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Uma situação de risco
Há três anos, eu estava parado em um semáforo em uma rua escura. Notei duas motos colando no meu carro. Quando vi pelo retrovisor um rapaz abrindo a mochila, retirando algo rapidamente e a repassando para o outro motociclista, não pensei duas vezes. Iriam me assaltar.
Os dois usavam capacete com viseira preta, o que tornava impossível identificá-los. Assim que o semáforo abriu, segui meu caminho, mas fingindo que estava tudo bem. E os dois vieram no encalço, cada um de um lado. Decidi mudar o trajeto. Assim que virei à esquerda, derrubei sem querer um dos motociclistas, que bateu na lateral, rente ao pneu traseiro.
Parei o carro e fui até ele pra saber se estava machucado. O jovem estava bem, apenas atordoado. Ofereci toda a assistência necessária, inclusive autorizei que ele substituísse todas as peças danificadas da moto. Também recomendei que ele não fizesse mais aquilo. O pneu da moto dele estava quase colado no meu para-choque no semáforo. E eram mais de 23h. Difícil não pensar que era um ladrão.
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Roberto, um homem de bem
Roberto teve um irmão que foi assaltado na BR-376 no ano passado. Irritado, não acionou a polícia. Preferiu descobrir quem era o autor, o localizou e o assassinou dentro de sua casa.
Roberto continuou andando armado, até que um dia embriagado, durante uma discussão no trânsito, deu dois tiros no peito do reclamante, que morreu no próprio local.
Quando questionado por que fez isso, Roberto disse apenas o seguinte: “Pra ele, eu estava errado por ter batido em seu carro, mas pra mim quem estava errado era ele que gritou comigo e me xingou. Então no calor do momento resolvi atirar.”
Um assalto no cemitério
Quando me despedi, Noé veio atrás de mim, deu dois toques em meu ombro e fez um convite
Em um dia normal, ainda distante do Dia de Finados, eu estava no Cemitério Municipal de Alto Paraná conversando com um desconhecido chamado Noé. A curta distância da entrada, falávamos sobre vida e morte enquanto poucas pessoas entravam e saíam do lugar.
O clima seguia ameno e o sol não tinha despontado naquela manhã, me fazendo observar tudo à minha frente como se eu estivesse diante de uma pintura gótica, onde a pouca luminosidade enaltecia as sombras e evidenciava de maneira insólita túmulos, cruzes, pessoas e animais que compunham aquele cenário tipicamente cristão.
Por um momento, esfreguei meus olhos e percebi que o fato de tudo transparecer maior não era ilusão, mas sim uma manifestação temporária da natureza, capaz de apequenar ou engrandecer os seres humanos das mais diferentes formas, simplesmente manipulando o clima, o tempo e o senso espacial.
Notei que tinha chovido há alguns dias e as árvores que envolviam o cemitério exalavam olência de casca e raízes, numa perfumaria mesclada que confundiria até os melhores boticários. Uma delas, vez ou outra balouçava os galhos e gotejava sobre a minha cabeça, como se quisesse me alertar sobre algo.
Eu apenas esfregava as mãos sobre o cabelo pontualmente úmido e continuava a ouvir Noé relatando suas aventuras quando viajava a pé por estradas de terra, dormindo sobre túmulos de cemitérios abandonados. Uma vez, amanheceu com as falanges da mão de um cadáver apoiada em seu peito. Nunca soube como aqueles ossos foram parar sobre seu corpo.
Num instante de silêncio, ouvi o canto de um surucuá com peito cor de bronze. Sobre uma cruz altaneira, ele parecia ensimesmado, me observando enquanto o nevoeiro velava seus pés. “Já ouviu falar em pragueira verduga?”, perguntou Noé, desviando minha atenção do pássaro. Respondi que não e ele explicou que é um verme que corrói placas de bronze sempre que a umidade do ar está muito alta.
Quando me despedi e caminhei em direção ao estacionamento, onde não havia mais ninguém, Noé veio atrás de mim, deu dois toques em meu ombro e fez um convite: “Cara, bora entrar lá dentro pra catar umas placas de bronze. Deve ter algumas muito boas ainda. Vamo aí?” Espaventado, não acreditei no que ouvi. Ele insistiu na oferta e recusei prontamente.
Sua catadura mudou na hora. O semblante sereno e ponderado foi substituído por um olhar fulminante e um riso vil. Noé inclinou a cabeça em direção aos próprios pés e declarou com sorriso sardônico: “Tá certo! Mas tenho um presente pra você. Chamo de filosofia da pólvora. Ela queima instantaneamente, permitindo um novo tipo de compreensão da vida.”
Inerte, assisti Noé exibir um revólver de calibre 38 enrolado em um pedaço de flanela alaranjada dentro da mochila. Sem titubear, ordenou que eu entregasse os R$ 2 mil guardados dentro da minha carteira. “Não tenho esse dinheiro na carteira. De onde tirou essa ideia?”, perguntei. Ele disse que teve uma visão de que alguém com o meu perfil chegaria ao cemitério pela manhã carregando R$ 2 mil. Abri minha carteira e mostrei que eu tinha R$ 200.
Inclusive coloquei o dinheiro sobre uma mureta e lancei minha carteira a seus pés para que ele a checasse. Irritado, Noé mirou o revólver em minha direção. Não corri nem ameacei atacá-lo. Simplesmente mantive os olhos em sua direção enquanto minhas pernas pareciam se dissolver, querendo se entranhar no solo úmido e moscado. “Quem sabe eu me torne algo que brote da terra ou desapareça como num rastilho da própria pólvora que me invade”, pensei antes de me perder num vácuo onde existência e inexistência transpareciam igualmente insones.
Noé acionou o gatilho, mas não havia balas; nem ele sabia disso. Correu até a margem da estrada, entrou em um Santana Quantum preto, estilo carro de funerária, e desapareceu. Meus R$ 200 continuavam imóveis sobre a mureta onde a brisa movia tudo menos as notas. Peguei minha carteira, o dinheiro, fui até o aterro sanitário perto do cemitério e entreguei o dinheiro às crianças que procuravam algo aproveitável entre os detritos. Na mesma semana, li no jornal que Noé retornou ao Hospital Psiquiátrico Nosso Lar, de Loanda.
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