Archive for the ‘Bem-Estar Animal’ tag
Acredito que veganos votando no Bolsonaro estão sendo os mais especistas
Eu acredito realmente que veganos votando no Bolsonaro estão sendo os mais especistas. A lógica é simples. Esse voto é uma reação de ódio ao PT, e nesse caso quem vai pagar a conta são os animais, simplesmente porque a cólera humana desconsidera até mesmo as lutas em defesa dos mais vulneráveis. E ódio é uma manifestação de ego, uma manifestação de veleidade.
Não vejo maior prova disso do que o endosso às três bancadas que historicamente neste país mais desprezaram os animais – ruralista, religiosa e armamentista. Ninguém nega que a JBS cresceu assustadoramente no governo PT, e que há sim muita culpa nos benefícios concedidos a JBS, mas, francamente, eu não vou ficar olhando pra trás quando um candidato a presidente já firmou compromisso para os próximos quatro anos de transformar o Brasil em um inferno ainda mais visceral para os animais, com apoio de centenas de deputados que olham para os animais como objetos, bens de consumo e até mesmo lixo.
Estou falando de um cara que apoia abertamente caça (não me interessa se ele citou apenas javali, caça é caça. E ainda por cima firmou compromisso com o Clube de Caça de Goiânia). O sujeito apoia vaquejada, pesca em área de proteção ambiental, já disse que vai sair do Acordo de Paris, que é o único compromisso do Brasil com a redução da emissão de gases do efeito estufa. O indivíduo deixou claro que as questões ambientais passarão pela bancada ruralista, o que coloca as nossas reservas naturais em risco mais premente. Estou fora de apoiar alguém assim.
Montreal aprova projeto que proíbe carruagens com tração animal
Servindo como exemplo para muitas cidades do mundo, autoridades políticas de Montreal, no Canadá, aprovaram recentemente um projeto de proibição de carruagens puxadas a cavalo. Segundo o vereador Craig Sauve, surgiram inúmeros casos de maus-tratos contra animais, inclusive com registros de óbitos de cavalos usados nessa atividade. “Decidimos que vamos colocar um fim nessa indústria”, informa Sauve.
As caleches, como são mais conhecidas, foram usadas por centenas de anos em Montreal, até que nos últimos anos surgiram campanhas contra o uso de animais puxando carruagens. A mais recente foi liderada pelo partido Projet Montreal, incluindo a prefeita Valérie Plante, que teve grande apoio da opinião pública. Até 2019, todas as carruagens devem ser substituídas por veículos elétricos.
Campanha visa banir a criação de animais em regime de confinamento na Suíça
Na Suíça, a maioria dos animais criados para consumo não veem grama ou luz solar ao longo da vida
Na Suíça, uma iniciativa liderada pela organização antiespecista Sentience Politics, e que conta com o apoio de outras organizações e grupos de bem-estar animal e direitos animais, quer tornar ilegal a criação de animais em fazendas industriais, onde animais vivem em regime de confinamento até o momento do abate. O sistema tem sido debatido em diversos países, considerando que a prática é apontada como a que mais impõe sofrimento aos animais.
Intitulada “No Factory Farming in Switzerland”, a campanha exige a criação de uma emenda constitucional em oposição às fazendas industriais. Como a Suíça tem um sistema tipificado como “democracia semidireta”, que permite que os cidadãos votem diretamente em políticas individuais, a Sentience Politics e mais 15 grupos e organizações precisam de 100 mil assinaturas para que o projeto seja levado adiante.
Atingida a meta de assinaturas em um prazo máximo de 18 meses, a campanha pode ser submetida à votação no sistema suíço de iniciativa popular. Prevendo manobras que podem ser colocadas em prática, caso o projeto se torne lei, a Sentience Politics também sugere que sejam instituídas regulamentações em relação à importação de animais e produtos de origem animal para fins nutricionais.
Segundo a organização, 50 milhões de animais terrestres são criados e mortos para consumo todos os anos na Suíça. “Suas necessidades básicas são desconsideradas. A indústria dissemina intencionalmente a ilusão de que não há agropecuária intensiva na Suíça – embora a maioria dos ‘animais de fazenda’ suíços não veja grama ou luz solar em suas vidas”, informa a Sentience Politics.
Considerando que não há pasto o suficiente para a criação de 50 milhões de “animais soltos” na Suíça, e os custos de produção fora do regime intensivo são outros, a iniciativa, se transformada em emenda, pode realmente desestimular a criação de animais para consumo.
Gary Francione: “Qual é a diferença entre os animais que amamos daqueles que espetamos com o garfo e a faca?”
“Minha opinião é que não podemos justificar a exploração de animais para qualquer fim”
Recentemente, o professor de direito da Rutgers School of Law, de Newark, New Jersey, Gary Francione, uma das referências internacionais na luta pelo abolicionismo animal, publicou um artigo intitulado “It’s time to reconsider the meaning of ‘animal welfare’”, em que, usando como exemplo o contexto britânico, ele explica como a rejeição à violência contra animais em atividades consideradas tradicionais é um indicativo de que os tempos estão mudando.
