David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Barbárie’ tag

Diferença entre civilidade e barbárie

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Diferença entre civilidade e barbárie. Vi o vídeo do Mano Brown criticando o PT em meio a muitos petistas e apoiadores, e permitiram que ele dissesse tudo que tinha pra dizer e sem vaiá-lo, até porque ele fez observações bem contundentes. Agora me deparo com essa declaração do Haddad. Honestamente? Duvido muito que o Bolsonaro permitisse algo assim. Quando alguém começa a criticá-lo, na primeira frase ele já interrompe a pessoa e eleva o tom de voz. Claramente uma pessoa intransigente e incapaz de ouvir críticas. Fico imaginando um cara desse lidando com opositores e líderes de outras nações. Capaz de conquistar boicotes, sanções e até mesmo ameaça de guerra contra o Brasil.

Written by David Arioch

October 25th, 2018 at 12:17 pm

Vaquejada não é esporte, é violência

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Sobre o sofrimento de animais selvagens em armadilhas II

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Foto: Reprodução

Na primeira hora em que um animal selvagem é preso em uma armadilha, não raramente o desespero faz com que ele comece a mastigar os seus próprios membros na tentativa de se livrar da situação. Isto porque a dor é tão visceral que ele é capaz de qualquer coisa para tentar sobreviver, mesmo que os ferimentos posteriores também possam causar-lhe a morte caso ele não receba nenhum tipo de ajuda.

Referência

Animal Ethics in Animal Research, livro de autoria de Helena Röcklinsberg e publicado em outubro de 2017 pela Editora da Universidade de Cambridge.





 

Breve reflexão contra a vivissecção (experimentação animal)

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A vivissecção passou a ser considerada “prática comum” no mundo ocidental a partir do século 19. Muito tempo se passou, estamos em 2018 e animais continuam sendo torturados e mortos desnecessariamente em nome da ciência. O que ajuda a postergar o banimento dessa prática já considerada obsoleta é o lobby e a politicagem que caminham lado a lado.

 





 

O vídeo do cãozinho em chamas e O Xogum dos Cachorros

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O Xogum dos Cachorros não permitia abusos contra animais

Postaram no Facebook um vídeo de um jovem prendendo um cãozinho dentro de um caixote e ateando fogo. Ele ficou assistindo e rindo enquanto o animalzinho queimava. Depois levantou o caixote e, não somente ele, mas outros que assistiram tudo, também ficaram rindo. Sou contra a violência, mas quando vejo algo assim me lembro da história de Tokugawa Tsunayoshi, o Xogum dos Cachorros, que durante a Era Genroku punia a violência contra animais na mesma proporção em que eram praticadas.





Written by David Arioch

May 8th, 2017 at 12:14 am

O mundo implacável de Berserk

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Anime conta a história de Guts, um jovem guerreiro embrutecido pelos abusos vividos na infância

 Guts (ao centro), um jovem órfão que foi encontrado próximo ao cadáver da mãe enforcada (Imagem: Reprodução)

Guts (ao centro), um jovem órfão que foi encontrado próximo ao cadáver da mãe enforcada (Imagem: Reprodução)

Berserk é uma série de anime, de Naohito Takahashi, inspirada no mangá de Kentaro Miura, baseada no realismo extremo, que conta a história de Guts, um jovem órfão que foi encontrado próximo ao cadáver da mãe enforcada. Adotado por uma mulher que morre pouco tempo depois, a tutela do garoto é passada para Gambino, o líder de um grupo de mercenários. Ainda na infância, Guts é criado com estoico rigor, tanto que durante os treinamentos para se tornar um guerreiro implacável não lhe dão armas compatíveis com a sua estatura, e sim as mesmas usadas pelos adultos.

Curiosamente, mais tarde, as espadas de Guts tornam-se uma extensão do seu desenvolvimento como mercenário. Na fase adulta, ele começa a empunhar uma Dragon Slayer com uma lâmina de dois metros de altura. É como se a espada simbolizasse não apenas sua força, mas a própria existência que refletida na lâmina conduz a larga dimensão das suas agruras.

