David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘bandeirantes’ tag

Como surgiu o Colégio Paroquial

with 7 comments

Frei alemão Ulrico Goevert fundou a escola em 1952 

Objetivo do fundador era erradicar o anafalbetismo local (Acervo: Ordem do Carmo)

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi fundado em Paranavaí em 1952 por iniciativa do frei alemão Ulrico Goevert que queria erradicar o analfabetismo local. Até 1952, o único espaço de alfabetização era o Grupo Escolar de Paranavaí, atual Colégio Estadual Newton Guimarães, que teve como primeira diretora a professora Enira Moraes Ribeiro. “Me veio o pensamento de fundar uma escola paroquial. Convenci o Frei Estanislau [o pernambucano Agripino José de Souza] a fazer um exame de qualificação para dar aulas”, contou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

A escola foi inaugurada em um velho barracão que passou por uma rápida reforma. Como não havia dinheiro para investir no colégio, tiveram de pedir tábuas emprestadas para a confecção das carteiras escolares. “Também eram usadas como mesas durante as festas”, confidenciou o padre que mais tarde recebeu uma intimação do inspetor de ensino do Estado do Paraná. Caso não construíssem um prédio novo, teriam a autorização de funcionamento revogada. Apesar das dificuldades, o frei alemão conseguiu atender a ordem do governo a tempo. Para isso, recebeu ajuda financeira da comunidade local e também da Ordem dos Carmelitas na Alemanha.

Escola iniciou atividades atendendo 220 alunos (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1952, antes do início das aulas, Frei Ulrico abriu matrículas para 220 alunos, divididos em quatro salas, duas para garotos e duas para garotas. Frei Estanislau era o responsável pela turma do primeiro ano primário. No começo, o trabalho na escola foi muito difícil, inclusive eram constantes as reclamações de pais de alunos que questionavam os métodos de ensino.

Após acompanhar algumas aulas de perto, o padre alemão percebeu que algumas professoras tinham influência negativa sobre os alunos, então as substituiu. “Frei Estanislau tinha um refinado talento para lidar com as crianças. Quem o ajudava nessa missão era a professora Irene Gomes Patriota que se encarregava das meninas”, lembrou Goevert.

Irene, que nasceu no Distrito de Angelin, em Garanhuns, Pernambuco, chegou a Paranavaí em 17 de novembro de 1944. Deixou a cidade em janeiro de 1963, quando seu pai Leodegário Gomes Patriota faleceu. Segundo Frei Ulrico, Irene Patriota foi uma das melhores professoras do Colégio Paroquial.

Prédio foi construído com ajuda da comunidade local e também da Alemanha (Acervo: Ordem do Carmo)

“Eu dava preferência para as professoras mais feias”

“Era difícil conseguir uma boa professora. Não me esqueço de uma que ia muito bem, mas conheceu um jovem engenheiro, se casaram e ela deixou a escola”, lamentou o padre que era muito exigente e não admitia que alguém lecionasse sem comprovar qualificação. A partir do acontecido, Frei Ulrico se tornou mais cauteloso. Optou por não aceitar mais belas professoras na escola. “Eu dava preferência para as mais feias, aquelas que ficaram noivas duas ou três vezes pelo menos”, frisou.

Em menos de cinco anos, a escola somou 600 estudantes e 18 professoras. “360 alunos estudavam de graça”, enfatizou o padre, acrescentando que as crianças do colégio tinham de ir à missa todos os sábados. “Às quartas-feiras, dávamos aulas de catequese para 1,4 mil crianças. Em cada turma, havia cerca de 500 crianças. Fui duramente criticado pelo frei Adalbert Deckert [padre provincial de Bamberg, no Estado alemão da Baviera], e com razão, pois eu não tinha como dar um tratamento individual a cada aluno”, admitiu Ulrico Goevert.

