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“O Noroeste do Paraná era a terra do ouro verde”
Wilson Alonso se recorda da Terra Rica dos tempos de juventude
Em 1947, o pai de Wilson Alonso viajou até o Noroeste do Paraná para conhecer as terras da colônia que se transformaria na cidade de Terra Rica. Curioso, mas ainda com incertezas sobre o futuro, logo voltou para Fernandópolis, no Noroeste de São Paulo. Retornou ao Paraná em 1949, até que em 1953 decidiu se mudar em definitivo para Terra Rica. “Todo mundo tinha curiosidade sobre esta região. É a mesma coisa quando falam hoje das novas cidades do Centro-Oeste e Norte do Brasil. Naquele tempo, o Paraná era muito badalado. A conversa era de que o Noroeste dava muito dinheiro, era a terra do ouro verde, do futuro do café”, lembra Wilson Alonso com um olhar disperso no passado.
Em 1953, Terra Rica, nome que justifica porque centenas de pioneiros migraram para a localidade, se resumia a um povoado em que as poucas e pequenas casas rodeavam um hotel, uma farmácia e um armazém na Avenida São Paulo, via onde o avião do colonizador Ênio Pipino pousava com frequência, atraindo a atenção dos populares. “Meu avô comprou um pedaço de terra aqui e meu pai fez o mesmo. Começaram a trabalhar por conta. Eu tinha entre quatro e cinco anos”, conta Alonso. À época, a pequena colônia em desenvolvimento era vista como a Klondike brasileira de migrantes e imigrantes, em referência ao filme The Gold Rush, de 1925, do cineasta e ator Charles Chaplin.
Mas, em vez do ouro que atraía aventureiros e desafortunados à região pouco explorada do Alasca, no Noroeste do Paraná o atrativo maior era o café e a supervalorização do produto. “As pessoas vinham em busca de riqueza, com sonhos grandes. Parecia até que fosse brotar ouro do chão”, comenta Wilson Alonso em tom bem humorado. O desalento chegou ao município em 1975, quando uma das geadas mais intensas que atingiu o Paraná dizimou boa parte dos cafezais de Terra Rica, com uma economia baseada na monocultura cafeeira.
Ainda assim, muitos perseveraram até o final dos anos 1980. “Em 1985, tínhamos bastante café. Foi se erradicando aos poucos por causa da pecuária. Uns decidiram plantar pasto e muitos seguiram pelo mesmo caminho. A lavoura de mandioca também cresceu”, enfatiza. Como se fosse hoje, Wilson Alonso se recorda da criação do primeiro asfalto de Terra Rica em 1969. Considerada a novidade do ano na cidade, ao longo de semanas foi o assunto mais discutido nas rodinhas do comércio. Com a nova pavimentação, surgiram escolas, indústrias de beneficiamento de café e madeireiras. Se instalaram principalmente empresas que dependiam de boas condições de tráfego. “Sem dúvida, o grande chamariz”, frisa.
“O cinema acabou por causa da televisão”
Dos clubes antigos que marcaram história, o destaque é a Associação Atlética Terra Rica, principal ponto de encontro da população ao longo de anos. “Não tinha lanchonete nem bar, nenhum outro lugar. Só que nem todo mundo frequentava o clube, até porque tinha de ser sócio. Lá, realizaram muitos bailes e brincadeiras. Quando não tinha conjunto musical, a gente inventava. Tinha o ‘Picape e Seus Negritos’, apelido de uma radiolinha, e o ‘bolachão’, termo dado ao disco de vinil’, relata Alonso.
Depois surgiu o cinema, tornado a principal atração da cidade nos finais de semana. A energia elétrica do local, assim como de outras residências e pontos comerciais, era fornecida por meio de um gerador com hora marcada para ser desativado todos os dias. Anos mais tarde, por iniciativa do município, construíram a Usina Hidrelétrica Padre Eduardo para abastecer a população. “Até que a Copel [Companhia Paranaense de Energia] entrou em Terra Rica e começamos a pagar pela energia elétrica oferecida pelo estado”, pontua.
Sobre o modesto cinema do ‘seu’ João Batistella, Alonso tem boas recordações. Com o tempo, o espaço ficou pequeno e a Família Takahashi decidiu investir no ramo. “Era muito divertido e tinha uma enorme capacidade de público. Infelizmente, o cinema em Terra Rica, como no resto do Brasil, acabou por causa da televisão que ‘prendia as pessoas em casa’. Pouco frequentado, acabou fechando”, lamenta. No local onde o cinema funcionou por tantos anos está instalada uma emissora de rádio FM e um depósito de uma loja de departamentos. Não sobrou nada, nem vestígios de que um dia o espaço serviu como principal entretenimento para a população local.