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O anime se desenvolve e desmitifica a perspectiva de um mundo visceralmente maniqueísta (Imagem: Reprodução)

Ao se preparar para um mundo mergulhado em guerras, Guts, sem saber, é traído pelo pai adotivo que em troca de um punhado de moedas e favores o empresta a um mercenário que o violenta sexualmente. Mais tarde, por um infortúnio, o garoto mata Gambino sem querer, sendo perseguido pelo grupo de mercenários. Apesar disso, consegue escapar. Tempos depois, ainda muito jovem, mas com mais experiência, é forçado a entrar para o famigerado Bando dos Falcões, após ser derrotado pelo líder Griffith, o Falcão Branco.

A partir daí, o mavórcio Guts evolui muito mais, de soldado a comandante da Linha de Frente do Bando do Falcão – o exército mais forte da época, formado por defensores do milenar Reino de Midland, o mais antigo do velho continente. O anime se desenvolve e desmitifica a perspectiva de um mundo visceralmente maniqueísta. Na realidade, com o avanço dos episódios, Berserk se torna ainda mais hermético e figadal porque mostra com mais afluência que as trevas são diuturnamente rondadas pela luz e vice-versa.

O cenário sepulcral, que remete à França e Inglaterra da Baixa Idade Média, destaca com genialidade a barbárie e a intemperança dos tempos clássicos, quando o desejo de suplantar e destruir só poderia ser ofuscado por sentimentos nobres como companheirismo, amizade e amor. É, de fato, um anime de gente grande, que apresenta as falhas humanas a partir de um mundo cabalístico e sombrio, onde a cor predominante é o vermelho, símbolo do derramamento de sangue. Em Berserk, o espectador é convidado a conhecer um universo que conduz vida e morte numa proporção desigual, mas crítica e reflexiva, porque basicamente imita a vida, seja na literalidade do período clássico ou nas suas alegorias sobre o homem da hipermodernidade.

Curiosidade

O anime foi criado em 1997 e o mangá em 1989.

Written by David Arioch

January 29th, 2016 at 12:09 am

Fazendo a diferença em Ruanda

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Violette Mutegwamaso, a mulher que superou uma guerra civil e o brutal assassinato do marido

Aldeia onde a então dona-de-casa vivia com a família (Foto: Rosemary Lycett)

Aldeia onde a então dona de casa vivia com a família (Foto: Rosemary Lycett)

Em 1994, milícias armadas entraram em conflito em Ruanda, na região dos Grandes Lagos da África. Pessoas de etnias hutu e tutsi tornaram-se inimigos mortais, se enfrentando pelas ruas à luz do dia. A motivação foi o desvio de recursos que deveriam ser utilizados para a reestruturação do país. Com a expansão do caos, iniciado na capital Kigali, 250 mil pessoas foram mortas. Ainda assim, muita gente acreditava que estava livre das zonas de guerra civil. Um exemplo era a dona de casa Violette Mutegwamaso que cuidava dos filhos enquanto o marido trabalhava na capital, a três horas de distância de Gahini, a pacata aldeia onde a família sempre viveu.

“Quando percebi que a guerra já estava ao lado, peguei meus dois filhos nos braços e fugi para a igreja mais próxima. Pensei que encontraria um santuário de paz. Na realidade, entrei em um pesadelo”, lembra. Atacados por uma milícia munida de facões e armas de fogo, muitos moradores de Gahini caíram mortos dentro da igreja. Para sobreviver, Violette deitou-se em um corredor e lambuzou os corpos dos filhos e o próprio com sangue para evitar que os agressores os matassem.

“Nos escondemos entre os cadáveres e nos fingimos de mortos. Ficamos naquela igreja por uma semana até que o exército ruandense apareceu para libertar a área”, conta. No episódio, sobreviveram apenas 20 pessoas dentre os mais de 700 escondidos no templo religioso. O marido de Violette não teve a mesma sorte. Foi brutalmente assassinado quando retornava para casa depois de mais um dia de trabalho.

Sobrevivente viu a morte de centenas de pessoas (Foto: Daniel Chen)

Sobrevivente viu a morte de centenas de pessoas (Foto: Daniel Chen)

A dona de casa se viu obrigada a assumir sozinha a criação do filho Eric, de cinco anos, e Angelique, de quatro anos. Demonstrando muita força, Violette ainda cuidou de um órfão que perdeu a família inteira na guerra. “Não tive quase apoio, mas tentei reconstruir a vida cultivando as terras de outras pessoas. O que ganhava não dava para alimentar a mim e meus filhos. Também não conseguia pagar a escola, comprar remédios e roupas. Foi muito difícil”, admite em tom emocionado.