Uma das primeiras turmas do Paroquial (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira diretora do Colégio Nossa Senhora do Carmo foi Eugenia Araújo Rauen, a quem o Frei Ulrico chamava de “minha professorinha”. Eugenia assumiu a direção da escola, pois tinha cursado a Escola Normal do Instituto de Educação de Curitiba. “Como ela era funcionária da Secretaria de Agricultura, não podia dar expediente na Escola Paroquial, então só assinava os documentos”, revelou o padre.

Colégio Paroquial ficou em primeiro lugar no Paraná

Em 1956, o Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi eleito o melhor estabelecimento de ensino do Paraná após uma avaliação do nível de conhecimento dos estudantes. O primeiro lugar trouxe a Paranavaí o inspetor estadual de ensino, cargo que equivale hoje ao de Secretário Estadual de Educação, que fez questão de parabenizar o padre Ulrico Goevert.

O frei atribuiu o ótimo desempenho dos alunos ao trabalho da professora Rosa Akie Noguti, filha de imigrantes japoneses, que chegou a Paranavaí em 1953. “Uma boa professora diplomada. Em três anos, ela fez um progresso enorme com os estudantes”, avaliou o padre.

Estudantes do Paroquial ficaram em primeiro lugar no Paraná em 1956 (Acervo: Ordem do Carmo)

Nos primeiros anos, cada estudante do Colégio Paroquial pagava uma mensalidade de 30 cruzeiros. A quantia era o suficiente apenas para cobrir as despesas com seis professores. “Foi aí que me dei conta que se eu quisesse ter bons professores precisaria pagar mais, assim eu poderia exigir melhores resultados”, ponderou.

Jardim da Infância foi criado em 1954

Como havia muitas crianças em Paranavaí em 1954, o frei alemão Ulrico Goevert percebeu a necessidade de se criar um jardim de infância para oferecer educação e recreação aos menores. Sem dinheiro para investir em infraestrutura, o padre ampliou a igreja em sete metros, fez uma repartição e conseguiu doações de mesinhas e cadeiras. “Quem me ajudou foi Maria de Lourdes Gomes Patriota, uma idealista moça de 19 anos”, explicou o padre alemão.

Jardim da Infância que mais tarde foi anexado à Escola São Vicente de Paulo (Acervo: Ordem do Carmo)

Ao término da obra, o Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo recebeu matrículas de 40 crianças. Logo estavam com 60 e tiveram de construir uma nova escolinha para abrigar os alunos. O Jardim da Infância passou a funcionar na Quadra 77, na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Pará, onde é atualmente a casa das Irmãs Filhas da Caridade da Escola São Vicente de Paulo.

Alunos do Jardim da Infância participando do desfile de 7 de setembro (Acervo: Ordem do Carmo)

Entre os alunos que estudaram no Jardim da Infância, estava uma criança de três anos, conhecida como Alencarzinho, filho do advogado José de Alencar Furtado.

Certo dia, o garotinho teve um choque anafilático, não resistiu e faleceu. “Quando ele entrou em agonia, cantou ‘Ave, Ave, Ave Maria’ com a vozinha cada vez mais fraca, até dar o último suspiro. Ele aprendeu o canto no nosso Jardim da Infância”, destacou Frei Ulrico.

Saiba Mais

Em 1952, Paranavaí tinha um elevado índice de analfabetismo entre as crianças.

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo recebeu licença oficial de funcionamento do Governo do Estado do Paraná em 17 de junho de 1956. O documento permitia que a escola oferecesse o nível primário de ensino. A licença para o ginasial foi conquistada em 22 de fevereiro de 1960.

Após a morte do pai, Leodegário Gomes Patriota em 17 de janeiro de 1962, a professora Irene Patriota se mudou para Curitiba. No dia 16 de outubro de 1970 deixou a capital e fixou residência em Apucarana, no Norte Central Paranaense.

Em 1954, escolinha já oferecia educação e recreação (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira professora do Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo, Maria de Lourdes Patriota, é irmã da professora Irene Patriota. Lourdes nasceu no dia 21 de janeiro de 1932 em Brejão, Pernambuco.

