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Uma espada com mais de 350 anos
Objeto histórico foi confundido com facão nos anos 1950
Situada na região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, Terra Rica foi uma importante rota de fuga dos índios caiuá, principalmente quando os bandeirantes paulistas invadiram a localidade nos anos 1600, na tentativa de espoliar riquezas, dominar e escravizar os indígenas.
Mais tarde, materiais históricos desse tempo foram encontrados casualmente por pioneiros de Terra Rica. Nos anos 1950, o agricultor Angelo Calírio comprou alguns lotes rurais perto do Rio Paranapanema. Em um dos imóveis, localizado nas imediações do “Bairro do Garimpo”, se deparou com um objeto muito antigo e desgastado. O pesquisador e geógrafo Edson Paulo Calírio conta que o pai andava em meio ao que sobrou da derrubada para o plantio de café, quando viu um pedaço de ferro enferrujado. Estava quase todo enterrado em posição diagonal, coberto por húmus e folhas.
Angelo Calírio recolheu o objeto e o levou para casa, acreditando que fosse apenas um facão. “O estado do ferro chamou muita atenção porque nada foi deteriorado. Talvez a umidade do solo, que concentra grande quantidade de argila, tenha facilitado a conservação do material”, supõe Edson Calírio. Em casa, Angelo limpou o objeto cuidadosamente com limão e o guardou, sem ter a mínima ideia de que por muitos anos preservou em casa um importante material histórico sobre o Noroeste do Paraná, o Paraná e o Brasil.
“O tal ‘facão’ sempre ficava guardado. Décadas depois, quando crescemos e ganhamos um pouco de noção das coisas, decidimos pesquisar sobre o objeto. Descobrimos que se tratava de uma espada de algum bandeirante ou espanhol que lutou na nossa região no período de colonização. Provavelmente, a partir de 1620”, revela. Após avaliação, pesquisadores de várias universidades do Paraná e São Paulo constataram que a espada tem mais de 350 anos e deve ter pertencido a um invasor.
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Jesuítas salvaram mais de 12 mil índios caiuás
Antonio Montoya comandou fuga que garantiu a sobrevivência dos índios do noroeste paranaense
Das 13 missões espanholas fundadas pelos jesuítas na Província de Guaíra, somente as de Nossa Senhora de Loreto e de Santo Inácio Mini, nas regiões Noroeste e Oeste do Paraná, resistiram por muito tempo às investidas dos bandeirantes. Em episódio heroico, Antonio Montoya e outros missionários prepararam a fuga de mais de 12 mil índios caiuás.
Em 1628, os bandeirantes Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto já tinham capturado milhares de índios nas imediações do Rio Tibagi, na bacia do Rio Paraná, no atual Norte do estado. No entanto, o que eles realmente queriam era um pretexto para invadir as reduções jesuíticas espanholas.
Naquele mesmo ano, um dos prisioneiros, o cacique caiuá Tataurana, capturado pelos bandeirantes Frederico de Melo, João Pedroso de Barros, Antônio Bicudo e Simão Álvares, conseguiu fugir para a Missão de Santo Antônio. Quando soube do acontecido, Raposo Tavares foi até a redução e exigiu que os missionários entregassem o índio.
Os jesuítas se recusaram, e assim os bandeirantes portugueses e paulistas decidiram invadir e destruir a redução, de acordo com o historiador Romário Martins. À época, Raposo Tavares e Manuel Preto contavam com uma guarnição de mais de três mil homens fortemente armados, o suficiente para promover a morte de mais de 15 mil índios caiuás no atual Noroeste do Paraná, antigo território espanhol.
Os indígenas capturados eram transformados em escravos. Muitos foram enviados a mando de Manuel Preto para o Sudeste e Nordeste do Brasil. A situação se tornou tão preocupante que em 1629 os missionários receberam ordens de Assunção, no Paraguai, e Madri, na Espanha, para abandonarem as reduções na Republica del Guayrá.
Os jesuítas italianos José Cataldino, Simón Mascetta e o peruano Antonio Ruiz de Montoya, que eram os responsáveis pela Missão de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Mini (atual Noroeste e Oeste do Paraná), acharam melhor acatar a ordem, já que dos mais de cem mil índios catequizados pouco mais de 12 mil escaparam do genocídio bandeirante.
Fuga contou com mais de 700 embarcações
À época, 11 das 13 missões jesuíticas fundadas pelos três padres foram destruídas pelos bandeirantes que invadiram a Província de Guaíra. Em suas cartas, Antonio Montoya escreveu que além de evangelizarem os índios, os padres explicavam sobre a importância da vida política, roupas, monogamia e tecnologia. Segundo Montoya, da Missão de Loreto prepararam uma fuga que contou com o empenho de sete padres, entre os quais Mascetta e Dias Tanhos.
Os índios de Loreto e Santo Inácio construíram mais de 700 embarcações, principalmente jangadas, que foram dispostas às margens do Rio Paranapanema em área que inclui os municípios de Jardim Olinda e Terra Rica. De lá, partiram antes da chegada dos bandeirantes.
Desceram do Paranapanema até o Rio Paraná, passando inclusive pelas Sete Quedas, onde perderam a maior parte das jangadas. Mesmo vítimas de inanição e de inúmeras doenças, os caiuás e os padres resistiram e chegaram a redução de Natividad del Acaray y Santa María del Iguazú, na Província de Alto Paraná, no Paraguai, onde hoje se situa Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, e Ciudad Del Este, capital do Departamento de Alto Paraná.
Em março de 1632, chegaram às margens do Rio Yabebyry, atual território argentino, onde recriaram as missões de Loreto e Santo Inácio. O padre Montoya foi além e criou novas reduções desde o Rio Paraná até o Rio Uruguai, onde se situa atualmente o Rio Grande do Sul. Pouco tempo depois, o padre recebeu um convite para viajar a Madri, na Espanha, e testemunhar a favor dos índios caiuás em um tribunal que contou com a presença do Rei da Espanha, Filipe IV.
As historiadoras paraguaias María Angélica Amable e Karina Dohmann relatam que por meio de decreto, o rei condenou os ataques dos bandeirantes e ordenou a libertação de todos os cativos. “Antes de morrer em 11 de abril de 1652, Montoya estava na Espanha e disse que não queria que seus ossos fossem enterrados entre os espanhóis, mas sim junto de seus filhos, os índios caiuás”, revelam María Angélica e Karina. O desejo de Montoya foi atendido e seus restos mortais depositados em um túmulo na segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina.
Curiosidades
A segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina, foi pioneira na arte de produzir e preparar a erva-mate.
Suspeita-se que lá tenha sido criada a primeira prensa literária da América Latina, de onde foram impressos um sem número de livros.
A segunda Redução de Loreto recebeu da Unesco o título de Patrimônio Mundial em 1984.
Frase do historiador Romário Martins
“Antonio Montoya, Simón Mascetta e Dias Tanhos eram figuras formidáveis que a história do cristianismo projetou, como um clarão, nos sertões meridionais do Novo Mundo, que o destino escolhera para salvar 12 mil criaturas perseguidas por toda a espécie de perigos, através da imensidão das distâncias, da inclemência dos inimigos, das precárias condições de êxodo.”