David Arioch – Jornalismo Cultural

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Fique em paz, meu amigo Baton

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Uma homenagem ao meu amigo e ex-presidente da torcida Caldeirão Atleticano

Foto: Arquivo Pessoal

No dia 4 de fevereiro de 2012, sábado, um faleceu em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o ex-presidente da torcida organizada Caldeirão Atleticano, Anderson Souto, o Baton, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. O enterro realizado em um domingo reuniu muitas pessoas, entre amigos, familiares, colegas de trabalho e torcedores do Atlético Clube Paranavaí (ACP).

Em sua homenagem, decidi escrever algo que foge do padrão de uma matéria, se aproximando mais de um relato pessoal, das impressões e experiências que tive ao longo de 12 anos como amigo do Anderson, uma pessoa que ao longo da curta vida se tornou muito conhecido, embora poucos o conhecessem bem.

Fui apresentado ao Baton em 2000, quando ele já tinha amizade com o meu irmão mais velho, Douglas, com quem estudou no Ensino Médio. Frequentava a nossa casa regularmente; era muito brincalhão, em diversos momentos beirando a inocência, o que facilitava a conquista de novos amigos. Tinha uma vida pautada pela música, tanto é que muitas das camisetas usadas no dia a dia traziam estampas com logos e desenhos de bandas de rock e heavy metal. Gostava muito de cultivar um visual que exteriorizasse suas preferências culturais.

À época, tínhamos uma turma que se reunia com certa frequência para ouvir música e conversar sobre o assunto, além de outros temas. Eram momentos de descontração, mas que faziam a diferença na vida de todos. Saíamos para comprar discos e depois emprestávamos uns aos outros para fazer cópias em fitas cassete. A banda preferida do Baton, com certeza, era o Iron Maiden, inclusive foi o maior fã que já conheci. E acredito que um dos momentos mais inesquecíveis de sua vida foi assistir Bruce Dickinson e companhia no Rock in Rio de 2001. Tinha a discografia completa, e lembro como se fosse hoje quando peguei todos os seus discos emprestados para tirar cópias.

Sempre que vinha em casa e entrava no meu quarto, ele gostava de mexer na minha coleção de filmes. Ficava um bom tempo entretido, e não saía daqui sem levar algum título que depois devolvia com um pequeno sinal de X feito à caneta. Eu brincava dizendo ao Baton que estava estragando meu acervo. Respondia rindo: “É só pra eu saber depois quais filmes já assisti, e não pegar repetido.”

Também não foram poucas as vezes que o Anderson nos visitou para assistir o Fúria MTV transmitido aos domingos, dedicado aos clássicos e lançamentos do mundo do heavy metal. Quando ele e os outros perdiam o programa, eu e meu irmão emprestávamos as gravações feitas em VHS. Passávamos horas assistindo videoclipes – era um vício saudável. A música contagiava tanto que em um prédio comercial ao lado de casa nasceu a banda TomBaDo, formada pelo vocalista Baton, o guitarrista Douglas, o baixista Tom e o baterista Adriano que faziam releituras de muitos clássicos do rock, mas ganharam mais popularidade tocando covers da banda de rock cristão The Flanders.

Foto: Arquivo Pessoal

De vez em quando o Anderson me chamava para ir até a casa dele formatar o disco rígido. Naquele período, eu e meu irmão éramos os “formatadores” voluntários oficiais da turma. Em paralelo, muita conversa, lanches e música – praticamente, a base da amizade. Não é difícil lembrar do Baton sorrindo, era quase como uma caricatura animada. Transmitia alegria até quando não se sentia muito bem – sua maneira peculiar de enfrentar os problemas. Brincava muito e gostava de fazer piadas. Só que também era muito sincero, tinha uma personalidade forte, não se privando de emitir opiniões, mesmo que contrárias aos demais. Chegou a ter alguns conflitos até com amigos. Entretanto, sempre era algo passageiro, predominando uma relação de respeito.

Baton era do tipo que não simplesmente ouvia música, também colecionava muitas revistas sobre o assunto. Gostava de adquirir conhecimento; isso o enchia de satisfação e representava consideração e respeito aos gêneros e bandas preferidos, algo de que se orgulhava. Também era aberto a outros estilos musicais, achava importante ter um constante aprendizado sobre a arte, indo além da obviedade. Adorava ir a shows e alguns assistimos juntos. Irradiava contentamento quando ficava em meio a tanta gente com afinidades semelhantes. Para ele, uma forte sensação de lar.

Com relação ao Atlético Clube Paranavaí (ACP), Anderson Souto foi um dos torcedores que injetou ânimo nos frequentadores do Estádio Waldemiro Wagner. Onde o time ia, lá estava o presidente da Caldeirão Atleticano que não se mantinha quieto por nenhum minuto, como se empurrar o clube e estimular a torcida fosse sua missão em cada partida. Não se importava em tirar dinheiro do bolso para investir na Caldeirão. Se destacava também por acompanhar o Atlético em todos os jogos, locais ou fora.

Foto: Arquivo Pessoal

Me recordo de algumas partidas há alguns anos com o estádio relativamente vazio e o Baton na arquibancada, tendo a frente a faixa da torcida. Pulava e balançava uma bandeira já desgastada pelo tempo e por tantas lavagens. Desconheço alguém que amasse tanto o Vermelhinho quanto o Anderson. Ele saiu muitas vezes do estádio resfolegando e sem voz, de tanto gritar. Vivia cada momento do jogo na plenitude. Dava risadas, gargalhava, fazia caretas, se irritava, xingava, enfim, transmitia vida nas suas mais variadas formas.

Em 2007, quando eu trabalhava no jornal “O Diário do Norte do Paraná”, de Maringá, fiz uma matéria sobre a campanha do Paranavaí e a Torcida Caldeirão. Naquele dia, Anderson me disse que a campanha toda do Vermelhinho em 2003 não foi tão empolgante quanto a vitória de 2 x 1 sobre o Atlético Paranaense no dia 7 de fevereiro, referindo-se ao fato do ACP não vencer o Furacão desde os anos 1990. Reclamava muito do despreparo da arbitragem paranaense e também do afobamento dos jogadores do Paranavaí que em certas temporadas entravam em campo de forma muito agressiva, comprometendo a formação do time.

Quem imaginaria, meu amigo, que você morreria de forma tão precoce, aos 29 anos, deixando a esposa e um filho de três anos, o Derrick, a sua própria extensão que já nasceu homenageando o vocalista de uma banda de thrash metal que você tanto admirava – Sepultura. Devo dizer que eu, assim como outros, não tinha mais tanto contato com você.  Surgiram mais responsabilidades e cada um teve de seguir um novo caminho. Entretanto, o carinho, respeito e admiração sobrevivem. O que marca as nossas vidas são justamente aquelas memórias inesquecíveis e indeléveis que carregamos para todos os lugares, sejam materiais e imateriais. Sua existência será eternizada através de todos aqueles que o amam, respeitam e admiram.

Vídeo de um dos primeiros ensaios da banda TonBaDo