No entendimento de Francione, muitas pessoas precisam apenas dar um passo a mais para entender que vivemos em um tempo em que o chamado “bem-estarismo animal”, semeado no vórtice do antropocentrismo, deixa claro que os interesses dos animais são coadjuvantes mesmo quando os interesses humanos são baseados em pretensas ou falsas necessidades. Afinal, o “bem-estar animal” é permissivo em relação à morte de animais, desde que “não sofram demais”, o que não condiz com o cenário ideal almejado por quem defende, de fato, o respeito aos animais – já que o respeito é uma forma genuína e inviolável de consideração.
Gary Francione deixa claro que o único caminho possível é entender que os animais não humanos também importam moralmente, logo eles não devem ser vistos simplesmente como alimentos e produtos, ainda mais se considerarmos que vivemos uma época em que já sabemos que o consumo de animais é desnecessário. Então ele faz um apelo para que as pessoas estendam sua preocupação com os animais violados em atividades de entretenimento aos animais violados por finalidades de consumo:
No final de 2017, a primeira ministra britânica Theresa May abandonou o compromisso com o manifesto dos conservadores de realizar uma votação livre sobre a revogação da proibição legal do uso de cães na caça à raposa. A decisão de May foi seguida por queixas de parlamentares conservadores que apoiam a revogação da proibição. Embora popular em algumas comunidades rurais, a posição custou-lhes votos durante a eleição geral de 2017. A posição pró-caça é muito impopular.
Pesquisas divulgadas em maio de 2017 mostraram que quase 70% dos eleitores britânicos se opunham à caça à raposa, e metade tinha menos probabilidade de votar em um candidato pró-caça nas eleições gerais. A oposição não se limita à caça à raposa. Uma pesquisa de 2016 indicou que, além dos 84% que se opõem à caça à raposa, um número significativo de pessoas no Reino Unido também se opõe a caça ao cervo (88%), caça e corrida de lebres (91%) e chapeamento de texugo (94%). Por que existe essa oposição a essas atividades?
A resposta é simples: nos preocupamos com os animais. Acreditamos que eles importam moralmente. Rejeitamos a posição que prevaleceu antes do século 19 de que os animais são meramente coisas para as quais não temos obrigações morais ou legais. Em vez disso, a maioria das pessoas adota a posição do bem-estarismo animal que tem dois componentes-chave.
O primeiro componente é que – embora os animais possam ser usados para propósitos humanos – não devemos impor sofrimento ou morte sem necessidade a eles. A segunda é que quando usamos animais, temos a obrigação de tratá-los “humanamente”.
As atividades que a maioria do público britânico rejeita envolvem impor sofrimento e morte aos animais quando não há necessidade nem compulsão; é errado fazer animais sofrerem ou matá-los quando a única justificativa alegada é que os humanos obtêm algum tipo de prazer ou divertimento. O uso de animais para fins frívolos equivale a negar seu valor moral. A maioria das pessoas rejeita isso.
O problema é que, embora a maioria das pessoas considere a imposição de sofrimento e morte desnecessária aos animais, seu comportamento real não é consistente com sua posição moral. Eles participam da imposição de sofrimento e morte aos animais em situações em que não há necessidade, e nos quais o tratamento dos animais é tudo menos “humano”.
Sofrimento e morte desnecessários
A maioria das pessoas come animais e produtos feitos de animais, e ambos envolvem muita crueldade. Somente no Reino Unido, mais de um bilhão de animais são mortos por ano para fins alimentícios.
Muitos animais são criados em condições intensivas que constituem tortura. Mesmo aqueles que são criados em circunstâncias supostamente mais “humanas” sofrem de angústia durante e ao final de suas vidas. Isto não é apenas uma questão concernente à carne. As vacas usadas na produção de leite são repetidamente engravidadas e têm seus bezerros levados logo após o nascimento. E todos os animais, sejam usados para obtenção de carne, laticínios ou ovos, estão sujeitos ao terror e à angústia do matadouro.
Algum desse sofrimento e morte é “necessário”? Existe alguma obrigação envolvida? A resposta é não. Ninguém sustenta que é necessário consumir produtos de origem animal por ser idealmente saudável. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido diz que uma sensata dieta vegana pode ser “muito saudável”, enquanto os profissionais de saúde de todo o mundo estão cada vez mais assumindo a posição de que os produtos de origem animal são prejudiciais à saúde humana.
Não precisamos debater se é mais saudável viver com uma dieta de frutas, vegetais, grãos, nozes e sementes. O ponto é que uma dieta vegana certamente não é menos saudável do que uma dieta de carne em decomposição, secreções de vaca e ovulação de galinha. E esse é o único ponto relevante para a questão de saber se o sofrimento e a morte são necessários ou não.
Além disso, a agricultura animal constitui um desastre ecológico. É responsável por mais gases do efeito estufa do que a queima de combustíveis fósseis para o transporte, e resultando em desmatamento, erosão do solo e poluição da água. O grão que alimenta os animais só nos Estados Unidos poderia alimentar 800 milhões de pessoas. Contra esse cenário, qual é a melhor justificativa que temos para infligir dor e morte aos animais?
A resposta é simples: Achamos que o gosto é bom. Nós sentimos prazer em comê-los. Comer animais e produtos de origem animal é uma tradição, e nós a seguimos há muito tempo.
