David Arioch – Jornalismo Cultural

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Hospital João de Freitas, a saúde com face humana

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Referência nacional em cardiologia, hospital de Arapongas se destaca pelo atendimento humanizado 

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No Hospital Regional João de Freitas é fácil encontrar pessoas das mais diversas regiões do Brasil (Acervo: Hospital Regional João de Freitas)

Chego às 8h no Hospital Regional João de Freitas, de Arapongas, no Norte do Paraná, numa manhã nublada e chuvosa. O estacionamento está movimentado e vejo uma moça correndo para dentro do hospital com uma grande bacia cheia de pequenos pedaços de bolo cobertos com papel alumínio. Em pouco tempo, ela retorna para buscar mais. Despreocupada com a água que cai impetuosa e gelada sobre seu corpo, a jovem se inclina, crente de que o mais importante é proteger os alimentos.

A chuva se intensifica e mais pessoas passam rapidamente pela porta de entrada em direção à recepção. Lá dentro, muitos aguardam atendimento sentados em quatro e cinco fileiras de bancos, cadeiras e poltronas. Os mais jovens cedem espaço aos mais velhos que ocupam quase que completamente os assentos. Não há gritaria, desordem, brigas ou queixas.

Em pé, a poucos centímetros da entrada, assisto tudo à minha volta. Escuto risadas, vejo sorrisos, olhares apreensivos, melancólicos e auspiciosos. Cada pessoa tem uma maneira particular de lidar com um grave problema de saúde. Como distração, enquanto não chega a hora do atendimento, alguns contam piadas. Outros relatam a própria história antes e depois da enfermidade. Há também quem prefere se calar, observando atitudes ou mantendo-se disperso nos próprios pensamentos.

Ao meu lado, um senhor diz que gostaria de ter cuidado mais da saúde quando era jovem. “Hoje pago o preço dos meus excessos, da minha falta de cuidados. Deveria ter dado mais importância à vida. Mas tudo bem. O mais importante é que continuo vivo e sou muito bem atendido aqui. Este hospital é um dos poucos que entrei que não tem cheiro de morte”, defende o aposentado João Oliveira, de 87 anos, sorrindo e aguardando internamento para tratar de um problema cardíaco.

Por volta das 8h30, uma fila espontânea se forma no fundo da primeira e principal sala de espera (Foto: David Arioch)

Na recepção, ninguém é deixado de lado (Foto: David Arioch)

Na recepção, ninguém é deixado de lado. Percebo que quem se aproxima para pedir alguma informação é prontamente atendido pelas recepcionistas. Com voz cordial, elas tratam todos com exímia educação. Também chama atenção o fato de não usarem uniformes ou muita maquiagem, garantindo mais informalidade ao ambiente, inclusive fazendo os pacientes sentirem-se mais próximos, como corrobora uma senhora acompanhando o pai.

Por volta das 8h30, uma fila espontânea se forma no fundo da primeira e principal sala de espera. Me aproximo e vejo que estão servindo os alimentos entregues pela mulher que caminhava a passos rápidos na chuva. Além de bolos e pãezinhos, são oferecidos café e chá. Sem necessidade de fiscalização, cada pessoa se limita a pegar uma unidade de cada alimento ou bebida. Quem vai além normalmente entrega o adicional para o pai, mãe ou outro familiar que aguarda atendimento.

Ainda assim, muitas pessoas não consomem nada. Alguns justificam que é importante deixar alimento e bebida disponível para quem não tem condições de pagar pelo café da manhã, já que a qualquer hora alguém pode passar pela porta de entrada com fome. Outra ação de solidariedade é colocada em prática por um jovem proprietário de três restaurantes em Arapongas.

Cumprindo uma promessa de que faria algo por seus semelhantes caso conseguisse abrir um restaurante, o rapaz visita o hospital toda terça-feira, às 12h, onde entrega pessoalmente 50 marmitas para pacientes internados. “Só pega marmita quem realmente precisa. As pessoas aqui têm consciência de certo e errado. Ninguém aceita nada sem necessidade”, justifica a pensionista Maria Neuza Silva.

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Anualmente, Everton Luiz passa por tratamento no Hospital João de Freitas (Foto: David Arioch)

No Hospital Regional João de Freitas, referência nacional em cardiologia, é fácil encontrar pessoas das mais diversas regiões do Brasil. Além de pacientes do Paraná, alguns informam que vieram de Brasília, Porto Velho, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá e Campo Grande, entre muitas outras cidades. Quem vem de longe para acompanhar algum parente com menos de 65 anos pode ficar na Casa de Apoio mantida pelo hospital, caso não tenha dinheiro para custear hospedagem e alimentação.

