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Bolsonarismo daria um bom livro do Ray Bradbury e um bom filme do Truffaut
Bolsonarismo daria um bom livro do Ray Bradbury e um bom filme do Truffaut. “Fahrenheit 451” sobre a emergência da sonhada utopia transformada em distopia é a prova disso. O cerceamento da liberdade sob o pretexto da preservação da “tradição-maior” (“O que é tradição se não um arremedo em construção?”, já diziam os antigos) ou de valores incertos e questionáveis em uma sociedade diversa são sempre marcados pelo anti-intelectualismo na história das sociedades. O anti-intelectualismo é a guarida do despotismo, e surge sempre sob a pretensão de um “bem maior”, “da proteção de valores que nem mesmo são valores.
Se vale da ignorância combinada aos destemores de uma massa indouta, inculta para determinar e escolher por você o que é bom ou não, sem possibilidade de livres escolhas, porque segundo essa crença não há o que escolher, apenas ceder. Em “Fahrenheit 451” há queimas de livros, assim como muitos adorariam fazer hoje com os chamados “livros doutrinadores”. Ou seja, a crença na libertação baseada na privação. Intrigante, não? Atualmente, todos os dias nos deparamos com um sem-número de Montags, bombeiros que não apagam fogo, mas que adorariam incendiar e amplificar a incoerência da ignorância e da intransigência humana.
A professora que enfrentou sozinha o Estado Islâmico
“Quando protestei em frente ao quartel-general do EI, ninguém teve coragem de tirar foto”
Há anos, a professora síria Souad Nawfal protesta contra o Estado Islâmico e contra o regime ditatorial do presidente sírio Bashar al-Assad, que segundo ela é o maior responsável pela expansão terrorista na Síria. As ações de Souad tiveram início em 15 de março de 2012, após a morte de Ali Babinsky, de 17 anos, o primeiro sírio a ser assassinado pelo regime de Assad.
Naquele dia, um grupo se reuniu para realizar o funeral do garoto seguido por um protesto clamando por justiça. Mas o que ninguém imaginava era que Assad mandaria matar quem ousasse “afrontá-lo”. “Eles atiraram em nós e mataram 16 pessoas que estavam com a gente”, conta a professora. A popularidade de Souad, que sempre se recusou a seguir o código de vestimenta feminina, cresceu quando um vídeo dela intitulado “A Mulher de Calças” foi publicado na internet. Ao longo de quatro minutos, a professora aparece criticando o Estado Islâmico e o qualificando como um governo ilegítimo fundamentado no obscurantismo religioso.
“Comecei a protestar contra o Estado Islâmico quando eles levaram o Pai Paolo [jesuíta italiano que apoiou a revolução síria e tinha uma paróquia ao norte de Damasco], meu hóspede. Eles o raptaram e desde então nunca mais tivemos notícias”, relata. O padre foi visto como uma ameaça porque ele tinha planos de acabar com o sigilo envolvendo os crimes cometidos em Raqqa, no centro-norte da Síria.
Baixinha, Souad Nawfal, que tem como hábito usar apenas o hijab, e por tradição identitária, não por obrigação, chegou a passar meses protestando contra a imposição de uma nova ideologia que segundo ela é totalitarista e contrária ao verdadeiro islã. “O Estado Islâmico trata todos muito mal. São exatamente como o regime de Assad. Assustam e subjugam as pessoas”, reclama. Durante os protestos de 2012, o EI impediu que os manifestantes fotografassem ou filmassem as mobilizações. Quem os desafiasse, era surrado e preso.
“Ao longo dos 45 dias que protestei em frente ao quartel-general do Estado Islâmico, ninguém teve coragem de tirar foto de mim, nem de longe”, lembra. Ainda assim, ela prosseguiu sozinha, tentando chamar a atenção para a realidade do povo sírio que já morria aos milhares. Muitas vezes a professora foi alvo de xingamentos, cusparadas e até atropelamentos. “Um dia um homem de barba longa e branca, que fazia parte do Estado Islâmico, quis estacionar bem onde eu estava. Eu disse que não sairia e ele me bateu algumas vezes com o carro, querendo me intimidar”, enfatiza.
De acordo com Souad, o EI nunca teve dificuldade em conquistar adeptos porque a tática deles é baseada na desinformação. Para as linhas de frente, eles sempre procuram recrutar jovens pobres e ignorantes, que pouco acesso tiveram à educação formal. “Uma tática eficaz é a lavagem cerebral das crianças de Raqqa. Eles prometem alimento e dinheiro à família e em troca exigem que seus filhos se tornem soldados. Essas crianças se sentem poderosas porque ganham armas e são chamadas de ‘xeiques’”, pontua.
Não foram poucas as vezes que Souad teve uma kalashnikov apontada para sua cabeça. E as ameaças eram diárias. Acostumada, ela simplesmente respondia: “Vamos! Se vocês me matarem primeiro, não esqueçam que a segunda bala tem que ser para Bashar.” Esse comentário irritava os soldados do Estado Islâmico porque provava que a professora sabia do relacionamento de conveniência deles com o presidente sírio.
Nem mesmo Souad Nawfal consegue explicar como ela conseguiu ir tão longe sem ser assassinada. Embora seja vista como heroína por tantos ativistas sírios, é possível crer que o fato dela não integrar nenhum grupo ou movimento fizesse com que o Estado Islâmico não a encarasse como uma real ameaça, permitindo que ela vivesse.
Porém, de acordo com o jornalista estadunidense Michael Weiss e o analista sírio Hassan Hassan, Souad ficou bem próxima da morte em setembro de 2012, quando o Estado Islâmico atacou e queimou duas igrejas cristãs, removendo as cruzes e colocando a bandeira negra da jihad. “No dia 25 de setembro, eles fizeram isso na igreja católica Sayidat al-Bishara e então 24 pessoas apareceram para protestar”, narram.
