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Coronavírus e os milhões de vulneráveis do Brasil
Trinta e cinco milhões de brasileiros vivem hoje em situação de extrema vulnerabilidade, sem acesso à água potável, e temos autoridades tratando o coronavírus como se não fosse uma situação de grande preocupação. É fácil analisar a realidade dessa forma ganhando 20, 30, 40 mil reais por mês, e ainda tendo outras regalias bancadas até mesmo às custas do sangue e suor dos mais miseráveis.
Acredito que quando um grave vírus ou doença surge em um país, em vez de priorizar a economia em detrimento da vida, o primeiro passo seria considerar o que precisa ser feito para que essas pessoas mais vulneráveis não sofram as consequências da displicência humana e de suas más ações. Não olhe para você para avaliar a situação, olhe para quem está no ponto mais baixo.
Até dias atrás me surpreendi um pouco acompanhando algumas notícias e vendo pessoas falarem em quarentena voluntária ou isolamento social como se fosse algo acessível para todo mundo; e inúmeros discursos fazendo a tal da quarentena parecer uma colônia de férias – “aproveite para assistir filmes, jogar, tocar instrumentos, se exercitar, ler livros, etc.”
Pelo nível do que foi transmitido, parecia que estavam se direcionando à população da Islândia. Temos vários Brasis, e alguns deles são de até dez pessoas vivendo no mesmo casebre, e ainda hoje sem saneamento básico e esgoto – sem comida de qualidade ou nenhuma comida (como 5,2 milhões de brasileiros), sem sabão, menos ainda acesso a álcool em gel.
O comércio aqui já não funciona normalmente e apenas mercados, farmácias e alguns outros tipos de estabelecimentos podem continuar abrindo, mas com algumas ressalvas e observações de conduta – como manter distância específica ou efetuar pagamento por uma janela ou outro meio sem qualquer contato muito próximo. Encontrei placas em um mercado pedindo que os consumidores sejam mais conscientes e não comprem todo o estoque de determinados produtos.
Quem faz isso, reconheço que teme o pior, mas isso não é motivo para pensar somente nas suas necessidades ou vontades. De alguma forma, me recordei de filmes de ficção apocalítica e pós-apocalíptica em que as pessoas priorizam somente a si mesmas e os seus. Mas a diferença é que parece que no mundo real o ser humano é sempre capaz de fazer isso antes mesmo de qualquer situação realmente caótica.
Isso me preocupa bastante, porque ainda que a situação não seja tão grave quanto pode ficar, se não reavaliarmos nosso papel no mundo e na maneira como nos importamos demais somente conosco, parece que estamos fadados a instaurar um caos inimaginável.
Em Curitiba, há medicamentos que estão faltando nas farmácias porque consumidores “leram ou ouviram” que tal remédio ajuda no combate do coronavírus, sem qualquer comprovação científica, e decidiram fazer estoque em casa, prejudicando pessoas que agora precisam desses medicamentos e já não os encontram com facilidade.
Já existe tanta coisa errada no Brasil desde que surgiram os primeiros casos confirmados de coronavírus, e as autoridades postergando a importância de decisões rápidas porque o “dinheiro vem em primeiro lugar”, que parece que a única solução para superar tudo isso seria um profundo exame de consciência, reeducação e o aperfeiçoamento da nossa capacidade de empatia e de consideração de valores.
São tantos sinais de que tudo isso é consequência das escolhas erradas que fazemos, das coisas que priorizamos em detrimento do que realmente importa. O coronavírus surgiu porque, na presunção ignorância, não nos importamos muito com o que acreditamos que não diz respeito a nós. E a verdade é que diz respeito a nós, mas também aos outros, e por ignorar o amplo mal que causamos que vivemos agora essa realidade.
Há tantas especulações sobre o que pode acontecer ou não, mas uma suspeita crescente que tenho é que se não estivermos preparados para mudar para melhor, talvez o coronavírus seja apenas um princípio de acontecimentos ainda piores que possam surgir.
O Quintal Mágico de Sergio Torrente
“Não tinha como não transformar o lugar onde moro naquilo que vivo diariamente, a arte popular”
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, quem passa pela Rua Antônio Felipe em direção à Praça dos Pioneiros se depara com uma residência bem chamativa à direita. É lá, no número 1676, que vive o artista popular Sergio Torrente. Num colorido cenário, Sergio prova que na vida poucas coisas são realmente descartáveis, ainda mais quando um artista tem a sensibilidade de dar um novo sentido até para objetos que cabem na palma da mão e já não funcionam mais, como um velho despertador à corda.
