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Breve reflexão sobre barba, literatura e história
Machado de Assis, José de Alencar, Gregório de Matos, Chaucer, Melville, Victor Hugo, Ibsen, Tolstói, Dostoiévski, Leskov, Goncharov, Soljenítsin, Glišić, Turguêniev, Whitman, Bram Stoker, Hemingway, D.H. Lawrence, Bernard Shaw e Ginsberg foram alguns célebres barbudos da literatura de que me recordo agora.
Não sei se o fato de cultivarem barba era uma preferência com motivação estética ou se tinha relação com alguma espécie de zeitgeist. E analisando períodos, é justo dizer que desde os primórdios da filosofia e da literatura, a barba se fez presente, e aqui não falo como forma de distinção social, e sim como um recurso de construção pessoal.
Antigamente era costume o cultivo de barba para velar imperfeições e cicatrizes provocadas por doenças como a varíola. Porém, hoje, diferente de outros tempos, barbas volumosas e longas são quase sempre associadas a hipsters, terroristas e fanáticos religiosos. E claro, partidos políticos.
“Você não é o Tora-Tora?”
Hoje de manhã, enquanto eu estava aguardando a minha vez no banco, um cara se aproximou.
— E aí, rapaz — ele disse.
— E aí — respondi.
— Tudo bem?
— Sim e você?
— Também. Então, por que você não apareceu na Fazenda Santa Efigênia no sábado?
— Acho que está me confundindo, camarada.
— Você não é o Tora-Tora?
— Como?
— Tora-Tora!
— Não, cara. De modo algum. Foi um engano.
— Ah, me desculpe. É que vocês são parecidos. Na realidade, a barba. Não sei falar o nome dele, nome estranho, então demos esse apelido. Veio pra cá pra trabalhar como lenhador.
— Entendo.
— Então me desculpe.
— Sem problema.
— Mas, olhe, você tem cara de quem sabe cortar lenha. Se um dia quiser experimentar.
— Hum…é lenha de reflorestamento? Se não for, minha religião não permite.
— Qual é a sua religião?
— Sou vegano.
— Já ouvi falar disso. É tipo uma seita, né?
— Sim…
O cara riu; eu também. Nos despedimos.
“Vixi, mano! Vegano?”
Voltando para casa, encostei o carro rente ao meio-fio e atendi uma ligação. De repente, um cara em outro carro, e do outro lado da rua, esticou o pescoço para fora. Ele parecia levemente (ou não) embriagado.
“Vixi, mano! Vegano?”
Voltando para casa, encostei o carro rente ao meio-fio e atendi uma ligação. De repente, um cara em outro carro, e do outro lado da rua, esticou o pescoço para fora. Ele parecia levemente (ou não) embriagado.
“Carrega também, pai”
No início da noite, quando saí da academia, passei em frente ao Rotary. Um garotinho, sem qualquer sinal de constrangimento, apontou o dedo para mim e chamou a atenção de seu pai.
— Pai, por que você não é forte que nem aquele tio árabe ali?
— Deve ser porque em vez do camelo carregar ele é ele quem carrega o camelo.
— Sim, carrego camelo nas costas — comentei de longe.
— Carrega também, pai — comentou a criança.
Um banco e duas barbas
Durante o atendimento, o bancário começou a rir. Eu também.
— Eu sou você amanhã.
— É…acho que sim.
— Não…sua barba é mais fechada.
— Será?
— É sim.
— Obrigado.
— Olhe a barba dele – comentou com outro bancário que também começou a rir e chamou a atenção de outro bancário.
— É…são muito parecidas…uma é cinza e a outra é preta…estágios de transformação.
— Já guardou coisas na barba?
— Sim…
— É mágico, não? – comentou atravessando duas canetas pela barba, formando um X peludo.
— X de Xará.
— hahahahaha demais…
Em pouco tempo, quatro bancários riam e eu também, já anestesiado por passar mais de três horas aguardando atendimento, em abstinência de escrever, sentindo as mãos formigando e as ideias pululando. Vi pessoas sorrindo, rindo, reclamando, xingando, praguejando, bocejando, dormindo.
— Sua barba deve ter mais de ano.
— Tem sim…
— Também estou quase lá.
— É isso aí.
— Não vá cortar a barba, hein? — disse o bancário barbudo.
— Não, senhor.
— Ah, outra coisa.
— O quê?
— Não vá cortar a barba, hein?
— Pode deixar.
Quando me levantei e caminhei em direção à saída, senti minha barba esquentando. Alguém estava me odiando. Sem problema. Lá fora, uma criança de quatro ou cinco anos apontou o dedo em minha direção:
— Tio, sua barba parece um algodão-doce preto.
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Psiu! Psiu!
Assim que cheguei em casa, notei que alguém jogou ou deixou cair um pouco de lixo na calçada. Então recolhi e comecei a organizar tudo com os braços apoiados sobre a lixeira. Um sujeito encostou o carro e chamou a minha atenção:
— Psiu! Psiu!
— É comigo?
— Sim…
— Pode perguntar.
— Não quero perguntar nada não, meu amigo. Quero te ajudar.
— Me ajudar? Como assim?
— Olhe, lá em casa está cheio de materiais recicláveis. Pode te garantir uma graninha boa.
— É?
— Sim. Você vai gostar.
— Muito obrigado mesmo. Mas eu moro aqui. Só estou recolhendo o lixo que caiu na calçada.
— Não precisa ter vergonha, rapaz. Seu trabalho é muito digno.
— Ok…
— Quer que te leve lá agora?
— Não precisa não. Estou bem aqui mesmo.
— Ah, mas você pode ganhar uma graninha pelo menos pra tirar ou diminuir essa barba numa boa barbearia.
— Como assim?
— Te reconheci pela barba.
— Reconheceu o quê?
— Que você é andarilho.
— Não sou andarilho…
— É sim.
Abri o portão de casa e ameacei entrar.
— Cuidado, vão chamar a polícia pra você.
— Claro que não.
— Claro que sim.
— Ué…
— Então vamos fazer o seguinte. Fica com meu endereço, e quando você quiser é só passar lá pra buscar.
— Ah sim. Muito obrigado pela gentileza.
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Por que você tem uma barba grande?
“Não tão preparando nenhuma maldade não, né, fio?”
No centro, encontrei um amigo que eu não via há um bom tempo. Assim como eu, ele também está bem barbudo.
— Mano, leio as histórias da sua barba. Você passa por cada uma, hein? Por que comigo não acontece nada? Ninguém me confunde nem com mendigo, cara.
— Cara, pra ser sincero, não tenho a mínima ideia.
De repente, passou uma velhinha segurando um guarda-chuva.
— Vocês são muito bonitos. São irmãos? Não tão preparando nenhuma maldade não, né, fio?
— Não, que isso, minha senhora…Aqui só tem gente de bem.
— Então tá bom, assim ninguém fica feio, e ninguém precisa juntar os pedaços de ninguém.
Quando a senhorinha se afastou, o amigo arreganhou os dentes:
— Vou andar mais vezes com você, mano.
E foi embora todo feliz por ser chamado de terrorista pela primeira vez.
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“A mesquita é pra lá”
Encontrei um amigo dos tempos de adolescência perto da AABB, então me aproximei para cumprimentá-lo. Sem que eu tivesse tempo de abrir a boca, ele falou:
— A mesquita é pra lá.