No local, os hóspedes recebem um tratamento até melhor do que em muitos hotéis espalhados pelo país – com direito a várias refeições. Assim como todo hospital, por melhor que seja, o João de Freitas também tem suas falhas, mas que são facilmente ofuscadas pelas boas qualidades. Referência em cirurgia cardíaca, a prioridade é a humanização e a renovação das esperanças dos pacientes.

“A ouvidoria funciona muito bem. Até me perdi aqui de tão grande que é o hospital. Eles investem no ser humano, têm misericórdia e tratam todos da mesma forma. O atendimento demora um pouco, só que vale a pena. Cirurgias de ponte de safena, por exemplo, podem custar até R$ 80 mil numa clínica particular e aqui o SUS cobre tudo”, declara Maria Neuza que acompanhou o pai na realização de um exame de cateterismo pelo Sistema Único de Saúde. Se tivessem que pagar, teriam de desembolsar de R$ 3 a R$ 8 mil.

Quem chega ao João de Freitas com a guia de internamento precisa aguardar em uma segunda sala de espera a liberação de uma vaga na enfermaria. Lá, cada quarto recebe oito pessoas. E os pacientes se sentem bem mais tranquilos com a companhia, ainda mais levando em conta que acompanhantes são permitidos somente para quem tem 65 anos ou mais. “Isso ajuda a passar o tempo”, garante Maria Neuza.

Além de cinco refeições por dia, os pacientes recebem garrafinhas de suplementos proteicos de fabricação alemã, selecionado pela nutricionista do hospital. “Já me deram duas dessa. Rapaz, cada uma custa de R$ 15 a R$ 20. Eles realmente investem no nosso bem-estar”, comenta João Oliveira sorrindo. Interessante também é ver como os pacientes se ajudam dentro do quarto. Para não sobrecarregar as enfermeiras, os mais saudáveis ajudam os mais debilitados a trocar de roupas e a desinfetar os colchões pela manhã.

Não há queixas contra médicos ou enfermeiras. Muito pelo contrário. Além disso, há uma pesquisa diária avaliando a satisfação de pacientes e visitantes. “O cardiologista visita meu pai todos os dias. E toda hora recebemos enfermeiras checando como ele está se sentindo. O bom humor deles é contagiante, mesmo pra quem está numa situação tão delicada”, afirma a pensionista.

A alimentação não lembra em nada a típica comida de hospital. Segundo João Oliveira, parece mais comida caseira ou de restaurante. “Me sinto em casa, comendo arroz, feijão, cenoura e peito de frango cozido. O mesmo que a gente come, os médicos, as enfermeiras e outros funcionários também comem. Não existe diferença”, garante sem velar a satisfação. Antes de ser internado, o idoso recebeu na sala de espera uma sopa reforçada.

A limpeza também chama atenção. É praticamente impossível encontrar sujeira nas dependências do hospital. “Eles passam álcool em tudo”, assegura Maria Neuza, lembrando que cada quarto tem um líder que é o responsável por conservar o ambiente limpo. Conversando com pacientes do Hospital João de Freitas, muitos declaram que só não morreram porque o maior diferencial é a qualidade do atendimento e o carinho dispensado aos mais fragilizados.

“Só que tem que seguir as regras. Eu, por exemplo, como sou acompanhante, só posso sair em horário de visitação. Tenho uma hora à tarde e uma à noite pra me ausentar do hospital”, revela a pensionista. Entre os pacientes de um quarto da enfermaria está o jovem artista de rua Everton Luiz Rodrigues, de 33 anos. Malabarista desde a adolescência, e sem residência fixa, anualmente ele passa por tratamento no Hospital João de Freitas, onde conhece praticamente todos os profissionais do setor de cardiologia.

Everton, que tem um defeito cardíaco congênito, não pode correr ou fazer qualquer atividade que acelere demais os seus batimentos cardíacos. Ainda assim, vive cada dia como se fosse o último e aprendeu dentro do João de Freitas que sempre há motivos para ter esperanças. No corredor silencioso, aproveitando a pouca movimentação, ele coloca um bonezinho sobre a cabeça e faz uma rápida performance, indo de um lado para o outro, exibindo um sorriso genuíno para a plateia composta por uma pessoa. “Adoro dança e teatro. Artes cênicas são a minha vida”, confidencia.