Depois de passar por uma sala, onde também fica o escritório de Torrente, vou mais adiante, atravesso a cozinha e a última porta da casa. Então encontro meu destino, o motivo da visita, o Quintal Mágico, dividido em três espaços. “Não tinha como não transformar o lugar onde moro naquilo que vivo diariamente, a arte popular”, justifica o artista sorrindo.
Entre pinceladas de tinta verde, amarela e azul, há três anos surgiu um palco e alguns bancos doados por uma igreja do Jardim São Jorge, agora pintados num azul anilado. Em pouco tempo, chegaram peixinhos, flores e gira-giras, penduricalhos criados por Sebastião Torrente, pai de Sergio, que hoje adornam uma bela e frutífera jabuticeira. “Começou a se transformar e vimos que ele estava mágico, então surgiu a ideia de dar o nome de Quintal Mágico, um espaço onde a arte popular floresce, onde artistas autorais podem se apresentar”, enfatiza.
Pelo local já passaram compositores locais como o próprio Sergio Torrente, Marquinhos Diet, Fernando Bana, Rogério Esquivel e João Henrique. Todos os fazedores de música de Paranavaí podem se apresentar no Quintal Mágico. Ao final da performance é passado um chapéu e quem quiser pode contribuir. “Tem que aproveitar o espaço que é nosso”, comenta. Depois peço que me leve até SáD´Zabumbê, onde uma pequena e estreita abertura no muro exige que cada convidado se abaixe para entrar, fazendo uma reverência ao rei, um boneco grande que tem pés no lugar das mãos e mãos no lugar dos pés.
Após sair de uma limítrofe cobertura de lona escura, piso no solo de SáD´Zabumbê, que é melhor aproveitado se você estiver descalço, sentindo a energia da terra. Há um palco bem rústico, que remete ao início da civilização, delimitado por duas ripas e um tronco fino. No muro se vê sapatos pendurados, uma analogia de que tudo que cobre os pés deve ficar suspenso. As trepadeiras também crescem livremente em várias direções. “A energia foi chamando”, acredita Sergio.
O local conta somente com a iluminação de uma fogueira, lampião ou luz de velas para criar um clima mais tribal, intimista e informal. Torrente não se preocupa com a ordem das coisas no ambiente, pois elas se ajeitam naturalmente. “Terminamos de tomar uma garrafa de vinho e simplesmente a colocamos aqui, junto com todas as outras que fazem parte de uma simbologia do sangue e da despreocupação”, revela e acrescenta que ao trocar a água pelo vinho o homem deixa de ser motivado pela razão e se guia pela emoção.
O palco de SáD´Zabumbê também foi criado para a encenação do espetáculo “Oração”, do renomado escritor, dramaturgo e cineasta espanhol Fernando Arrabal, de quem Sergio Torrente conseguiu autorização para a montagem da peça. “A minha ‘Oração’ tem direção do capixaba Wilson Coêlho, grande dramaturgo e pesquisador que possui os direitos do espetáculo no Brasil. Apresentei ‘Oração’ na versão original, em espanhol, em 2010 em três festivais na Argentina. Agora quero marcar uma reestreia para 30 a 40 pessoas, discutindo as questões da culpa e da des…culpa, da origem do conhecimento”, pontua enquanto empurra sobre o solo de SáD´Zabumbê um carrinho de bebê com três bonecos que fazem parte do espetáculo, representando Fídio, Lilbé e seu filho.
Por dois a três minutos, Sergio manipula os personagens, encenando em espanhol um fragmento criterioso de “Oração”, a busca do casal por um sentido em suas vidas. Em frente ao modesto palco há uma mamoneira envolta por fitas e uma pinheira. A primeira é uma árvore de recordações em que as fitas representam as histórias, a trajetória humana. “A vida nada mais é do que momentos de felicidade e esses momentos são criados por nós, seja na intenção de viver, ouvir coisas boas ou estar presente. E o Quintal Mágico celebra isso”, argumenta. Sobre o nome, SáD´Zabumbê é um neologismo da junção dos termos regionalistas “sassinhora” e “zabumbê” que juntos significam senhora felicidade. “Se você entrar por baixo, ela vai te levantar. A ideia aqui é manter o espírito de luz, a boa energia em alta”, defende.