Ciente de que não adiantaria se queixar diante dos escombros. Souad sugeriu que todos a acompanhassem até o quartel-general do EI. Porém, antes de chegar lá, os manifestantes se dispersaram e a deixaram sozinha. Irritados, os soldados do Estado Islâmico lançaram uma bomba que explodiu ao lado da professora. Por sorte, ela saiu ilesa. “Antes escrevi uma mensagem à minha família me desculpando. Eu achava que aquele seria meu fim”, confidencia.
E para piorar, um garoto de 16 anos se aproximou, a chamou de infiel e perguntou aos outros soldados porque eles não matavam Souad. Não houve resposta. Ordenaram apenas que o menino se afastasse. “Depois um sujeito armado desceu de um carro, me pegou pelo braço e bateu em meu ombro”, assinala. A professora também recebeu cusparadas de outro homem.
Antes de ser liberada, ela fez questão de se queixar da apatia da população síria: “Vocês estão felizes, sírios? Olhem o que eles estão fazendo comigo. Olhem para suas mulheres, como elas estão sendo estupradas, como estão sendo atacadas e vocês só aí, olhando.”
Prêmio Homo Homini
Em 2015, Souad Nawfal foi premiada em Praga, na República Tcheca, com o prêmio Homo Homini, destinado a quem luta pela defesa dos direitos humanos. Até hoje a professora atua como ativista, denunciando as mazelas do Estado Islâmico e do governo sírio.
Ela também critica a apatia da comunidade internacional, que ignora o fato de que mais de 470 mil pessoas já morreram na Síria ao longo de cinco anos de Guerra Civil, segundo dados do Centro Sírio para Pesquisa Política.
De acordo com Souad, o único jeito de acabar com o terrorismo na Síria é derrubando o regime de Bashar al-Assad, a quem ela culpa por oferecer condições para a expansão do Estado Islâmico no Oriente Médio.
Referências
Weiss, Michael. Hassan, Hassan. Isis: inside the Army of Terror. Regan Arts (2015).
If Assad falls the terrorists will fall too – Souad Nawfal accepts the Homo Homini Award (2015). Disponível em http://oneworld.cz.
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Intolerância e política provinciana
Uma vez, um prefeito de Paranavaí, que não é o atual, estava percorrendo a pé as ruas de um bairro acompanhado de um secretário municipal. Quando se aproximaram da residência de um servidor público da mesma secretaria, eles ficaram muito incomodados ao verem que o homem mantinha na varanda um banner com a imagem de um candidato que não era o então prefeito. Em vez de compreenderem que esse é um direito do sujeito, afinal ele era concursado e não devia nada ao administrador público, interpretaram aquilo como uma afronta.
Quando se afastaram da casa do homem, o prefeito disse que algo precisava ser feito, que não seria possível tolerar tanto “desrespeito” e “insubordinação”. “Pode deixar comigo. Vou inventar uma desculpa qualquer, tirar ele da função dele e colocá-lo pra passar a semana toda varrendo num lugar bem sujo e desconfortável”, prometeu o secretário, como o mais equivocado dos justiceiros, conquistando um sorriso de mórbida gratidão do tal prefeito. E pode acreditar que atitudes assim são mais comuns do que imaginamos.
Uma metamorfose social
Lord of the Flies mostra como a necessidade de sobrevivência transforma as pessoas
Lançado em 1990, Lord of the Flies, inspirado no livro homônimo de William Golding – vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, é um filme do cineasta inglês Harry Cook que chegou ao Brasil com o título O Senhor das Moscas e mostra como a necessidade de sobrevivência transforma os seres humanos. Na obra, um grupo de crianças resiste a uma queda de avião no oceano e encontra abrigo em uma ilha.
Logo nos primeiros dias, Ralph (Balthalzar Getty), o mais maduro dos garotos, demonstra aptidão para a liderança, deixando claro, apesar da pouca idade, que o melhor meio de sobreviver e manter o equilíbrio é seguindo um programa diário de direitos e deveres. Para Ralph, todos na ilha desempenham papel importante e insubstituível, o que remete à democracia.
Contudo, Jack (Chris Furrh) antagoniza o idealismo de Ralph. Assim como muitos líderes se aproveitaram de um momento de fraqueza de suas nações para instituir um sistema ditatorial, Jack faz o mesmo na ilha. Com a proposta de oferecer caçadas e brincadeiras aos comparsas, o garoto consegue persuadir quase todos os seguidores de Ralph, com exceção de Simon (James Badge Dale) e Piggy (Danuel Pipoly).
O primeiro é uma criança com uma essência mística que se destaca dos demais pela sensibilidade aguçada. O segundo representa a ciência, o juízo e a razão. Mas ninguém personifica melhor a metamorfose social do homem do que Jack. O garoto aparentemente amistoso se torna agressivo após formar um grande grupo de dissidentes. Embriagado pelo poder, se recusa a refletir sobre as propostas dos companheiros. O novo líder mergulha os passivos discípulos em uma realidade truculenta, chegando a perder a capacidade de ver a si e aos outros como crianças e adolescentes.
Jack cede espaço ao ódio indiscriminado e se isenta de culpa por todos os atos de injustiça, crente de que sacrifícios são válidos por um “bem maior”. O cineasta Harry Cook explora a transformação do personagem através de fortes expressões faciais, maquiagem pesada e vestimentas que se definham. Tudo se soma na construção simbólica da decadência do homem como ser social, marcado pelo retorno ao estado primitivo.
Curiosidade
O primeiro filme baseado na novela de William Golding, de 1954, foi lançado em 1963 pelo cineasta britânico Peter Brook.