Mas como essa posição é diferente da justificativa oferecida para o uso de animais a que a maioria de nós se opõe? Como o prazer do paladar é diferente do prazer que algumas pessoas sentem quando participam de esportes sangrentos com animais? Não há diferença. Caça à raposa, chapeamento de texugos, lutas de cães, são todos tradicionais. De fato, quase todas as práticas a que nos opomos – envolvendo animais ou seres humanos – envolvem uma tradição valorizada por alguém. O patriarcado é também uma forma de tradição que existe há muito tempo, mas que nada diz sobre seu status moral.
Muitas pessoas se opõem à caça à raposa porque não podem ver nenhuma distinção moralmente significativa entre o cachorro que eles amam e uma raposa perseguida e assassinada. Mas qual é a diferença entre os animais que amamos daqueles que espetamos com o garfo e a faca? Não há diferença. Cães e gatos que amamos são sencientes – assim como frangos, galinhas, vacas, bois, porcos, peixes e outros animais que exploramos. Todos eles sentem dor e experimentam a angústia; todos eles têm interesse em continuar a viver.
Tratamento “humano”
Se a exploração da maior parte dos animais não pode ser caracterizada como plausivelmente necessária, o que dizer sobre o segundo componente da posição de bem-estar animal – que temos a obrigação de explorar os animais “humanamente”? Isso também é uma fantasia.
Animais são propriedade. Eles são bens móveis. São coisas que são compradas e vendidas. Custa dinheiro para proteger os interesses dos animais, e o status de propriedade dos animais garante que, como regra geral, os padrões de bem-estar animal (sejam mandatados por lei ou adotados pela indústria), sempre serão muito baixos. Nós protegemos os interesses dos animais quando obtemos algum benefício financeiro ao fazer isso. Na maioria das vezes, os padrões de bem-estar estarão ligados ao nível de proteção necessário para explorar os animais de uma maneira economicamente eficiente, de modo que esses padrões (na medida em que são impostos) proíbem nada mais que o sofrimento gratuito.
Os padrões de bem-estar animal na Grã-Bretanha são reivindicados como os mais altos do mundo, mas o tratamento concedido aos animais britânicos ainda é aterrador. Dizer que os animais no Reino Unido são tratados “humanamente” seria falso usando qualquer entendimento plausível dessa palavra.
Em algum nível, todos nós sabemos disso. É por isso que vimos o surgimento de um nicho de mercado na Grã-Bretanha e em outros países que pretende fornecer carne e produtos de origem animal baseados “no mais alto padrão de bem-estar”. Mas, como várias exposições desse nicho de mercado mostraram, a promessa de “tratamento humano” nunca foi colocada em prática. Podemos dar aos animais um pouco mais de espaço; podemos permitir que eles vejam um pouco da luz do sol; podemos permitir que as vacas passem um pouco mais de tempo com seus bezerros antes de serem levados para longe delas. Mas essas mudanças têm pequenos efeitos quando são implementadas.
Organizações de bem-estar animal fazem campanha contra o “abuso” de animais. Mas mesmo que todos esses abusos cessassem e todos os animais fossem tratados em perfeita conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis, a situação ainda seria terrível. Os animais ainda seriam mortos desnecessariamente, e mesmo que transformássemos a agricultura animal em agricultura familiar ainda haveria uma enorme quantidade de sofrimento e morte moralmente injustificados.
De fato, os padrões de bem-estar animal não são de forma alguma sobre os animais; eles são sobre nós. Esses padrões fazem nos sentirmos melhor sobre continuarmos explorando animais. Eles foram formulados numa época em que a maioria das pessoas achava que matar e comer animais era necessário para a saúde humana. Ninguém pode razoavelmente acreditar mais nisso.
Portanto, é hora de examinar a justificativa moral do uso de animais. Como alguém que mantém uma posição em favor dos direitos animais em vez de uma posição bem-estarista, minha opinião é que não podemos justificar a exploração de animais para qualquer fim, incluindo pesquisas biomédicas destinadas a encontrar curas para doenças humanas graves, assim como não podemos justificar o uso para o mesmo propósito de humanos que acreditamos que são cognitivamente “inferiores”.
Mas mesmo que você não aceite a posição de direitos [dos animais], a posição que você provavelmente aceita – que é errado infligir sofrimento a morte desnecessários aos animais – torna impossível evitar a conclusão de que o uso de animais para qualquer propósito que seja não envolve verdadeira obrigação ou necessidade, incluindo o uso de animais como alimentos, roupas e entretenimento, e deve ser descartado. Qualquer outra posição relega os animais à categoria de coisas que não têm valor moral. Vemos isso onde a caça à raposa e outros esportes sangrentos estão envolvidos; é hora de vermos isso em outros contextos também.
Referência
Governo dos Estados Unidos permite que carne orgânica seja produzida a partir de animais confinados em gaiolas
Esta semana, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos revogou as Práticas Orgânicas de Pecuária e Avicultura, uma regra que regula os padrões de “bem-estar dos animais de criação” cuja carne pode ser vendida como orgânica. A regra foi criada no Governo Obama depois de muita pressão de organizações ligadas ao bem-estar animal, visando implementar “melhores padrões de vida” para esses animais. Essas práticas exigiam que frangos e galinhas não fossem confinados em gaiolas e que também tivessem acesso ao ambiente exterior às áreas de confinamento.
