes em relação à normalização da crueldade. No geral, o trabalho trimestral teve e tem grande impacto na vida dos estudantes, que desde o início começaram a se questionar sobre a naturalização de hábitos que custam sofrimento a outros seres vivos. De acordo com o professor, os alunos ficaram chocados e rejeitaram fortemente a exploração animal em muitos aspectos. “As reações foram de repúdio, asco e profundo desacordo. Esse trabalho, na sua execução, acaba impactando as famílias, porque os familiares acabam se envolvendo e o assunto é socializado”, declara.
Como fui escolhido para participar desse projeto como ativista dos direitos animais, agradeço a confiança do professor e escritor Antonio Neto e dos estudantes Higor Koeler, Igor Gonçalves, Jackson Ismeuriky Pintkowsky, Júlia Albertino dos Santos, Kamila Pissigatti Augustinho, Larissa Miguel Usberti, Lenderson Lucas Daróz, Lilian Julia Berger Wutke, Luiza Herzog Tirola, Marcos Antonio de Souza, Mateus Cezar Rodrigues, Matheus Henrique F. Dettmann, Micaela Kuster, Mikael Linkow Graunke, Naely Berger Uhlig, Railane Cristine Trabach, Rodolfo Henrique Erdmann, Thiago Besserte Schwanz, Vanessa Knaak, Walace Amorim Ferreira e Webester Storch.
“As cartas foram enviadas para você para que o estudo dos gêneros carta e cartão ocorressem numa situação real. Escolhi você por causa do seu ativismo em prol dos animais. A ideia é que os estudantes compartilhem suas impressões com uma pessoa de fora do nosso meio, da nossa cidade. Sabendo do seu blog, alguns estudantes pediram que você denuncie as atrocidades que eles descobriram. Já que os animais não têm voz, sejamos nós as vozes deles”, justificou Antonio Neto.
Saiba Mais
O projeto foi realizado em São Luís, zona rural de Santa Maria de Jetibá.
Santa Maria de Jetibá fica na Mesorregião Central Espírito-Santense e conta com pouco mais de 38 mil habitantes.
Contribuição
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Cartas que recebi de estudantes sobre a exploração animal
Na foto, algumas das cartas que recebi de mais de 20 estudantes da área rural de Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo. Fui escolhido como ativista para me corresponder com eles sobre a realidade da exploração animal. Ainda não li todas, mas já me surpreendi com a sensibilidade e inocência deles. É uma honra participar desse projeto a convite do professor e escritor Antonio Neto. No decorrer da semana vou produzir e publicar um texto sobre isso em meu blog.
Minhas reportagens em projeto de incentivo à leitura

Inclusão das reportagens no projeto foi feita pelo escritor e professor Antonio Neto (Fotos: Reprodução)
Ontem, fiquei muito feliz ao saber que as minhas reportagens “Sou prostituta sim, acompanhante não” e “Latinha, infância fragmentada pelo crack?” estão sendo usadas no projeto Descobrindo o Ato de Ler o Mundo, de incentivo à leitura, de Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo, por sugestão do professor e escritor Antonio Neto. O trabalho é desenvolvido com estudantes do último ano do Ensino Médio. Incrível como a textualidade é capaz de transpor fronteiras. Em breve sai reportagem sobre o assunto no meu blog.
As duas reportagens estão nos links abaixo:
//davidarioch.com/2013/02/07/sou-prostituta-sim-acompanhante-nao/
//davidarioch.com/2011/07/13/latinha-infancia-fragmentada-pelo-crack/
Aves Exiladas
Eles contavam histórias de um lugar mítico, chamado Paraná. Um mar de terras férteis

