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Dedicação à música clássica
Conservatório Nice Braga levou arte erudita a mais de mil pessoas durante 44 anos
É impossível falar de música erudita em Paranavaí sem citar o saudoso Conservatório Nice Braga. Com uma história de 44 anos, a escola que encerrou atividades no final de 2006 formou mais de mil alunos em piano clássico. E mais, se tornou referência no Noroeste do Paraná, principalmente por usar as metodologias dos conservatórios europeus.
Em 1962, o professor Arnoldo Poll entrou em contato com a Prefeitura de Paranavaí e solicitou um terreno para a implantação de uma escola de música. No mesmo ano, o pedido foi atendido e a construção foi concluída em pouco tempo, graças ao empenho da comunidade que trabalhou sem cobrar nada. Assim surgiu o Conservatório Nice Braga que recebeu tal nome em homenagem a mulher do então governador Ney Braga.
Alguns anos depois, ainda na década de 1960, o professor vendeu o conservatório, a título de direito, para Luzia Guina Machado, também falecida, que administrou a escola durante 38 anos, segundo o ex-auxiliar administrativo do Conservatório Nice Braga, Israel Rodrigues, que entrou na escola de música em 1984 para estudar órgão. “A Luzia me convidou para ajudá-la na administração por dez dias. O tempo passou e fiquei 22 anos”, reitera Israel sorrindo.
Entre 1962 e 2003, sob dedos habilidosos os pianos ressoavam pelas imediações da escola de música, fazendo os transeuntes se sentirem imersos em um universo de beleza e sensibilidade. “Não conhecia música clássica, mas sempre que passava lá em frente ficava encantada”, relata a dona de casa Roberta Castelo. As releituras no conservatório incluíam composições como as clássicas sonatas de Beethoven e o primitivismo de Bartók.
Até o final da década de 1990, foram realizados muitos concursos no auditório da escola, segundo a professora de música Neuza Diogo que se matriculou no Conservatório Nice Braga com o objetivo de concluir o curso de piano clássico iniciado em São Paulo. “Em 1962, eu estava no sétimo ano fundamental e quando terminei me convidaram para dar aula”, lembra. O que começou como uma atividade remunerada casual durou 35 anos.
À época, quatro professores lecionavam na escola de música, mas logo foram contratados mais quatro. Segundo Neuza, a procura pelo curso de piano clássico era tão grande que o interessado tinha de reservar uma vaga em novembro para começar a estudar em janeiro. “Pra você ter uma ideia, só eu como professora assinei mais de 800 diplomas de alunos que concluíram estudos de piano. Em Paranavaí, a maioria dos conservatórios que vieram depois foram fundados por professoras que foram minhas alunas”, frisa.
A escola não era referência apenas para a população local. Professores de música de Nova Londrina, Loanda, Querência do Norte, Paraíso do Norte, Terra Rica, Alto Paraná, Nova Esperança, Nova Aliança do Ivaí e muitas outras cidades se formaram no Nice Braga. A qualificação profissional sempre foi o maior objetivo do conservatório que foi comparado às escolas de música da Europa.”Lembro da carta de uma aluna que se mudou para a Alemanha. Ela nos parabenizou pelo curso porque a nossa grade curricular é compatível com a deles. Houve o caso de um rapaz também que vive na Inglaterra e falou a mesma coisa”, enfatiza Rodrigues.
A professora Neuza Diogo admite ser impossível mensurar com precisão o total de alunos que passaram pelo conservatório. “Foram muitos, provavelmente mais de mil. Mas o auge, sem dúvidas, foi em 1968, quando tínhamos mais de 200 alunos. Dávamos aulas de piano, teclado, órgão, violão, violino, balé e jazz”, pontua.
O Silêncio do Nice Braga
Em 2006, o Conservatório Nice Braga perdeu a magia de outros tempos. Com apenas oito alunos matriculados, a impossibilidade de manter a escola aberta crescia a cada dia. Em um passeio pelas pequenas salas do conservatório, tornou-se comum encontrar os belos e bem conservados pianos Essenfelder e Schwartzmann, que antes pareciam ter vida própria e emocionavam os passantes, aposentados, relegados ao ostracismo. Lá fora, até mesmo vizinhos estranharam o silêncio.
O auxiliar-administrativo do Conservatório Nice Braga, Israel Rodrigues, diz acreditar que tudo foi uma consequência natural do desinteresse pela música clássica. Para ele, era como se as pessoas tivessem um bloqueio em relação ao erudito. “Se divulgar que teremos uma audição do gênero, acredite, apenas estudantes de música vão participar. Os demais não se importam”, lamenta. Opinião também dividida pela professora de música Neuza Diogo. “Hoje em dia, os alunos querem apenas o popular”, frisa.
Os primeiros sinais de mudanças surgiram na década de 1990, e dez anos depois as dificuldades aumentaram. Segundo Rodrigues, não sobrava mais dinheiro para suprir despesas com manutenção, limpeza e jardinagem. Até 2003, a situação foi contida porque os gastos eram proporcionais ao número de aprendizes. “Até o último momento, tínhamos oito alunos. Mas a situação já era insustentável e o jeito foi fechar a escola”, destaca.
Com o fechamento do Conservatório Nice Braga, o município reassumiu a propriedade e repassou R$ 12 mil aos familiares da ex-diretora Luzia Guina Machado pela realização de benfeitorias ao longo de décadas. Mantido pela Fundação Cultural, hoje o espaço é sede da Escola Municipal de Música Luzia Guina Machado, onde dezenas de crianças e adolescentes participam gratuitamente de oficinas de música. Além disso, as características originais do imóvel foram mantidas, preservando a história do conservatório.