O Departamento de Agricultura atrasou a votação sobre a implementação das Práticas Orgânicas de Pecuária e Avicultura três vezes e finalmente as derrubou, mesmo depois de receber 47 mil comentários em apoio à proteção aos “animais de criação”.
De acordo com Lindsay Wolf, vice-presidente de investigações da Mercy For Animals, os funcionários do governo responsáveis pela regulamentação do setor agrícola se curvaram para proteger os lucros corporativos do agronegócio em detrimento dos animais, da segurança alimentar e dos direitos dos trabalhadores.
“Como resultado, milhões de animais de criação estão sendo privados do benefício de leis e regulamentos modestos projetados para proteger seu bem-estar e promover o interesse público”, justificou Lindsay. Com essa decisão, a chamada carne orgânica comercializada nos Estados Unidos pode ser inclusive proveniente de lugares não muito diferentes das chamadas fazendas industriais.
Referência
O que existe de errado com o chamado “bem-estarismo animal”
O fazendeiro sueco que abandonou a criação “humanitária” de animais e se tornou vegano
O fazendeiro sueco Gustaf Söderfeldt é uma prova viva do quanto a chamada “criação humanitária de animais” é uma contradição em essência. Em 2006, já fazendo parte de um movimento emergente na Suécia chamado “Grow Your Own”, ele criava porcos, ovelhas, cabras e galinhas. Tudo que ele produzia, incluindo o que ele chamava de “carne ética”, era comercializado em sua loja em Åmmeberg, na municipalidade de Askersund.
“Enquanto eu gerenciava a minha loja, minhas ideias e opções de uma ‘carne ética’ começaram a desmoronar. Logo percebi que produzir carne é tão desnecessário quanto violento. A ‘carne ética” é uma impossibilidade enquanto cultivar alimentos abundantes à base de plantas é sempre possível”, diz.
Söderfeldt notou que os rótulos que ele colocava em seus produtos, destacando-os como alimentos baseados no “bem-estar animal” serviam para convencer os consumidores de que eles estavam comprando produtos “éticos”, e isso os incentivava a jamais deixarem de consumi-los.
A consequência disso, na própria perspectiva do fazendeiro, era que ele contribuía para que os animais fossem vistos não apenas como seres inferiores, mas existencialmente inúteis. Afinal, segundo Söderfeldt, o seu trabalho ajudava a perpetuar a crença de que se os “criamos bem” podemos explorá-los e mata-los por razões completamente desnecessárias.
“Isso pode soar engraçado, mas descobri o veganismo no YouTube, e foi lá que aprendi que era uma opção saudável e viável. Meu mundo como um produtor de ‘carne ética’ em pequena escala foi totalmente virado de cabeça para baixo. Fechei a minha loja, parei de criar animais e me tornei ativo na comunidade vegana. Agora, com minha esposa Caroline, comando uma fazenda totalmente orgânica, sem manejo animal, sem sangue, sem ossos ou quaisquer outros insumos de origem animal. Acho importante considerar que [antes] matei muitos, muitos animais, além de enviá-los para numerosos matadouros”, revela Gustaf Söderfeldt.
A loja do fazendeiro sueco também tinha contrato com outros matadouros. Ele contava não apenas com um constante fornecimento de “carne ética”, mas também de queijos, ovos, laticínios e outros produtos de origem animal que recebiam o selo de “produto ético”: “Então, realmente matei muitos animais e, bem, sinto muito em dizer que na época isso não me afetou muito. Ou pelo menos não no nível do qual eu tenho consciência hoje.”
Mas como isso foi possível? O exemplo de Söderfeldt é muito comum nesse meio. Ele explica que a normalização da morte dos animais criados para consumo por parte de quem lucra nesse meio tem uma justificativa bem simples e usual. Os seres humanos têm formas muito efetivas de bloquear emoções negativas e se concentrar em aspectos positivos, mesmo que para isso seja necessário ignorar ou evitar a conscientização a respeito do impacto de nossas ações sobre os outros. Afinal, considera-se essencialmente o benefício para si mesmo.
“Eu estava recebendo tanto feedback positivo dos outros criadores quanto dos meus clientes que compravam a minha ‘carne feliz’. As pessoas realmente querem acreditar que matar animais é uma coisa boa. Então se você disser isso a elas, bem, então você tende a formar um clube (ou culto) em torno dessa mensagem em que você concede a si mesmo uma validação moral contínua. E assim surgem argumentos típicos como: ‘os animais são necessários para a agricultura sustentável’ ou ‘o pasto é bom para a biodiversidade’, etc”, enfatiza.
De acordo com Gustaf, só aos 34 anos ele abriu os olhos para a realidade dos animais, despertando para a empatia e o respeito independente de espécie. O que também o levou para o veganismo foi o fato de que ele já tinha uma predisposição em tentar minimizar o sofrimento animal. Porém, buscou refúgio na ilusão do chamado “abate humanitário”, que considera que se você cria animais proporcionando-lhes algum tipo de “qualidade de vida”, qualidade esta que é dúbia, porque é reconhecida assim por você, não pelo animal, isso te leva a crer que você tem o “direito” de matá-los:
“Em primeiro lugar, eu era alguém da cidade, e toda a razão pela qual comecei a criar animais de forma ‘humanitária’ era que eu odiava a ideia das fazendas industriais e queria desenvolver uma alternativa viável. Eu genuinamente me importava com os animais e queria fazer o certo para eles. Queria que eles tivessem melhores vidas do que no sistema convencional. Essa era a minha motivação como fazendeiro. Veganismo não era um conceito com o qual eu estava familiarizado.”