Saiba Mais

Fundado em 16 de dezembro de 1993, o Hospital João de Freitas surgiu com o objetivo de suprir a necessidade de um hospital regional com tecnologia e mão de obra especializada. Acesse também: www.hospitaljoaodefreitas.com.br

Deslizamento de terra na PR-444

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Rodovia foi temporariamente interditada entre Arapongas e Mandaguari (Foto: Guimarães Junior)

Deslizamento que presenciei hoje à tarde, entre Arapongas e Mandaguari, no Norte do Paraná – ocasionando a interdição da PR-444. A chuva intensa no período da manhã e da tarde dificultou o tráfego em várias rodovias do Norte e Noroeste do Paraná. Também encontramos um veículo severamente avariado, mas sem vítimas, na BR-376, perto da entrada de Mandaguaçu. A foto é do meu irmão Guimarães Junior que estava comigo.

 

 

Written by David Arioch

January 11th, 2016 at 10:45 pm

O curador de animais

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Zé Peão, um homem que foi além da medicina veterinária nos anos 1940

Local escolhido por Zé Peão para tratar dos animais enfermos (Foto: David Arioch)

José Francisco Siqueira, conhecido como Zé Peão, foi um pioneiro que ganhou fama em Paranavaí nos anos 1940 pelas habilidades em tratar de animais enfermos. O seu talento atraía pessoas de toda a região Norte do Paraná.

Em 1940, Zé Peão deixou a terra natal, Fazenda Floresta Ribeirão Vermelho, depois Bela Vista do Paraíso, no Norte Central Paranaense, e se mudou para a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí. A viagem que durou oito dias sempre foi lembrada pelo pioneiro como uma das mais difíceis.

“Naquele tempo, Maringá era quatro casas velhas. Quase o caminho todo só se via céu e mato. Só apareceu um clarão quando cheguei na Brasileira. Vim em busca de fortuna, mas a vida aqui era tão complicada que pensei em voltar pra Bela Vista do Paraíso”, revelou o pioneiro.

José Francisco Siqueira recebeu o apelido de Zé Peão porque era um habilidoso criador de gado. Desempenhava também outras atividades como a de produtor de café e de arroz. Siqueira se considerava um “tocador de roça”. “Lembro que quando acabava o querosene tinha que buscar em Arapongas [no Norte Central Paranaense] porque sempre faltava em Mandaguari. A coisa aqui só endireitou depois que o interventor Manoel Ribas morreu”, desabafou.

A atividade que mais rendeu fama a Zé Peão foi a de curador de animais, Nos anos 1940 e 1950, era costume fazendeiros do Paraná e de outros estados o procurarem para cuidar de animais enfermos condenados por médicos veterinários.

Em muitos casos, Zé Peão apenas os observava e já sabia o que deveria ser feito. Segundo pioneiros, era como se Siqueira se comunicasse com os animais e eles lhe falassem qual era o problema, tão grande era a afinidade. O que surpreendia também era o fato de que perto de Zé Peão, os bichos se acalmavam rapidamente. “Parecia que tinha algum tipo de poder sobre eles. Acho que o respeitavam”, comentou o pioneiro João Mariano.

Os animais eram tratados em frente à residência do pioneiro, na Rua Manoel Ribas, onde se situa hoje o imóvel Nº 1072, quase na esquina com a Rua Souza Naves. Lá, Zé Peão fixou diversas argolas no chão, onde os bichos eram amarrados para receber tratamento médico. Nos anos 1980, outras argolas substituíram as antigas, servindo para prender os pneus das motos.

Quando três padres escaparam da morte

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Voo quase termina em tragédia em 6 de julho de 1955

Adalbert Deckert, Jacobus Beck e Ulrico Goevert participaram da viagem (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1955, após visita ao bispo de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, três padres alemães que retornavam a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, escaparam da morte durante uma tempestade iniciada quando sobrevoavam Arapongas, na região Norte Central.

No dia 6 de julho de 1955, os padres alemães Adalbert Deckert, Jacobus Beck e Ulrico Goevert decidiram visitar o bispo diocesano de Jacarezinho, Dom Geraldo de Proença Sigaud.

À época, Paranavaí passava por um período de chuvas, mesmo assim os freis decidiram arriscar. Alugaram um avião teco-teco para quatro passageiros e partiram. “Confiamos corajosamente naquela cegonha de lata”, comentou o frei alemão Adalbert Deckert no livro “As Aventuras de Três Missionários Alemães em Paranavaí”.