Em 1960, Maria de Lourdes e o marido, Jarbas Nogueira dos Santos, funcionário da Caixa Econômica Federal, deixaram Paranavaí. Se mudaram para Bandeirantes, no Norte Pioneiro Paranaense, onde viveram por um ano, até fixar residência em Apucarana. Desde 1983, Lourdes Patriota mora em Curitiba.

Em 1955, Rosa Akie Noguti, que nasceu em 10 de janeiro de 1934 em Vera Cruz, interior de São Paulo, assumiu o cargo de diretora do Colégio Paroquial, onde trabalhou até maio de 1960. Depois se casou com Paulo Fumio Watanabe e em 1978 se mudou para Curitiba.

José de Alencar Furtado era pai do deputado federal Heitor de Alencar Furtado, assassinado em 1982, que empresta o nome para a avenida mais importante de Paranavaí.

Written by David Arioch

November 7th, 2010 at 1:51 pm

Posted in História,Paranavaí,Pioneirismo

Tagged with , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

Jesuítas salvaram mais de 12 mil índios caiuás

with 7 comments

Antonio Montoya comandou fuga que garantiu a sobrevivência dos índios do noroeste paranaense

Ruínas provam que pouco restou sobre as missões jesuíticas na região (Foto: Reprodução)

Das 13 missões espanholas fundadas pelos jesuítas na Província de Guaíra, somente as de Nossa Senhora de Loreto e de Santo Inácio Mini, nas regiões Noroeste e Oeste do Paraná, resistiram por muito tempo às investidas dos bandeirantes. Em episódio heroico, Antonio Montoya e outros missionários prepararam a fuga de mais de 12 mil índios caiuás.

Em 1628, os bandeirantes Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto já tinham capturado milhares de índios nas imediações do Rio Tibagi, na bacia do Rio Paraná, no atual Norte do estado. No entanto, o que eles realmente queriam era um pretexto para invadir as reduções jesuíticas espanholas.

Naquele mesmo ano, um dos prisioneiros, o cacique caiuá Tataurana, capturado pelos bandeirantes Frederico de Melo, João Pedroso de Barros, Antônio Bicudo e Simão Álvares, conseguiu fugir para a Missão de Santo Antônio. Quando soube do acontecido, Raposo Tavares foi até a redução e exigiu que os missionários entregassem o índio.

Os jesuítas se recusaram, e assim os bandeirantes portugueses e paulistas decidiram invadir e destruir a redução, de acordo com o historiador Romário Martins. À época, Raposo Tavares e Manuel Preto contavam com uma guarnição de mais de três mil homens fortemente armados, o suficiente para promover a morte de mais de 15 mil índios caiuás no atual Noroeste do Paraná, antigo território espanhol.

Os indígenas capturados eram transformados em escravos. Muitos foram enviados a mando de Manuel Preto para o Sudeste e Nordeste do Brasil. A situação se tornou tão preocupante que em 1629 os missionários receberam ordens de Assunção, no Paraguai, e Madri, na Espanha, para abandonarem as reduções na Republica del Guayrá.

Os jesuítas italianos José Cataldino, Simón Mascetta e o peruano Antonio Ruiz de Montoya, que eram os responsáveis pela Missão de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio Mini (atual Noroeste e Oeste do Paraná), acharam melhor acatar a ordem, já que dos mais de cem mil índios catequizados pouco mais de 12 mil escaparam do genocídio bandeirante.

Antonio Montoya foi quem idealizou a fuga dos índios Caiuás

Fuga contou com mais de 700 embarcações

À época, 11 das 13 missões jesuíticas fundadas pelos três padres foram destruídas pelos bandeirantes que invadiram a Província de Guaíra. Em suas cartas, Antonio Montoya escreveu que além de evangelizarem os índios, os padres explicavam sobre a importância da vida política, roupas, monogamia e tecnologia. Segundo Montoya, da Missão de Loreto prepararam uma fuga que contou com o empenho de sete padres, entre os quais Mascetta e Dias Tanhos.

Os índios de Loreto e Santo Inácio construíram mais de 700 embarcações, principalmente jangadas, que foram dispostas às margens do Rio Paranapanema em área que inclui os municípios de Jardim Olinda e Terra Rica. De lá, partiram antes da chegada dos bandeirantes.