Quando começou a aprender mais sobre o veganismo, Söderfeldt percebeu que os veganos se importam verdadeiramente com os animais e, mais do que ele na época em que criava animais para consumo sob o sistema “humanitário”: “Veganos eram mais logicamente e moralmente rigorosos e responsáveis do que eu. Eles chegaram a uma conclusão lógica a partir dessa ideia, que é: se você se preocupa com os animais, você não deve explorá-los.”
Outro testemunho de grande importância do fazendeiro sueco é o de que se você cria animais para consumo ou como fonte de matéria-prima a violência e a crueldade integram a sua rotina, não importando se você trabalha em um sistema considerado “mais humano” ou “menos humano”. Isto porque, segundo ele, o sangue, a coragem, o medo, o sofrimento, a separação das famílias, a degradação da mercantilização dos corpos e da vida em geral são parte da sua realidade:
“Com mais pesquisas, aprendi que o veganismo é uma opção mais saudável e realista. […] Se o veganismo fosse viável, isso significaria que eu poderia realmente fazer o tipo de mudança significativa e positiva na minha vida e na minha relação com os outros, que até então eu pensava estar fazendo quando me tornei um fazendeiro “ético”. Então dei uma chance ao veganismo.”
Gustaf Söderfeldt não nega que no início foi difícil transformar o seu negócio totalmente baseado na exploração de animais em uma fazenda orgânica e vegana. O problema maior não era ele ou a sua força de vontade, mas a típica realidade do mundo ocidental, onde as pessoas são muito habituadas a se alimentarem basicamente com poucos vegetais, muita carne, muita gordura e muito açúcar.
Porém, hoje o fazendeiro afirma com orgulho que ele e a esposa Caroline conseguem sobreviver com a renda de uma fazenda orgânica e vegana: “Cultivamos tomates, batatas, feijões, ervilhas, cenouras, alface, cebolas, repolho, brócolis, flores e muito mais. Vendemos tudo em vários mercados para produtores por meio de subscrições.”
Söderfeldt, que se tornou vegano em 2013, garante que o veganismo foi uma das melhores escolhas de sua vida. Além de reconhecer que os animais não merecem ser explorados, ele defende, valendo-se da sua experiência como agricultor, que o futuro da agricultura sem a exploração de animais é muito promissor tratando-se de eficiência de recursos, uso da terra, sustentabilidade e bem-estar emocional do próprio agricultor. “Tudo isso além de poupar trilhões de animais por ano. Minha fazenda, minha consciência e minha saúde melhoraram imensamente desde que me tornei vegano, e fico grato por compartilhar essa história”, destaca.
Referência
Söderfeldt, Gustaf. I Became a ‘Humane Farmer’ to Help Animals; I Should Have Gone Vegan . Free From Harm (Agosto de 2017).
As armadilhas e a perspectiva capciosa do “bem-estar animal”
Você já percebeu como quando se fala em exploração animal sempre aparece alguém dizendo que há situações em que os animais não sofrem, que eles não são privados de nada, que não há nada de errado nisso? Esse fato tem relação direta com algo que eu chamo de “malícia da produção”. E o que é a malícia da produção?
É quando, por gozarmos de uma inteligência superior a dos animais, manipulamos a inocência não humana visando a lucratividade. Não quero discorrer sobre casos óbvios de crueldade explícita contra animais na produção industrial. Quero versar sobre algo relacionado à “cegueira do justo”, que surge quando somos incapazes de visualizar algo que por uma questão cultural, conveniente e unilateral não nos pareça evidente nem concreto.
Não é incomum alguém que considera o veganismo radical citar o exemplo de uma bela fazenda modelo, onde os animais são supostamente bem tratados. Sei que esses chamados locais existem. Mas essa concepção de bem tratado é definida por quem? Por quem explora ou por quem é explorado?
Se exploro um animal e sou eu que digo se ele é bem tratado ou não, quem define o que é aceitável ou bom para ele sou eu, obviamente, e levando em conta em primeiro lugar o que esse animal tem a me oferecer. Humanos que exploram animais têm sempre uma perspectiva um tanto quanto capciosa do que é o chamado “bem-estar animal”, porque eles entendem que qualquer oposição ao que fazem representa em algum nível um risco aos seus lucros.
Sendo assim, não acho que a única baliza para considerar o que é certo ou errado em relação à nossa intervenção na vida dos animais seja o sofrimento óbvio, a tortura, a crueldade baseada na violência física. Na realidade, existe um ponto que não costuma ser muito considerado, embora seja de suma importância nessa conscientização. Que ponto é esse? É a malícia da produção fundamentada no condicionamento animal.
Caso você seja contra a exploração de animais, em algum momento da sua vida alguém vai querer te apresentar uma “vaca feliz”, um animal supostamente bem-tratado e que dizem nunca ter passado por nenhum tipo de privação. Sim, pode ser que ela não tenha sofrido nenhum tipo de violação que nos pareça óbvia. No entanto, isso não significa que esse animal não tenha sido privado de ser mais do que uma fonte de alimento ou produto. Mas como assim?