Naquele tempo, segundo os padres que participaram da viagem, era um prazer indescritível sobrevoar florestas, roças, rios e colônias. Em Jacarezinho, tudo correu bem e ao final da visita que durou duas horas o bispo Dom Geraldo os levou de carro até o aeroporto. Na viagem de retorno, o piloto os alertou que uma ventania em direção contrária impedia que o teco-teco voasse mais rápido.

Aos poucos o céu escureceu e o piloto sugeriu uma parada em Arapongas. Os padres não gostaram da ideia porque optaram por viajar de avião para retornar a Paranavaí no mesmo dia. Apesar das contrariedades, ao longo de dez minutos o piloto sobrevoou a cidade até aterrissar em um campo de aviação. “Estávamos desgostosos por causa da parada involuntária e da necessidade de pernoitar ali. Só depois percebemos que diante da tormenta não demos conta do perigo”, admitiu frei Adalbert.

Do pequeno aeroporto, foram de carro até um hotel enquanto uma tempestade atingiu Arapongas, acompanhada por uma forte chuva de granizo. De acordo com Deckert, era um temporal como jamais visto na Alemanha. “No hotel, a água gotejava do telhado sem parar”, destacou. Mais tarde, os padres foram informados que a tormenta causou sérios danos ao teco-teco usado na viagem. Todos os aviões que estavam no campo de aviação foram danificados.

Mesmo amarrado, um dos veículos foi arremessado do outro lado da estrada, sobre um cafezal. Na manhã do dia seguinte, foi encontrado em um cafezal com as rodas para o ar. “Até mesmo um bimotor enorme foi inutilizado pelo temporal. Ficamos com pena do nosso piloto que era o proprietário do avião, mas não podíamos fazer nada”, afirmou Adalbert Deckert.

Para retornar a Paranavaí, os freis alemães tiveram de pegar outro voo. Quando chegaram aqui, não puderam aterrissar porque uma densa neblina tomou conta da cidade no dia 7 de julho de 1955. A visibilidade era praticamente nula. Porém, isso não abalou os padres. Estavam cientes de que no dia anterior viveram o pior, se livraram da morte. “Nossos sentimentos eram de agradecimento, pois se o táxi aéreo não tivesse aterrissado, a repentina e fulminante tempestade nos teria jogado ao chão como folha de papel”, avaliou frei Adalbert.

Saiba Mais

Os padres decidiram viajar até Jacarezinho com um teco-teco porque caso optassem por um avião de linha a viagem seria muito mais demorada. Outro problema era que além do risco de atrasos envolvendo partida e chegada, aviões que comportavam mais de quatro passageiros tinham de cumprir uma parada obrigatória em Londrina, no Norte Central Paranaense.

Um sargento inusitado

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Sargento Marcelino ficou conhecido pelos métodos nada ortodoxos de impor ordem

Área onde o sargento Marcelino construiu a prisão de caibros de peroba (Foto: Reprodução)

Na época da colonização de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, nenhuma autoridade policial ficou tão conhecida quanto o sargento Marcelino, homem que para impor a ordem utilizava métodos nada ortodoxos.

Sargento Marcelino era policial em Arapongas, no Norte Central Paranaense, quando foi enviado para trabalhar em Paranavaí, no tempo em que a colônia era conhecida como Fazenda Brasileira. Marcelino assumiu como delegado em substituição ao Sargento Bahia,  considerado um policial muito tolerante. Os moradores reclamavam que o antigo delegado não fazia valer as leis no povoado.

“O sargento Marcelino era diferente, um homem danado de bravo, valente e autoritário”, comentou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. Quem buscou os pertences de Marcelino em Arapongas foi o pioneiro espanhol Thomaz Estrada que além de comerciante trabalhava com o transporte de mudanças.

Nos anos 1940, dois soldados davam assistência ao sargento. Em determinados dias, quando não tinham nada para fazer, os policiais se ocupavam plantando algodão e milho. Eram trabalhadores, segundo José Ferreira, acrescentando que quem “endireitou” a colônia foi o sargento Marcelino.

Sobre o trabalho do policial, são raras as queixas dos pioneiros. A maioria o elogia. O ex-prefeito Ulisses Faria Bandeira definiu o sargento como um negrão forte e exigente, de pulso filme e que prestou muitos serviços a Paranavaí. “Era um homem de peso e de atitude. O pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros também reconheceu a importância do policial, porém, assim como outros pioneiros, o considerava bem esquisito.