Crônica em homenagem aos paranaenses faz parte do livro “Memorial do Alto Tietê”, de Antonio Neto (Foto: David Arioch)
Maringá, Apucarana, Cornélio Procópio, Londrina, Cianorte, Campo Mourão, São José dos Pinhais: nomes que começaram a ser ouvidos na periferia de Poá, em meados dos anos 70, com a chegada de inúmeras famílias paranaenses. Eles contavam histórias de um lugar mítico, chamado Paraná. Um mar de terras férteis. Um mundo belo, onde cresciam as lendárias araucárias e se ouvia o canto da gralha azul.
Chegavam famílias inteiras. Pai, mãe, filhos e agregados. Procuravam os terrenos baratos da periferia. Construíam casas pequenas, nas quais acontecia o milagre do compartilhamento dos mínimos espaços e recursos. Êxodo rural era uma expressão que eu não compreendia. Quando, por acaso, eu a ouvia; logo imaginava o êxodo bíblico. Moisés à frente. O povo eleito atrás. Seguindo-o. Todos atravessando, estupefatos, o Mar Vermelho. Qual faraó teria expulsado tanta gente do Paraná? Quem seria o Moisés que os conduzira até ali?
Perguntas que ficaram sem resposta…
Início dos anos 80. Mais famílias chegando! Construção do conjunto habitacional Nova Poá. Meu pai e um vizinho, paranaense, trabalharam na construção desse novo bairro. Íamos eu e uma mocinha, a Eva, levar as marmitas para os nossos pais. A Eva me falava de Maringá, da torre da catedral em formato de cone e de outras singularidades. Ganhávamos, desses vizinhos, belos cartões-postais dessa terra intrigante.
E a década de 80 avançava trazendo mais gente do Sul. Que faraó teria o poder de exilar tanta gente? Quem seria o Moisés que guiaria esse povo? Adonai! Não havia nenhum Moisés! Só a dor de deixar a terra natal e chegar, quase sem recursos, a uma Canaã pauperizada!
Muitos migrantes, que chegaram crianças, já são avós. Criaram raízes no Alto Tietê. Perderam a verdura e o cheiro de novidade que trouxeram na chegada. Foram bem-vindos! Integraram-se! Trouxeram cultura e foram aculturados. Antropofagia cultural: paulistas e paranaenses.
O Alto Tietê acolheu e aninhou um número fora das estatísticas dessas aves exiladas, que chegaram cansadas, desiludidas e traziam no olhar a esperança de encontrar a Terra Prometida. Adonai!!! Por que da terra não mana mais leite e mel?
Crônica de autoria do escritor paulista Antonio Neto, radicado em Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo. O texto faz parte do seu livro de crônicas “Memorial do Alto Tietê, comercializado no site da livraria da Editora Penalux (editorapenalux.com.br/loja) por R$ 32.
Sobre a crônica, Antonio Neto explica:
“É um tributo aos migrantes paranaenses que se aninharam no Alto Tietê. A migração paranaense ficou esquecido por causa da maciça migração vinda de outros estados. Então eu quis resgatar essa história pouco contada.”
Memorial do Alto Tietê, um manifesto de tudo que somos
Sem melodrama, Antonio Neto emociona e faz refletir sobre a difícil realidade dos jovens da periferia

Memorial do Alto Tietê é uma obra sobre a vida, a importância de sentir a própria existência (Imagem: Divulgação)
Em Memorial do Alto Tietê, o escritor paulista Antonio Neto, radicado em Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo, é autor e personagem em fragmentos bem estruturados que versam sobre várias etapas da sua vida, mas principalmente a infância. Sem precisar decair para o melodrama, emociona e ao mesmo tempo faz refletir sobre a difícil realidade dos jovens da periferia. A partir de histórias curtas, cândidas e ao mesmo tempo analíticas, o autor desvela a hipocrisia de uma sociedade mergulhada em pré-conceitos e preconceitos.

Em junho de 2015, Antonio Neto me convidou para escrever o prefácio do seu livro de crônicas (Fotos: David Arioch)
E faz tudo isso num misto de criança e adulto norteado pelo requinte literário, descritivo e memorial. O grande diferencial de Antonio Neto subsiste na simplicidade da linguagem, no ato de se lançar como um espírito livre, na apresentação dos acontecimentos e das impressões de que um passado distante não está tão longe assim se o leitor observar o que acontece nas periferias das pequenas e grandes cidades, onde a vida acontece em um ritmo diverso, adverso e peculiar.
A relação de afeto com a família, os amigos e as coisas da nostalgia humana são costuradas sob uma perspectiva que permite uma compreensão universal. O peso de algumas histórias é contrabalanceado com a leveza de outras. O autor também evidencia e celebra a maturidade humana ao olhar para o passado com uma sensibilidade peculiar, sem nutrir rancor, amarguras ou desprezo.
É justo e essencial dizer que Memorial do Alto Tietê é um livro sobre a vida, a importância de sentir a própria existência, se arriscar e aceitar que o ser humano pode tanto ser resultado de um meio quanto da realidade, talvez até onírica, que cativa dentro de si mesmo. Se apresenta como um manifesto de tudo que somos e podemos ser se nos apegarmos ao que nos move e nos comove.
Nas 19 crônicas da obra, Antonio Neto se entrega em extensão, convida o leitor a mergulhar no passado, sentir a própria essência, se enxergar sem melindre, aprender a conviver com as alegrias, as tristezas, as perdas, as realizações e as decepções. Tudo isso se soma num convite atemporal para o ser humano se esforçar em semear a empatia e entender que o que somos hoje não merece ser dissociado do que fomos no passado. A vida deve ser vivida e celebrada em aceitação. O livro está à venda na livraria da Editora Penalux (editorapenalux.com.br/loja) por R$ 32.
Saiba Mais
Em junho de 2015, o premiado escritor Antonio Neto, que conheci durante o bate-papo com autores no Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup) de 2014, me convidou para escrever o prefácio (disponibilizado integralmente logo acima) de “Memorial do Alto Tietê”. Foi uma grande e feliz surpresa. Afinal, é muito gratificante ser convidado a produzir o texto de abertura de um livro, até porque essa missão só é dada a alguém em quem confiamos a compreensão de nossos sentidos literários. Além disso, o que corrobora mais ainda tal importância é o fato de que é hábito antigo do leitor o ato de ler o prefácio antes de mergulhar na obra. Antonio Neto, muito obrigado pelo convite e confiança!