A Ação B, o segundo e maior espaço do Quintal Mágico, que fica entre SáD´Zabumbê e a futura Fábrica de Brinquedos, possui um palco com três palmos de altura, usado para apresentações musicais de duas ou três pessoas. Foi construído a partir de cacos de telhas, sobras de lajotas, tijolos e outros restos de entulho. “Assim que mudei pra cá, fui limpando e colocando tudo num canto. Quando vi aquele monte de tranqueira feia pra danar, armei uns palanques, espalhei tudo isso e compactei. Assim surgiu outro palco”, narra.
Nas “Terças Encantadas”, a partir das 19h30, a diversão no local é baseada em prosa, viola, violão, risos e fogueira. “A gente brinca até as 22h, é o suficiente, até porque o vizinho tem que dormir e nós precisamos trabalhar no dia seguinte”, avisa. No sábado e no domingo os encontros começam às 15h e terminam por volta das 19h. O sinal de que o Quintal Mágico está aberto para quem quiser entrar são as luzinhas acesas na entrada da casa. “Viu a luz? É só vir pro fundo”, sugere.
O céu aberto permite que os convidados tenham um visão privilegiada da Lua e das estrelas enquanto se divertem em torno da fogueira. Nos finais de semana o Quintal Mágico convida todos a retornarem à infância, em rodas de brincadeiras e de cirandas, tocando tambores. “’Esta ciranda quem me deu foi Lia que mora na ilha de Itamaracá…’ E assim por diante. A gente pede que as pessoas se sintam à vontade, pisem no chão, façam coisas que não estão acostumadas a fazer todos os dias”, recomenda o artista que também pretende realizar rodas de congo e coco.
No terceiro espaço do Quintal Mágico, Sergio e o músico Rogério Esquivel vão coordenar pesquisas para a fabricação de brinquedos populares. A ideia é futuramente oferecer oficinas para adultos e crianças. “Queremos incentivar todo mundo a brincar como antigamente. Chegou a hora de desligar um pouco a TV, o computador e o celular. Aqui eles vão aprender a fazer um traca-traca, um mané gostoso – aquele que pula, um jogo de trilhas, damas. Enfim, joguinhos que meu pai brincava comigo quando criança e o pai dele brincou com ele”, explica.
Cada oficineiro vai assumir o compromisso de produzir três ou quatro brinquedos, feitos principalmente de materiais recicláveis, para doações em comunidades carentes. Além disso, o Quintal Mágico está recebendo brinquedos quebrados para serem consertados e doados. E como diz a letra da música de Torrente: “Uma cidade tem que ter uma canção, um santinho padroeiro para lhe dar proteção. E tem que ter uma bodega sempre aberta, uma cachaça esperta e um louco de plantão. Vamos fazer a nossa bodega aqui”, canta e informa Sergio.
Coordenada por Sol Púrpura, a bodega deve promover ainda mais a interação e a valorização mútua dos frequentadores do Quintal Mágico. “Em breve vamos oferecer pizza, docinhos caseiros, um vinhozinho, uma cachacinha artesanal, os penduricalhos do Seu Tião, brinquedos populares e o que vier. Todo mundo pode trazer alguma coisinha pra expor e vender, inclusive você. Precisamos de pessoas que venham somar, ajudar para que as coisas aconteçam”, declara.
Antes de eu ir embora, Sergio me serve um café fresco, abraça a viola, canta a plenos pulmões e toca percussão com os pés. A cantoria é acompanhada de uma interpretação singular repleta de trejeitos e caretas. A cada batida o chão treme, os objetos passeiam pela estante azul, os penduricalhos se agitam e as cores vibrantes nas paredes reforçam a alegria emanada de um cenário naturalmente festivo. “As cores, a brisa, o olho vibrando, tudo isso faz com que a alma cresça. É muito bom ver que você voltou com vontade de conhecer ainda mais o Quintal Mágico. É bacana. O Quintal Mágico, SáD´Zabumbê, já pegou você!”, anuncia ao notar a minha satisfação em divulgar a magia de um lugar que contrasta com a tecnologia e a célere realidade da vida urbana.
Saiba Mais
Para mais informações sobre os eventos do Quintal Mágico, curta a página no Facebook.