Dez anos depois, Violette ouviu falar de um programa internacional de patrocínio para mulheres. Sem nada a perder, se matriculou e ganhou uma ajuda da estadunidense Liz Hammer, uma mãe de dois filhos comprometida em repassar 30 dólares por mês ao longo de um ano. A quantia que partia de Boston pode parecer ínfima para muita gente, mas Violette soube fazer a diferença com tão pouco.

Usou o dinheiro para investir em cerveja de sorgo. “Cheguei a produzir uma tonelada e meia do cereal. Ainda assim, a demanda era tão grande que tive de comprar sorgo de outros agricultores”, explica. De modo artesanal, Violette Mutegwamaso preparava de 150 a 180 litros de cerveja a cada três dias, lucrando cerca de 50 dólares por lote.

Com o dinheiro da bebida, investiu no plantio de feijão. Além de garantir alimento para a família, também conquistou uma nova fonte de renda. “Se o preço está alto, vendo o feijão para os vizinhos. Já quando cai, repasso no atacado para lojas e restaurantes”, revela. Enquanto a maior parte da população de Ruanda tinha uma renda mensal familiar de 260 dólares, segundo dados do Banco Mundial, Violette, superando todas as expectativas, já conseguia faturar 1,8 mil dólares com a safra de feijão.

Marido de Violette morreu durante a Guerra Civil de Ruanda (Foto: Frank Randall)

Marido de Violette foi uma das vítimas fatais da Guerra Civil de Ruanda (Foto: Frank Randall)

Mais tarde, ampliou ainda mais os negócios e contratou trabalhadoras locais para atuar no campo e no gerenciamento das atividades. Preocupada com a comunidade, fez um empréstimo bancário para instalar uma tubulação de água na aldeia, evitando que as mulheres tivessem de andar por horas até achar uma torneira. “Vivemos em um país onde apenas 20% das pessoas tem acesso à água potável, então muitas mulheres são obrigadas a carregar jarros pesados por longas distâncias”, desabafa.

Hoje, Violette Mutegwamaso é presidente de uma cooperativa de artesanato. Dentre os produtos mais populares está a cesta de paz que faz parte da cultura ruandense e normalmente é comprada para presentear a noiva e o noivo no dia do casamento. “Também vendemos bastante cerâmica e artigos de crochê. Fico feliz por reunir na mesma cooperativa mulheres de origem hutu, tutsi e twa. Elas sentam lado a lado para tecer fibras de sisal com técnicas tradicionais de desenho”, afirma Violette.

A cooperativa tirou da miséria muitas vítimas do genocídio e até mesmo pessoas que assumiram a autoria dos mais chocantes homicídios cometidos durante a Guerra Civil de Ruanda. “Se perdoei o assassino do meu marido por que não aceitaria aqueles que cometeram outros crimes?”, questiona, incitando reflexão.

The Bang Bang Club, barbárie na África do Sul pós-Apartheid

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Livro e filme contam as experiências de quatro jovens em meio ao caos da Guerra Civil Africana

Filme se passa na África do Sul de 1990 a 1994 (Foto: Reprodução)

O filme The Bang Bang Club, do canadense Steven Silver e lançado em 2010, conta a trajetória de quatro jovens caucasianos: Greg Marinovich, João Silva, Ken Oosterbroek e Kevin Carter, fotógrafos criados nos bairros de classe média de Joanesburgo, na África do Sul, que trabalhavam para o jornal The Star. Entre os anos de 1990 e 1994, registraram muitos momentos profundos e simbólicos da guerra civil que custou a vida de milhares de membros do Congresso Nacional Africano (CNA), de Nelson Mandela, e do grupo separatista de origem zulu Inkatha, formado por moradores da área rural. A história se desenrola em paralelo a um dos momentos mais importantes da política sul-africana, quando um referendo nacional estabelece o fim do Apartheid e oferece a toda a população a oportunidade de votar.