Wilson Alonso também faz questão de citar os comícios dos candidatos dos partidos Arena e Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que chegavam a trocar agressões nos palanques nos anos 1960 e 1970. “Época de eleição era sempre uma guerra. Faziam os comícios em caminhões que levavam toras de madeira para as serrarias. “Subiam em cima e saíam aquelas fileiras de caminhões pelas ruas da cidade. Briga política terminada em socos, chutes e pontapés não faltava”, diz rindo. Dos personagens mais violentos da história de Terra Rica, Alonso jamais esqueceu de um homem conhecido como Taquara, figura quase lendária e que servia de referência aos pais para assustarem os filhos desobedientes.
Sobrevivendo do Paranazão
Apesar da queda do volume de peixes, pescadores continuam na ativa e complementam a renda atuando como guias
Apesar da queda do volume de peixes, pescadores do Porto 18, há 22 km de Querência do Norte, no Noroeste do Paraná, dizem acreditar que a pesca no Rio Paraná ainda é compensatória. Se faltar peixe no rio, a valorização do preço garante a lucratividade. Com tal perspectiva otimista, dois ribeirinhos sustentam a família sem precisar se mudar para a cidade.
Antônio Medina de Souza Neto, 29, e Sebastião Pedro da Silva, 39, conhecido como Tião Paçoca, percorrem, do interior de dois pequenos barcos de madeira, as águas do Rio Paraná de segunda à sexta. “Comecei a pescar com 12 anos. Sinto falta de quando pescava bastante peixe. Mas estou feliz porque os 10 kg de hoje equivalem aos 50 kg de outros tempos. Ou seja, se pesca menos, mas o lucro é o mesmo”, assegura Neto.
Tião Paçoca lembra a época em que pescava mais de 100 kg de peixe. Emocionado, jura que não é apenas história de pescador. “Pegava até 14 dourados no mesmo dia. Foi assim durante dois meses em 2002. Não ganhava menos de R$ 1 mil com a pescaria”, relata. Com a construção das barragens, a queda no volume de peixes atingiu todos os pescadores locais, segundo Tião. Por outro lado, contribuiu para a alta no preço da carne branca. “Ainda dá pra tirar uns R$ 800 por mês. O lucro é garantido pra quem pesca piapara e dourado”, comenta o pescador.
Entre os pescadores de Querência do Norte e região há unanimidade com relação à pesca nas imediações do Porto 18. “Não há melhor lugar. Tem dia que ainda pegamos 20 kg de peixe”, afirma o sorridente e bem-humorado Tião Paçoca. Setembro é considerado o melhor mês para a pesca, quando se torna fácil encontrar peixes realmente grandes. Na primavera, turistas aproveitam a oportunidade para conhecer a área. “Abril também é um ótimo mês para pescar”, pontua Antônio Medina, em referência que também remete ao fim da piracema, período em que a pesca é proibida para não atrapalhar a cadeia reprodutiva dos peixes.
Recursos naturais impulsionam o turismo
Quem já teve a oportunidade de conhecer alguns dos portos que circundam Querência do Norte, se sente enfeitiçado pelas belezas naturais da região. Cientes da atenção que a fauna e a flora local atraem, pescadores encontraram no turismo uma alternativa para agregar mais renda.
De segunda à sexta, é fácil ver sobre as águas do Rio Paraná um grande número de barcos procurando os melhores cardumes da região. Os pescadores só deixam as varinhas de lado aos sábados e domingos, quando assumem o papel de guias turísticos. “Em média, atendo 25 pessoas por mês e cobro R$ 50 reais de cada grupo”, assinala o pescador Antônio Medina de Souza Neto. O pescador Tião Paçoca cobra o mesmo valor e considera o trabalho prazeroso. “Aqui a gente mostra que realmente conhece tudo”, frisa.
Em Querência do Norte, muita gente disponibiliza o barco com motor por diárias de R$ 100, preço fixado pelos pescadores. “É uma alternativa para quem prefere um programa mais calmo, como pescar. Já os aventureiros optam por conhecer as ilhas”, diz Neto. A experiência de Tião Paçoca e Medina de Souza Neto faz com que turistas de cidades bem distantes sempre os escolham como guias. “Já auxiliei muita gente de Ribeirão Preto, Sertãozinho, Marília, Curitiba, Londrina, Maringá e Paranavaí”, exemplifica Tião.
A única queixa dos pescadores diz respeito a precariedade da estrada que os turistas têm de percorrer para chegar até o Porto 18. “O caminho é muito ruim. Muita gente desiste de vir aqui. Se algo fosse feito, ganharíamos muito mais dinheiro”, avalia Antônio Medina de Souza Neto.