“É Nóis Cinco”: entreter para informar
Grupo de humor usa bonecos gigantes para oferecer entretenimento e ao mesmo tempo informação
Além de trabalhar com shows de humor, palestras, oficinas e publicidade, a trupe “É Nóis Cinco” está apostando também na criação e no uso de bonecos gigantes como meio de oferecer entretenimento e ao mesmo conscientização sobre assuntos importantes.
Em Paranavaí, é difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar do grupo “É Nóis Cinco”, conhecido por seus espetáculos paradoxais que misturam o humor das ruas, baseado na realidade, a elementos surreais, nascidos do improviso.
Desta vez, a trupe formada por Aleks Alves, Moacir Barini, Antônio Soares, Márcio Cândido e Amarildo Travain está investindo na criação de fantoches grandes. “Já fizemos cinco. Foi um trabalho que levou dois meses para ser concluído”, revela o artista Márcio Cândido. Os bonecos gigantes chamam a atenção não apenas pelos quatro metros de altura, mas também, e principalmente, pela riqueza de detalhes; é impossível não identificar as feições dos membros da trupe em cada um daqueles personagens caricatos.
Embora tenham usado basicamente isopor, madeira e ferragens na composição, o que se vê são figuras tão realistas e próximas da arte popular que a simpatia com os bonecos surge à primeira vista. Além disso, os fantoches da trupe também remetem aos clássicos bonecões do folclórico carnaval de Olinda, em Pernambuco.
“As ferragens foram trabalhadas de modo a termos todo o conforto necessário na hora de manipular os bonecos”, relata o artista Aleks Alves. Os fantoches gigantes podem ser interpretados como um grande apelo visual do grupo para assuntos sérios. “Criamos eles enormes pra realmente chamar atenção. Assim podemos usá-los para trabalhar com campanhas de conscientização, tratar de assuntos importantes de forma descontraída”, revela Márcio Cândido, referindo-se a especialidade do grupo.
A trupe acrescenta que os bonecos estarão disponíveis para trabalhos com publicidade. “Eles podem ser desmontados, o que facilita o transporte”, frisa o artista Moacir Barini. O grupo ainda agradece o apoio da Fundação Cultural pelo espaço cedido para a criação dos bonecos.
Trupe se apresenta para 15 mil estudantes
Até o final do mês de novembro, o grupo de humor “É Nóis Cinco” vai encerrar um ciclo de 42 apresentações que misturam humor, teatro e conta com a participação dos bonecos gigantes. São espetáculos destinados a estudantes da rede municipal de ensino. “É um trabalho de conscientização ambiental em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, inclusive até o cenário do espetáculo é feito de materiais recicláveis”, relata o artista Márcio Cândido.
A trupe tem muita experiência em trabalhos envolvendo temas como DST/Aids, alcoolismo, ergonomia, atendimento ao cliente, motivação, direção defensiva, qualidade de vida e relações familiares. O grupo também oferece oficinas de materiais recicláveis, pintura em azulejo e decoração.
“É Nóis Cinco” surgiu há três anos
O Grupo humorístico “É Nóis Cinco” surgiu em Paranavaí há três anos, e desde então já levou ao público cinco peças autorais: “É Nóis de Férias”, “É Nóis trabalhando”, “É Nóis de Férias, Trabalhando e Estudando”, “Nóis é Show” e “É Nóis Cinco Ponto Com”. Agora o grupo se prepara para estrear o espetáculo “Talentos” em que vão interpretar personagens famosos. “Vamos nos apresentar nos dias 20 e 21 de novembro no Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa. Vai ser muito legal”, garante o artista Moacir Barini.
A marca registrada do grupo é a capacidade em transformar o improviso em arte. As apresentações da trupe são tão imprevisíveis que os próprios artistas surpreendem uns aos outros. Segundo o “É Nóis Cinco”, errar também faz parte do show porque aproxima mais o público do espetáculo. Em suma, a trupe é composta por artistas que trabalham por prazer e que valorizam a liberdade criativa de cada um.
Saiba mais
Os integrantes do grupo de humor “É Nóis Cinco” já excursionaram por muitas cidades do Paraná, além de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo.
Serviço
Interessados podem entrar em contato com o grupo por meio da Educa Assessoria. O telefone é (44) 3045-4510. Para mais informações, basta acessar o site http://www.enois5.com