Em 2004, li o livro The Bang Bang Club que desperta questionamentos e reflexões existenciais sobre a banalização da vida, crueldade e barbárie com as quais o ser humano é capaz de conviver como se fosse algo tão natural quanto tomar um copo d’água. O filme homônimo também é pesado, agressivo e carregado de uma carga psicológica tão extenuante que reflete a própria condição da realidade sul-africana da época, transmitida com esmero estético por uma direção de fotografia que privilegia a perspectiva panorâmica dos fotógrafos em ação. A obra levanta questões que até hoje são discutidas em todo o mundo, quando se trata de fotografia de guerra ou testemunhal.

O verdadeiro Clube do Bangue Bangue (Foto: Reprodução)

Até que ponto um fotógrafo deve ou não interferir no cenário? Tanto no livro quanto no filme, Kevin Carter, um dos vencedores do Prêmio Pulitzer, um dos mais importantes do jornalismo mundial, é questionado muitas vezes. Perguntam-lhe por que não salvou a garotinha que estava sendo espreitada por um abutre na área rural do Sudão. Carter não sabia o que dizer, ficava confuso, e tantos questionamentos o afetaram de tal maneira que em 1994 cometeu suicídio dentro do próprio carro. Inalou através de uma mangueira a fumaça que saía do escapamento, chegando ao interior de automóvel com os vidros fechados. O homem que teve sua foto estampada na capa do New York Times morreu pobre e endividado.

Imagem que garantiu a Kevin Carter o Prêmio Pulitzer

Já Ken Oosterbroek foi morto a tiros pelo próprio exército sul-africano durante um conflito armado em que a turma do Clube do Bangue Bangue saiu para registrar uma incursão. Marinovich foi alvejado no mesmo episódio, mas sobreviveu. Greg também ganhou o Prêmio Pulitzer pela autoria de uma foto em que um suposto Inkatha é espancado, depois o banham em álcool e ateiam fogo com um palito de fósforo.

Enquanto o homem corre desesperadamente em chamas, e com o sol ao fundo, tornando a cena mais vívida, um membro do CNA vai até ele e desfere-lhe um golpe de facão. Greg Marinovich registrou o momento preciso, como diria o mestre Henri Cartier-Bresson. Porém, antes disso, o fotógrafo interpelou um dos agressores: “Como você sabe que ele é um Inkatha?” O homem respondeu: “Não sabemos, mas aqui fica uma lição aos outros.” Tal frase é mais que uma simbologia do caos vivido na África do Sul até 1994. Era mais importante surpreender o inimigo mostrando-lhe do que era capaz, mesmo que isso custasse a vida de um não-membro.

Foto premiada de Greg Marinovich

O filme é bom e fiel ao livro, mas a profundidade do original impresso é ainda mais reflexiva. Alguns momentos não foram para as telas, até porque a riqueza de detalhes de João Silva e Greg Marinovich demandaria uma série, não apenas um filme. Uma prática muito comum citada no livro é o necklace que não aparece na adaptação para cinema. O agressor selecionava a vitima, colocava em seu pescoço um pneu com as bordas embebidas em álcool e ateava fogo. Ainda me recordo também que a guerra entre os Inkatha e a CNA custou a vida até mesmo de bebês, mortos de forma extremamente violenta.

Em suma, fica claro que os maiores “vitoriosos” da guerra civil sul-africana foram os africâneres, principalmente os bôeres, que colocaram os nativos africanos para matarem uns aos outros, o que era bem quisto pelos segregacionistas, racistas brancos e dominantes que sempre representaram a minoria continental. The Bang Bang Club  e War Photographer – que conta com exímio realismo a história de um dos maiores fotógrafos de guerra do mundo, James Nachtwey (que inclusive tem uma curta participação no livro e no filme The Bang Bang Club), são duas recomendações para quem gosta do tema fotografia de guerra.

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Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira

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Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema

Paranapanema, cenário de muitos crimes nos tempos da colonização (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.

A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.

No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.

No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.

Frutuoso Sales vivenciou período mais obscuro da história local (Foto: Reprodução)

Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.

No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.

Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.

A morte à espreita no Rio Paranapanema

De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.

Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.

Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.

O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.

Curiosidade

Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.