Imagine uma situação. Você é criado para ser objetificado, para ser explorado desde o momento em que nasce. Essa é a sua realidade e isso é tudo que você conhece. Então é claro que a menos que você passe por uma situação mais explícita de privação e violência pode ser que você não manifeste contrariedade em relação à forma como vive, mas isso porque te condicionaram a aceitar uma vida para a qual você não deveria ter nascido, porque não diz respeito, de fato, a quem você é, e às suas reais necessidades. Porém, se você está imerso nessa realidade, e isso é tudo que você conhece, como esperar que você veja isso com estranhamento?
Em vários momentos da minha vida, conheci diversos animais criados para consumo que aos meus olhos pareciam ter uma bela qualidade de vida em uma fazenda. Mas por que tive essa impressão? Porque normalmente partimos da constatação mais evidente. Quero dizer, se um animal não está fisicamente ferido, se ele não está visivelmente estressado, se não aparenta precisar de nada, isso significa que está tudo bem. Esse é um exemplo clássico que serve para endossar o discurso comum dos produtores de leite quando alegam que se “suas vacas” não estivessem satisfeitas elas “esconderiam o leite”.
Para ser honesto, isso na minha opinião não diz nada. Mas por que? Porque se uma vaca foi criada para ser ordenhada, ela foi condicionada a isso, e você vai usar tudo que sabe sobre ela a seu favor para manter o controle da situação. Você leva vantagem sobre esses animais, e vai usar isso como parâmetro para potencializar a produção de tudo que, aos seus olhos, eles têm a oferecer enquanto fontes de produtos; mesmo que jamais tenham dado tal autorização, já que animais claramente não existem para nos servir, nós que os condicionamos a isso, seja por meio da violência inequívoca ou não.
Ou seja, a intervenção humana iniciada no princípio da vida de uma vaca, por exemplo, leva à normalização de algo que não deveríamos entender como aceitável, e claro que porque estamos falando de um alimento que não existe naturalmente para seres humanos, mas sim para bezerros. Ademais, vamos considerar que vacas sejam, de fato, bem tratadas nesse sistema.
Ela vai ter a chance de envelhecer ao lado do bezerro? Não, porque prioritariamente o leite é destinado aos seres humanos. Ela vai ter a oportunidade de pelo menos envelhecer? Não, e por um fator mercadológico ululante – a drástica queda na produção de leite culmina no envio da vaca para o matadouro, e não raramente o seu destino são as pequenas porções de hambúrgueres dispostas na seção de frios dos mercados.
Não esqueça também que muitas das doenças modernas que acometem esses animais têm relação com o sistema de produção. A verdade é que qualquer doença severa e onerosa já resulta no sacrifício do animal, porque nenhum produtor vai deixar de ponderar a relação entre preservação da vida x lucro. Existe alguma legislação que assegure que um animal não morra nessa circunstância? Não. Então como podemos falar em bem-estar animal quando isso mascara fatos irrefutáveis de que a vida do outro não é uma prioridade?
Creio que o condicionamento animal é uma das maiores barreiras dos direitos animais e do veganismo, porque o condicionamento, tanto humano quanto não humano, endossa a aceitação à exploração animal. Animais criados para consumo estão entre os mais inocentes, ingênuos e previsíveis. Claro, não foi por acaso que seus ancestrais foram domesticados. Com base nesse potencial, a humanidade criou ao longo dos séculos “versões” ainda mais dóceis e facilmente condicionáveis. Afinal, isso explica por que no passado escolhemos criar bois e porcos para consumo e não leões e tigres, não é mesmo?
Se você analisar mesmo que superficialmente a história dos muitos povos escravizados pela humanidade, você verá que entre eles sempre existiram muitos que, em decorrência de terem sido escravizados desde a tenra idade, e tendo pouco ou nenhum contato com outra realidade, não viam isso como uma arbitrariedade, mas apenas um triste destino, uma infelicidade, um desamor proveniente de Deus ou até mesmo uma danação baseada na sua própria condição física ou étnica.
Então, te pergunto: “Se tivemos muitos seres humanos que mesmo sendo ostensivamente e visceralmente privados de qualquer direito ainda se conformavam com isso, por que animais não humanos, que sequer partilham do mesmo código comunicativo que nós, não se conformariam? Ou pelo menos não teriam sua conformação condicionada?” Animais humanos e não humanos têm níveis de resistência equiparáveis em alguns níveis e aspectos, porém toda resistência tem limites.
Animais que já não reagem diante da morte, como o boi que aceita o dardo da pistola pneumática em seu cérebro sem tentar escapar da caixa, o porco que passa horas com o olhar disperso sem mudar de posição em uma fazenda, o frango que deixa de bater as asas durante a viagem ao matadouro dentro de uma gaiola de plástico – nenhum desses são exemplos de que está tudo bem em matar e consumir animais, mas sim de que aproveitamos de suas vulnerabilidades para fazermos o que quisermos com eles. E como somos mais inteligentes, usamos isso a nosso favor, mesmo que em ações notoriamente imorais se partimos da perspectiva de que, mais cedo ou mais tarde, obliteramos a vida de quem não quer morrer, assim que o seu “propósito” de proporcionar lucro for cumprido.
