David Arioch – Jornalismo Cultural

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O triste fim da liberdade de Matias Ziatriko

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Foto: Samira Lemes

Fiquei sabendo agora que o malabarista uruguaio Matias Ziatriko, de 29 anos, foi assassinado com dez tiros em Ji-Paraná, Rondônia, no último dia 8, no pátio de um posto de combustíveis. Matias se envolveu em uma discussão com um rapaz que começou a ofendê-lo, chamá-lo de vagabundo, por causa do seu trabalho como artista de rua. Matias ficou um bom tempo em Paranavaí em 2016, e até onde sei, jamais foi agredido ou agrediu alguém. Lamentável saber que há lugares onde a vida vale menos ainda.

Triste como a liberdade de algumas pessoas, que não têm os objetivos comuns e tradicionalistas de tanta gente, é vista como uma afronta existencial. Desde criança, me identifico com os marginalizados, e acho tão ridículo quando as pessoas veem como sucesso apenas aquilo que lhes parece socialmente aceitável. E muitos adoecem cedo porque compram tal ideia; mesmo que isso signifique suprimir os próprios sonhos. O que vale nesta vida é ser fiel àquilo que faz a existência valer a pena. O resto o tempo arrasta sem clemência.

No dia 31 de agosto de 2016, escrevi algo sobre o Matias Ziatriko em meu blog, quando eu ainda não sabia o seu nome:

“Passei ontem à noite por um semáforo da Avenida Paraná e tinha uma fila imensa de carros. Sob chuva, um rapaz com a roupa toda molhada fazia malabarismo sobre um monociclo. Entendo que ele ame o que faz, mas provavelmente ele não estaria ali naquele momento se não precisasse.

O que me surpreendeu foi que só eu e outro cara demos alguns trocados pra ele. Será que todas aquelas pessoas não tinham pelo menos algumas moedas para darem ao artista de rua?

Sinceramente, minha situação nem sempre é das melhores, mas também não é tão ruim a ponto de eu perder completamente o ímpeto de ajudar alguém ou reconhecer o esforço dos outros.”

Ajuda

A família agora precisa de ajuda para enviar o corpo de Matias para o Uruguai. Quem puder contribuir, os dados para depósito ou transferência estão logo abaixo:

Banco Itaú
Titular: Samira Santos Lemes
CPF: 060.234.039-05
Agência: 1538
Conta Corrente: 56996-1

 

Written by David Arioch

April 11th, 2017 at 12:38 am

A lição do malabarista

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Num reflexo inimaginável, o malabarista segurou a pedra no ar

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Sem mudar o semblante, o malabarista continuou movimentando as bolinhas (Foto: Reprodução)

Em frente a um semáforo no centro de Paranavaí, um artista de rua fazia malabarismo quando um rapaz dentro de um carro arremessou uma pedra em sua direção. Num reflexo inimaginável, o malabarista segurou a pedra no ar. Sem mudar o semblante, continuou movimentando as bolinhas que, mesmo com a inesperada adição do calhau, formaram um arco aéreo multicolorido e extremamente vívido.

O responsável pela pedrada agiu como se nada tivesse acontecido. Desviou o olhar, simulou expressão serena e fingiu que estava guardando alguma coisa dentro do porta-luvas. Faltando uma bolinha para o sinal ficar verde, o sorridente artista de rua finalizou a apresentação e, acompanhado de um amigo, se ajoelhou no asfalto gelado e áspero.

No mesmo instante, abriu os braços e pediu que os motoristas aguardassem um momento. “Por favor, esperem! Agora o sinal que está vermelho não vem do alto!”, disse. Todos ou quase todos entenderam o recado. Então ele se levantou e exibiu as palmas das mãos. Eu estava na primeira fileira e vi que as duas tinham inúmeras cicatrizes, mas somente a mão direita sangrava. O sangue escorria pelo seu braço e respingava na rua.

“Por favor, você aí, meu jovem! Venha aqui!”, falou o malabarista para o seu agressor, a poucos metros de distância de mim. O rapaz fingiu que não entendeu e virou o rosto para a calçada à sua direita. O artista de rua caminhou até ele e acenou gentilmente para que saísse do carro. Diante de tantos olhares curiosos e inquiridores, o jovem acabou cedendo.

Fora do automóvel, o agressor ficou constrangido e rubro. Mais do que isso, temeu a reação do malabarista. “Não se preocupe! Só vou dar a você a única coisa que tenho a oferecer. E ela não vem de baixo, não vem de cima, não vem da frente nem dos lados. Ela vem de dentro! É tão poderosa que toca até o intocado”, declarou o artista.