Desceram do Paranapanema até o Rio Paraná, passando inclusive pelas Sete Quedas, onde perderam a maior parte das jangadas. Mesmo vítimas de inanição e de inúmeras doenças, os caiuás e os padres resistiram e chegaram a redução de Natividad del Acaray y Santa María del Iguazú, na Província de Alto Paraná, no Paraguai, onde hoje se situa Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná, e Ciudad Del Este, capital do Departamento de Alto Paraná.

Em março de 1632, chegaram às margens do Rio Yabebyry, atual território argentino, onde recriaram as missões de Loreto e Santo Inácio. O padre Montoya foi além e criou novas reduções desde o Rio Paraná até o Rio Uruguai, onde se situa atualmente o Rio Grande do Sul. Pouco tempo depois, o padre recebeu um convite para viajar a Madri, na Espanha, e testemunhar a favor dos índios caiuás em um tribunal que contou com a presença do Rei da Espanha, Filipe IV.

Ruínas da segunda Redução de Loreto construída às margens do Rio Yabebyry

As historiadoras paraguaias María Angélica Amable e Karina Dohmann relatam que por meio de decreto, o rei condenou os ataques dos bandeirantes e ordenou a libertação de todos os cativos. “Antes de morrer em 11 de abril de 1652, Montoya estava na Espanha e disse que não queria que seus ossos fossem enterrados entre os espanhóis, mas sim junto de seus filhos, os índios caiuás”, revelam María Angélica e Karina. O desejo de Montoya foi atendido e seus restos mortais depositados em um túmulo na segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina.

Curiosidades

A segunda Missão de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina, foi pioneira na arte de produzir e preparar a erva-mate.

Suspeita-se que lá tenha sido criada a primeira prensa literária da América Latina, de onde foram impressos um sem número de livros.

A segunda Redução de Loreto recebeu da Unesco o título de Patrimônio Mundial em 1984.

Frase do historiador Romário Martins

“Antonio Montoya, Simón Mascetta e Dias Tanhos eram figuras formidáveis que a história do cristianismo projetou, como um clarão, nos sertões meridionais do Novo Mundo, que o destino escolhera para salvar 12 mil criaturas perseguidas por toda a espécie de perigos, através da imensidão das distâncias, da inclemência dos inimigos, das precárias condições de êxodo.”

Noroeste do Paraná é habitado por europeus desde o século XVII

without comments

Área foi campo de batalha envolvendo portugueses, espanhóis, bandeirantes e índios

Região foi cenário de importantes conflitos

O Noroeste do Paraná começou a ser habitado por europeus no século XVII, época em que portugueses e espanhóis deram início a um desbravamento que consistiu na tortuosa abertura de picadões. Os primeiros desentendimentos entre os ibéricos aconteceram anos depois porque nenhum dos envolvidos tinha interesse em dividir as terras.

Na época do maior conflito entre espanhóis e portugueses, o Paraná pertencia ao Paraguai, a Republica del Guayrá (La Piñeria). Em 1592, o governante paraguaio Hernando Arias de Saavedra, mais conhecido como Hernandarias, o primeiro latino-americano a governar nas Américas, colocou em prática um plano para conquistar a área que se tornaria o Sul do Brasil. Entretanto, Saavedra, que em 1596 assumiu como governante do Rio de La Plata, que ia do Rio Paraná ao Rio Uruguai, encontrou forte resistência na Província de Guaíra.

Foi aí que o persuasivo Hernandarias decidiu mudar de estratégia. Fez um acordo com o Rei da Espanha, Filipe III, para a evangelização dos nativos indígenas em vez de suplantar o inimigo pela força. Então a apropriação das terras começou a ser feita de forma pacífica, a partir das missões jesuíticas espanholas.