Sim, somos ardilosos quando matamos pintinhos machos porque eles não têm valor comercial; quando fazemos debicagem de aves; quando extraímos ou desbastamos dentes de suínos, tradicionalmente sem anestesia; quando eletrocutamos o gado a caminho do matadouro ou de um navio para exportação de “carga viva”; quando marcamos animais com ferro quente; quando usamos iluminação artificial para enganar o relógio biológico das galinhas poedeiras visando ganho em produtividade; quando alimentamos “muito bem” animais que serão mortos em poucos meses.
Afinal, não os alimentamos “muito bem” para satisfazê-los, mas simplesmente para obter melhor produtividade. Mas não somente isso. E o que dizer das abelhas? Pequenos animais que têm sua rotina manipulada pela intervenção humana para que possamos garantir uma quantidade de mel considerada aceitável para os nossos padrões. Toda a apicultura é baseada na artificialização da rotina das abelhas. Ou seja, o ser humano aproveitando-se da ingenuidade animal. E nesse processo, quando elas são acometidas por parasitas, matamos até as saudáveis, porque seria muito trabalhoso identificar as enfermas.
Pergunte-se: “Por que abelhas dariam naturalmente mel aos seres humanos se esse alimento é produzido por elas para atender suas necessidades nutricionais quando são incapazes de saírem para buscar mais néctar e pólen?” Seja em situação de adversidade climática, queda de temperatura ou carência de floradas. E mais importante, não se engane, mesmo que um animal criado para consumo pareça extremamente saudável e satisfeito, isso não significa que ele seja ou esteja, e muito menos que isso seja certo. Afinal, o que você está testemunhando é apenas resultado de mais um condicionamento visando aquilo que é sempre prioritário – o lucro.
A má-fé da imprensa no caso do navio com mais de 25 mil bois
Há poucas horas, o G1 publicou uma matéria com o seguinte título: “Impasse de navio com 25 mil bois no Porto de Santos gera ‘mais prejuízos’ aos animais”. No texto, há uma declaração de que “a demora para o prosseguimento da viagem e desembarque dos animais no destino, causa muito mais prejuízos do ponto de vista do bem-estar animal do que o que é atribuído pelas ONGs, e que gerou o impasse”.
Essa afirmação não condiz com a realidade, mas apenas com a intenção da Minerva Foods e do Ministério dos Transportes – ambos considerando apenas os lucros de transação. E lamentavelmente, isso mostra como o Estado atua indiscriminadamente em favor da indústria em detrimento de vidas. Fazem uso das manobras mais diversas para atraírem a atenção do público para o seu lado, nem que para isso seja necessário vilanizar ativistas, pessoas que voluntariamente lutam pelo verdadeiro bem-estar animal. Até porque não é difícil, valendo-me da realidade comum, concluir que quem investe na exploração de animais sempre terá como prioridade o lucro, e isso consequentemente eleva o retorno financeiro a uma posição de protagonismo que desconsidera sempre as especificidades e o real valor da vida animal.
Viagens de carreta já são desgastantes, ainda mais depois de um percurso de 500 quilômetros. Agora imagine ser enviado como “carga” em uma viagem de navio que pode durar até 20 dias. Além disso, é importante ponderar que eles sempre serão acondicionados extremamente próximos uns dos outros, e partilhando de um espaço bem reduzido e do mesmo sentimento de estranhamento. Imagine esses animais extremamente pesados, desembarcando na Turquia depois de tanto tempo sem espaço para se locomover adequadamente.
Isso é saudável? Qualquer animal condicionado, logo forçado a passar dias sem se movimentar, está sendo privado de sua natureza, já que corpos foram feitos para o movimento. Após mais de 17 anos, estamos vivendo um retrocesso. Este é o segundo embarque de cargas vivas com mais de 25 mil animais em um intervalo de menos de dois meses.
E quando falamos em bovinos não podemos esquecer que são animais precocemente afastados do convívio com os seus. Isso é justo? Viver para ser reduzido a pedaços de carne? Infelizmente é isso que financiamos quando nos alimentamos de animais. Outro ponto que parece ter sido ignorado é que esses bezerros estão sendo enviados para um país onde o abate predominante é o halal.
Nesse tipo de abate, o animal é degolado com um golpe em forma de meia lua, que consiste em cortar os três principais vasos – jugular, traqueia e esôfago. Há quem diga que um “bom golpe” pode não gerar “sofrimento ao animal”, o enquadrando inclusive como “abate humanitário”, embora registros de ações em matadouros mostrem exatamente o oposto.
O chamado “abate humanitário” é hoje a bandeira da indústria de carne visando persuadir os consumidores a acreditarem que estão se alimentando de uma carne “sem dor”, o que é uma ilusão, já que qualquer tipo de privação precedente a morte já é uma forma de violência que gera sofrimento em diversos níveis. Alguma dúvida? Veja o desespero de um animal quando ele reconhece que está em um ambiente de onde não sairá com vida.