De repente, o malabarista apertou a mão direita do rapaz, fazendo com que ele sentisse o ferimento e o sangue que começava a engrossar em sua mão. Sem dizer mais nada, o abraçou com ternura e devolveu-lhe o calhau tornado vermelho por causa do sangue. “Que nenhum moribundo se entregue ao terror profundo! Porque sem gentileza só resta a aspereza!”, gritou o artista de rua, tão jovem quanto o próprio agressor, antes de subir na calçada.

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Tito o malabarista

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“Antes ficava muito triste quando viravam o rosto, fingiam que não me viam”

Tive a impressão de que as bolinhas representavam fases de uma vida (Foto: Reprodução)

Tive a impressão de que as bolinhas representavam fases de uma vida (Foto: Reprodução)

Um dia, aguardando o sinal verde de um semáforo da Rua Manoel Ribas, no centro de Paranavaí, vi um rapaz agachado na esquina, ajeitando suas bolinhas de malabares dentro de uma mochila. Curioso, estacionei o carro e me aproximei. Sorrindo, ajeitou o boné e me cumprimentou cordialmente, mostrando, sem dizer mais nada, os pulcros desenhos que fez em quatro das seis bolinhas. Tive a impressão de que representavam fases de uma vida. E ele confirmou minha suspeita.

A bolinha número um reproduzia um momento marcante dos seus tempos de bebê, quando era assistido pelo pai enquanto a mãe o embalava nos braços. A bolinha número dois trazia uma imagem dele ainda criança sentado na areia de um parquinho brincando com um caminhãozinho e sendo observado pela mãe.

A bolinha número três o mostrava no início da adolescência, lendo sozinho, sentado no canto de um quarto. E a bolinha número quatro destacava sua partida com uma mochila nas costas, olhando para trás, onde não havia ninguém de quem se despedir. Intrigado, perguntei porque as outras duas bolinhas não tinham desenhos. “É que ainda me vejo na bolinha número quatro. Aquele sou eu hoje”, comentou com um sorriso vaporoso e contraposto ao olhar levemente melancólico.

Tito, sem nome composto ou sobrenome – prefere assim, tem como lar todo lugar e lugar nenhum. Deixou a terra natal no início da adolescência, quando sua mãe morreu de câncer. O pai partiu antes, vítima de um ataque cardíaco. Mora por aí, onde encontra um lugar para dormir. Artista de rua, perambula com a única missão de levar diversão. “É bom demais ver alguém admirando e elogiando seu trabalho. Triste é quando me perguntam se quero um emprego de verdade. Isso machuca. Não sou vagabundo!”, lamentou sensibilizado, acrescentando que tem graduação em artes cênicas.

Magrinho, com a pele bastante queimada pela exposição solar, e cabelos e olhos pretos como erva-moura, Tito nasceu prematuro, aos seis meses. Seus órgãos não se desenvolveram completamente e todo ano ele passa meses internado para fazer tratamento. “Meu coração é diferente do coração de uma pessoa normal. Posso morrer hoje ou amanhã. Por isso vivo cada dia como se fosse o último”, revelou com olhar ensimesmado.

De carona, Tito já viajou para mais de dez países e percorreu todas as regiões do brasil. A sua maior alegria em fazer malabarismo com os mais diferentes objetos é o prazer de ter os olhos voltados para si mesmo por poucos minutos. “É assim que sinto que estou vivo, que existo. Antes ficava muito triste quando viravam o rosto, mantinham os vidros do carro fechados, fingiam que não me viam. Hoje o reconhecimento de poucas pessoas em cada sinaleiro já faz o meu trabalho valer a pena”, declarou.

Por causa dos problemas de saúde, Tito não pensa em casar ou ter filhos. O rapaz demonstra que o medo de se envolver emocionalmente com alguém pode ser maior do que o seu temor perante a morte. “Tudo seria mais doloroso se eu tivesse uma companheira. Seria uma pessoa a mais para sofrer comigo. Juro que não queria morrer, mas isso não depende da minha vontade. Como tenho esses problemas, só me resta seguir na esperança de que eu não deixe de existir antes de desenhar novas fases da minha vida nas minhas últimas bolinhas brancas”, desabafou.

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Written by David Arioch

January 16th, 2016 at 3:52 pm