Tal fama se deve ao fato de Marcelino ter usado métodos nada ortodoxos para manter a ordem na colônia. Na década de 1940, o sargento mantinha uma pequena prisão de caibros de peroba em frente ao local onde foi construída a Praça Dr. Sinval Reis (Praça da Xícara). Lá, Marcelino prendeu muitos bêbados. “Tinha os coitados que trabalhavam no mato, no meio daquela mosquitada. Quando vinham para a cidade traziam um dinheirinho e enchiam a cara. Então o sargento os prendia lá até melhorar”, explicou José Ferreira.

A corrente que virou cadeia

Um dia, quando retornou ao serviço, o sargento Marcelino encontrou a cadeia em chamas. Interpretou aquilo como uma afronta. O autor supôs que o policial não teria mais onde prender ninguém. Bravo e nervoso, o sargento foi até a serraria do pioneiro José Ebiner e pediu que o marceneiro o arrumasse uma corrente bem grande. Com o material, Marcelino fez um argolão de ferro e gritou em meio ao local onde ficava a pequena cadeia: “Vou tocar essa corrente em pescoço de nego safado. Aí quero ver.”

Logo o sargento fez sua primeira vítima. Era um peão chamado Darci que foi até a casa de uma senhora ver se ela não queria lavar-lhe as roupas. A mulher se sentiu desrespeitada pela proposta feita enquanto o marido trabalhava na abertura das estradas da colônia. ”Ela denunciou para o Marcelino que o prendeu e passou o correntão nele”, relatou Palhacinho, se referindo à “nova prisão” do sargento, instalada em cima de uma prancha de peroba.

A corrente não era muito pesada, mas a pessoa tinha de segurá-la com o braço para não doer o pescoço. Curiosos, o pioneiro mineiro José Alves de Oliveira, conhecido como Zé do Bar, e José Araújo foram ver o peão Darci quando o sargento Marcelino o prendeu com a corrente. “Ficamos olhando com aquele olhão. Na mesma hora, o sargento saiu na porta da cozinha com um prato enorme de comida. Falou ao Darci que a mulher logo faria o prato dele”, destacou Araújo.

Quando viu Zé do Bar e Palhacinho observando o preso, o delegado gritou: “Ué, vocês também querem vir na corrente?” Os dois saíram correndo envergonhados e espalharam pela colônia que ninguém deveria ir lá. “Podia ser importante ou não, o homem realmente prendia ao correntão”, enfatizou Ferreira Araújo.

Antes de soltar os contraventores, que ficavam presos ao pé de um toco por período de uma noite e um dia, ou até mais tempo, Marcelino mandava dar a eles um purgante à base de sementes de mamona amassadas numa caneca d’água, de acordo com o pioneiro José Francisco Siqueira, conhecido como Zé Peão.

Outro fato curioso que aumentou a fama do então delegado foi um castigo que ele aplicou a um praticante de umbanda. Marcelino foi até o armazém do espanhol Thomaz Estrada e comprou um metro de fumo. “Perguntei pra que ele queria aquilo. O sargento disse que era pra bater num nego sem vergonha e macumbeiro [sic]. E bateu mesmo”, assegurou Estrada.

Conforme palavras do pioneiro gaúcho Severino Colombelli, o sargento Marcelino fazia de tudo contra os malfeitores. “Por isso, aqui não tinha ladrão. Paranavaí seria a melhor cidade do Brasil se ainda tivesse um sargento Marcelino. Ele era enérgico”, finalizou.

Saiba Mais

No período em que viveu em Paranavaí, sargento Marcelino trabalhou com três policiais: cabo Salata, soldado Sebastião e soldado Luizinho.

Curiosidade

Na época da colonização era chamado de peão o homem que trabalhava na derrubada da mata.

Frases dos pioneiros sobre o sargento Marcelino

José Francisco Siqueira (Zé Peão)

“Foi um grande aqui. Deixou nome e nunca fez burrada.”

“A cadeia era um pé de palma. O caboclo fazia desordem, o Marcelino pegava o cadeado e o prendia a árvore.”

Enéias Tirapeli

“Era um pretão aparelhado com o Capitão Telmo Ribeiro.”

José Antonio Gonçalves

“Marcelino era um senhor de corpo forte. Ele quem mandava na cidade.”

Thomaz Estrada

“Autoridade aqui era só o Marcelino.”

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