O chamado “abate humanitário” não é um retrato tão comum da realidade brasileira
A privação termina somente com a morte após uma curta vida de exploração
Em um país onde a quantidade de matadouros clandestinos pode chegar a 50% do total, é uma grande ilusão acreditar que a maior parte da produção de carne é resultado de práticas que se enquadram no chamado “abate humanitário”. Mesmo que se fale na crescente implementação dessa prática, é inegável que não são raros os casos de privação e sofrimento envolvendo animais criados com fins de abate.
A existência de muitos matadouros clandestinos e a omissão em relação à fiscalização são grandes facilitadores de terríveis abusos contra os animais. Além disso, o YouTube, a mídia alternativa e as redes sociais estão aí para apresentar provas de que o “abate humanitário” não é um retrato comum da realidade brasileira.
No Brasil, a Operação Carne Fraca, que em março denunciou que as gigantes JBS (Friboi, Seara e Big Frango) e BRF (Sadia e Perdigão) estavam mascarando carne vencida usando produtos químicos, levantou, mesmo que modestamente, uma discussão sobre o “abate humanitário”, prática ainda muito questionável pelo seu caráter subjetivo que não garante que o animal seja “bem tratado” antes de ser morto.
Há quem diga que essas “falhas” envolvendo o abate de animais ainda acontecem por causa da defasagem na Instrução Normativa Nº 03 de 2000, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que versa sobre o regulamento técnico de métodos de insensibilização para o “abate humanitário”. No artigo “Abate dito ‘humanitário’ e o que diz a legislação brasileira”, publicado pelo site Abolicionismo Animal, os autores Ana Karine Gurgel D’Ávila e Wesley Lyeverton Correia Ribeiro apontam que não há diferenciação nos limites máximos de tempo entre o atordoamento e a sangria para as várias espécies destinadas ao consumo humano.
Outra prova de displicência, e que corrobora que o “abate humanitário” não é uma realidade comum no Brasil, foi apresentada no ano passado pela ONG Repórter Brasil. Por meio de reportagens e vídeos, eles denunciaram que trabalhadores e animais são maltratados na indústria da carne com chutes, socos e pauladas.
Mostraram que as fazendas fornecedoras da JBS, que se define como a maior indústria de proteína do mundo, contradizem o marketing da empresa, não seguindo as recomendações do Ministério da Agricultura. Ou seja, se essa é a realidade que envolve os grandes produtores de carne, que operam de forma regularizada, o que acontece em matadouros clandestinos, conhecidos por métodos mais violentos de abate?
De acordo com José Rodolfo Ciocca, gerente de Campanhas HSA (Humane and Sustainable Agriculture) da World Animal Protection, no Brasil, frigoríficos que não atendem as normas de “abate humanitário” recebem um relatório de não-conformidade, e caso o problema persista, podem ser multados. Ou seja, animais podem morrer de forma violenta, e nem por isso alguém precisa pagar alguma multa caso não haja reincidência.
A situação não melhora quando o assunto são os matadouros municipais e estaduais, porque apenas matadouros privados precisam seguir um programa de autocontrole. Além disso, qualquer punição depende de um inspetor que, em 80% dos casos, nunca está presente, segundo Ciocca. E se houver interferência política quando um frigorífico for fechado, seja por operar irregularmente ou por torturar e ferir animais antes do abate, ele não recebe nenhum tipo de punição e ainda pode retomar as atividades, mesmo que o abate seja praticado a marretadas.
Em 2008, o artigo “A clandestinidade na produção de carne bovina no Brasil”, de autoria dos pesquisadores João Felippe Cury e Marinho Mathias, publicado pela Embrapa, informou que “várias estimativas de especialistas do setor apontam uma clandestinidade [de matadouros] que varia de 30% a 50%, sendo mais comum os dados próximos a 50%”.
Em 2013, a BeefPoint publicou um artigo mostrando que a situação ainda era a mesma. E no ano passado, esses números foram corroborados por outras denúncias. Em 12 de dezembro de 2016, a Folha Web publicou uma reportagem em que técnicos da Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (Aderr) declararam que 100% das carnes de porco de Roraima são provenientes de matadouros clandestinos.
Em 23 de dezembro de 2016, o Canal Rural informou que somente em São Paulo há pelo menos quatro mil avícolas clandestinas, baseando-se em dados coletados pela Universidade de São Paulo (USP). E onde há clandestinidade, há falta de higiene e muita violência, já que para baratear os custos de produção os métodos de execução costumam ser os mais cruéis. Outro ponto a se considerar é que com “abate humanitário” ou não, a privação termina somente com a morte após uma curta vida de exploração.
Referências
http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/carne-fraca-perguntas-e-respostas-sobre-a-operacao-da-pf-nos-frigorificos.ghtml
http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/abateditohumanitrioeoquedizalegisla_obrasileira.pdf
http://colunas.revistaepoca.globo.com/planeta/2013/05/03/e-possivel-abater-um-animal-de-forma-humanizada/
https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/viewFile/424/375
http://www.canalrural.com.br/videos/jornal-da-pecuaria/aves-abatedouros-clandestinos-ameacam-saude-77047
http://www.folhabv.com.br/noticia/100–das-carnes-de-porco-vem-de-abatedouros-clandestinos–/23315
http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/giro-do-boi/alex-bastos-qual-a-verdadeira-porcentagem-de-clandestinidade-no-comercio-de-carne-bovina-menos-de-5-indiscutivelmente-nao-e-leitor-comenta/
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