Em 1610, os missionários italianos José Cataldino e Simón Mascetta iniciaram a catequização nas proximidades do Rio Pirapó. À época, foram criadas 13 missões. A de maior destaque foi a redução Nossa Senhora de Loreto por ser a mais bem estruturada e também reunir maior número de nativos. Inclusive na época ficou conhecida como a capital das 13 reduções. Inconformados com o êxito dos espanhóis e paraguaios, os portugueses contrataram muitos bandeirantes paulistas que se encarregaram de retomar as terras.

Antônio Raposo Tavares e Manuel Preto foram os responsáveis pela conquista definitiva da área que se tornaria a atual região Noroeste do Paraná. No entanto, é importante frisar que as conquistas dos bandeirantes paulistas eram sempre carregadas de violência e crueldade, até mesmo práticas de roubo e estupros. Provas disso são as cartas que o jesuíta peruano Antonio Ruiz de Montoya, que viveu onde é hoje o Extremo Noroeste do Paraná, escreveu em 1638.

Fragmentos da redução de Nossa Senhora de Loreto ainda são encontrados na propriedade do agricultor Lino Clemente Silva, às margens do Rio Paranapanema,  em Itaguajé. Lá, no sítio de 40 alqueires, há toneladas de materiais do período colonial. A maior parte só pode ser recuperada por meio de escavações.

“É uma pena que o local ainda não tenha sido transformado em patrimônio histórico. Em função disso, muita gente já passou por ali, pegaram quilos e mais quilos de peças que estavam na superfície e não fizeram nada, a não ser comprometer a nossa própria história”, desabafa um historiador que prefere não se identificar. A área pertencia a redução Nossa Senhora de Loreto, onde viviam centenas de milhares de indígenas Caiuás. Historiadores estimam que até 100 mil índios foram capturados na região, sob comando de Raposo Tavares e Manuel Preto.

Patrimônio Histórico

Segundo moradores de Itaguajé e Jardim Olinda, a Coordenadoria do Patrimônio Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura, do Paraná, já esteve nas ruínas da redução de Nossa Senhora de Loreto, no entanto não fez nada, além de extrair peças de cerâmica do local.

Ruínas carregam mais de 400 anos de história

with 14 comments

Viagem a um período de guerra entre espanhóis, índios e bandeirantes

Barragem onde Lino encontrou restos de uma tumba indígena (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Barragem onde Lino encontrou restos de uma tumba indígena (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Após 400 anos, redução jesuítica localizada no extremo Norte do Paraná, à beira do Rio Paranapanema, é preservada por uma família de agricultores. No local, é surpreendente a quantidade de elementos que remetem à catequização espanhola e ao confronto entre índios e bandeirantes.

No Noroeste do Paraná é raro encontrar alguém que tenha ouvido falar das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, fundada no século XVII pelos jesuítas espanhóis. O patrimônio situado em Itaguajé é desconhecido até mesmo pelos moradores.

As ruínas, que fazem parte da propriedade do agricultor Lino Clemente Silva, eram o principal ponto de apoio dos espanhóis. Lá, o privilégio geográfico permitia que avistassem de longe a incursão dos bandeirantes paulistas, defensores da coroa portuguesa. Muitas das estratégias da Província de Guaíra eram articuladas do local onde atualmente está a residência de Lino Clemente.

Quando a família do agricultor adquiriu a propriedade, não havia qualquer registro de que a área compreendia um dos mais ricos sítios arqueológicos do Paraná. “Em 1950, meu pai estava preparando o solo para o plantio e, de repente, viu algumas peças de cerâmica. Eram telhas e utensílios domésticos”, conta Silva.

Peças também são encontradas embaixo da ponte que separa Jardim Olinda, no Paraná, de Teodoro Sampaio, em São Paulo (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Peças também são encontradas embaixo da ponte que separa Jardim Olinda, no Paraná, de Teodoro Sampaio, em São Paulo (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Depois do primeiro contato com os objetos que pertenceram aos nativos da região, os pais do agricultor, estimulados pela curiosidade, decidiram vasculhar a área. Descobriram que em um perímetro de 60 metros quadrados do sítio de 40 alqueires, havia toneladas de materiais do período colonial.  “Para ser sincero, a gente nem precisava procurar. Quando chovia, muitas coisas apareciam na superfície, por cima do solo mesmo”, afirma Lino Clemente.