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Música concebida pela vã temporalidade
A composição é um processo de construção e desconstrução temporal em que os autores se desdobram para conceber uma obra dialética
Não é de hoje que a música é considerada a arte que se desenvolve tendo o tempo como base de sustentáculo, o alicerce que delimita as congruências. Mas para pensar sobre a questão temporal deve-se levar em conta a concepção genuína da música. Uma obra originalmente concebida não é resultado da mera inspiração; pensar dessa forma significa distanciar-se da verdadeira concepção em relação à composição de uma música.
“Ninguém conseguiria produzir uma obra musical nas proporções de uma sinfonia de Beethoven, uma cantata de Bach ou até mesmo um pequeno prelúdio de Chopin somente com inspiração”, explica Rael Gimenes, professor de música da Universidade Estadual de Maringá (UEM). A composição musical vai muito além do indivíduo simplesmente ater-se ao instrumento e explorar os anseios determinados pelas suas influências, pois assim não estará realmente concebendo algo determinante para o meio.
Para o professor de música, a composição musical é resultado de um processo de discussão técnica e histórica. Uma tentativa de resolução de problemas que são gerados a partir da confrontação técnica e teórica com as crenças que cada sociedade possui sobre conceitos chaves como tempo, altura, duração, funcionamento da percepção, desenvolvimento físico-acústico dos instrumentos, entre outros tantos. Esses elementos servem para ilustrar o quanto pode ser complexa a construção musical. É um processo que envolve uma série de fatores, não somente o prazer de tocar um instrumento ou explorar o sincretismo construído num espaço variável de gostos musicais.
Neste momento, você pode estar se perguntando: qual a relação da fiel conceituação musical com o tempo? É justamente isso que determina a originalidade de uma composição, pois quando o indivíduo tem capacidade de compreender a temporalidade, ele deixa de ser um mero “repetidor de modelos” e começa a inserir novos elementos que depois poderão derrubar paradigmas. Além, claro, de prescrever musicalmente as determinações do processo histórico no qual a obra foi concebida.
O tempo cíclico marcou a história do tempo, ainda mais porque surgiu num contexto em que o relógio ainda não havia se desenvolvido, apesar de existir formas arcaicas de marcação temporal. “O tempo cíclico é medido pelos ciclos naturais, como cheias dos rios, a sucessão do dia e da noite, as estações do ano e quaisquer sinais da natureza que fossem importantes para auxiliar na sobrevivência dos indivíduos”, diz Gimenes.
A música ocidental no período que envolve o início da era cristã até o século XII ficou musicalmente conhecida em função do surgimento do canto gregoriano, caracterizado pela monodia (uníssono – única voz), o que significa que não possui nenhuma forma de divisão temporal baseada em pulso ou métrica. Resume-se a um corpo de cantores que cantam uma música no mesmo espaço temporal; período em que surge então a organização métrica-musical. “Baseava-se no ritmo da fala. Cantava-se da mesma forma que se lia”, conta o professor de música. A partir disso, percebia-se a influência que a maneira de pensar o tempo tinha, em relação com a organização do tempo na música.
A maior diferença musical determinada pelo tempo pode ser percebida se for levado em conta o canto gregoriano e compará-lo com outros diversos tipos de música. Enquanto a monodia não delimita uma estrutura que faz com que o sujeito perceba o final da música, em outros estilos a captação é mais simples, devido aos pulsos regulares, que faz com que facilmente identifiquemos o refrão e o final da música. “Nesse contexto, a música nasce em ciclos que não possuem inícios como os fenômenos da natureza que serviram de base para essa forma de pensar o mundo”, revela.
Depois surge o período polifônico, em que a música deixa de ser pensada como um elemento determinado por um instrumento para se tornar o principal resultado da junção de diversos instrumentos, além da presente vocalização. Com isso, temos uma sincronia de fluxo temporal. De acordo com Gimenes, o tempo foi subdividido em pequenas fatias de durações iguais.
É importante salientar que após tais fatos houve o desenvolvimento do relógio mecânico. Segundo Gimenes, o relógio mecânico surgiu por volta do ano de 1300 e se popularizou na Europa por volta do ano de 1450. O relógio é a materialização da resolução de um problema filosófico que estava em discussão desde o século XI com o início do desenvolvimento da polifonia. O tempo inserido nesse contexto é a seqüência de eventos que na música é determinada pela linearidade. É a ideia de previsibilidade em que a música surge em decorrência direta dessa maneira de pensar o tempo.
Rael Gimenes frisa que é uma sucessão de “agoras” que pode ser prevista por equações em que a música independe de qualquer fator. É desenvolvida dentro dos mesmos critérios que arraigadamente envolvem compositores do final da Renascença até o fim do século XIX. Dentre eles: Bach, Mozart, Händel, Beethoven, Haydn, Chopin, Liszt, Wagner, Brahms, Schubert e Schummann.
A música pode ser sintetizada como um processo de construção e desconstrução temporal em que os compositores se desdobram (dentro da sua gama de elementos pertinentes) para fazer emergir laconicamente uma obra dialética. Original e arbitrária, uma composição genial ultrapassa a inspiração e envolve muitas prescrições de fatores socioculturais, fazendo da música não somente mero resultado que possui em outra composição um exponencial. A obra inigualável e única traz à tona uma ruptura de paradigmas que harmoniosamente são determinados pela vã temporalidade.