Para provar o que diz, Silva caminha aproximadamente 30 metros da casa onde vive e esfrega a sola da botina contra o chão forrado por folhas. Em menos de trinta segundos, sorri e aponta uma cerâmica de tonalidade enegrecida. O objeto remete claramente ao pedaço de uma panela feita, de modo artesanal, pelos índios caiuás.

Entre as peças que o agricultor guarda no interior de casa como herança cultural, há muitas cerâmicas com inscrições randômicas e numéricas, representações pictóricas do cotidiano e também de animais, pequenas panelas (forjadas em fogo, tornando o barro resistente o suficiente para existir durante séculos), pratos e copos. De acordo com Lino Silva, são poucas as peças que ainda estão intactas. A justificativa é histórica. Após os padres catequizarem os caiuás, foi deflagrada uma guerra envolvendo posseiros espanhóis, indígenas e bandeirantes.

Redução é marcada por confronto entre indígenas e invasores (Imagem: Reprodução)

Redução é marcada por confronto entre indígenas e invasores (Arte: José Miranda)

Os índios que insistiram em continuar no local foram mortos ou escravizados pelos paulistas; estes portavam armas de fogo. Contudo, dezenas de milhares de caiuás batizados foram salvos pelos jesuítas, convencidos a abandonar a missão e descer as corredeiras do Rio Paranapanema.

Resultados da devastação são percebidos também em uma região distante da residência de Lino Clemente Silva. “Encontrei cacos de tumba no eixo da barragem da Usina Taquaruçu. Também já achei algumas peças embaixo da ponte, na divisa com São Paulo”, completa.

Valor histórico das peças ainda é desconhecido

A primeira pesquisa de campo nas Ruínas Nossa Senhora do Loreto foi realizada por arqueólogos de Curitiba em 1978. À época, houve resistência por parte da família do agricultor Lino Clemente Silva. “Ficamos com medo que as pessoas roubassem essas peças. Mas se alguém quiser vir aqui para estudar, não tem problema algum. Ajudamos no que for possível”, assegura.

Até hoje, o valor histórico e material das peças encontradas no sítio arqueológico é desconhecido, mesmo com a passagem de muitos pesquisadores do Paraná e de São Paulo ao longo de 30 anos. Outro problema é o fato da propriedade ainda ser um sítio particular, já que não houve tombamento. Assim todas as visitas feitas às ruínas não são fiscalizadas ou registradas.

Segundo o Chefe de Gabinete da prefeitura de Jardim Olinda, Juraci Paes, é possível que visitantes e pesquisadores tenham levado uma grande quantidade de peças.  “Outra curiosidade é que até hoje nenhum desses estudiosos escreveu qualquer coisa sobre as ruínas”, reclama.

Patrimônio continua na clandestinidade 

Para Juraci Paes, algo tem de ser feito para assegurar a preservação das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, localizada em Itaguajé, município vizinho de Jardim Olinda. “Até hoje, nenhuma peça foi catalogada. Um descaso que já ultrapassa 50 anos”, lamenta. Segundo Paes, a prefeitura de Jardim Olinda em parceria com a prefeitura de Itaguajé reivindicou, junto ao governo do estado, a viabilização de um museu naquela área.  “Fizemos um projeto e encaminhamos, mas até hoje não foi atendido”, frisa.

Preocupado com a importância cultural dos primeiros habitantes da região, Juraci Paes informa conhecer poucas pessoas que sabem da existência das ruínas. “Aqui em Jardim Olinda, você pode sair na rua e perguntar. A maioria vai responder que não sabe do que se trata. Quem conhece é porque se interessa e busca informação”, assinala. A coordenadoria do Patrimônio Cultural do Paraná já esteve na redução, mas, segundo o chefe de gabinete, apenas recolheram materiais do local e foram embora.

Saiba Mais

Teodoro Sampaio foi o primeiro historiador a fazer citações sobre os índios caiuás

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar: