David Arioch – Jornalismo Cultural

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Lord Byron e a abstinência da carne

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Desde que Eva comeu a maçã, a felicidade do homem depende em grande parte do jantar

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O que Byron mais repudiava eram os excessos que ele testemunhava nos jantares da burguesia britânica (Arte: Reprodução)

Um dos poetas mais controversos do Reino Unido, o satírico George Gordon Byron, ou simplesmente Lord Byron, entrou para a história da literatura no século 19, depois de escrever seus dois poemas mais importantes – os longos Don Juan e Childe Harold’s Pilgrimage (Peregrinação de Childe Harold). À época, muita gente acreditava que Byron era um escritor que usava a literatura simplesmente para transmitir o seu cínico desprezo pela humanidade. No entanto, o que ele mais repudiava eram os excessos que ele presenciava nos jantares da burguesia britânica.

Durante os banquetes, não foram poucos os momentos em que o mais antirromântico dos românticos se revoltou ao testemunhar tantos animais mortos sendo servidos à mesa para satisfazer a glutonaria dos abastados. Sem cerimônia, se queixava diante de todos, exacerbando sua cólera muito bem harmonizada através da ironia:

Toda a História humana atesta,

que a felicidade para o Homem – o insaciável pecador! –

Desde que Eva comeu a maçã, depende em grande parte do jantar,

poetizou o britânico em um excerto de Canto XVII, de Don Juan.

No entanto, Lord Byron nem sempre foi vegetariano. Inclusive houve um período em que ele chegou a discutir com Percy Shelley, marido da escritora Mary Shelley, sobre suas contrariedades em relação ao vegetarianismo. Porém, mais tarde admitiu em carta à sua mãe que estava determinado a se livrar completamente dos alimentos de origem animal, uma decisão que pode ter sido influenciada por Shelley.

Segundo o poeta britânico, se abster de consumir carne iria proporcionar-lhe percepções mais claras, um novo entendimento da vida e do mundo. Tomada a decisão, Byron, que até então era considerado tão volátil como ser humano quanto artista, adotou em certo período um estilo de vida surpreendentemente frugal, com uma alimentação baseada em água e bolachas caseiras, preparadas a seu gosto. Das bebidas alcoólicas, apenas o vinho branco ainda o acompanhava. Como alguém que tencionava se afastar cada vez mais das armadilhas do ego e das insídias da vida em sociedade, o poeta escreveu em Childe Harold’s Pilgrimage:

Existe prazer nas matas densas

Existe êxtase na costa deserta

Existe convivência sem que haja intromissão no mar profundo e música em seu ruído

Ao homem não amo pouco, porém muito a natureza

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Lord Byron: “Ao homem não amo pouco, porém muito a natureza” (Arte: Reprodução)

No dia 25 de junho de 1811, de acordo com o livro Life of Lord Byron: with his letters and journals, de Thomas Moore, o poeta informou que havia se tornado vegetariano há muito tempo, e que peixe ou qualquer outro tipo de carne estava fora de cogitação: “Por isso estou estocando batatas, verduras e bolachas. Não estou bebendo nem vinho. Com relação à minha saúde, estou me sentindo bem. Recentemente tive malária, mas me recuperei rapidamente.”

Em 1818, quando hospedou Percy e Mary Shelley em sua casa na Vila Diodati, nas imediações do Lago de Genebra, na Suíça, e justamente num período chuvoso em que Mary, com a ajuda do marido, escreveu o esboço de Frankenstein, a dieta de Lord Byron era baseada em uma fatia fina de pão com chá no café da manhã; vegetais e uma ou duas garrafas de água com gás no jantar; e uma xícara de chá verde sem açúcar na ceia. Ao sentir fome, ocasionalmente ele mastigava tabaco ou fumava charutos. “Nenhum outro regime funcionou tão bem para mim até hoje como o meu chá com bolachas, mesmo quando me alimento com moderação”, declarou o poeta em seu diário em 1813.

Um dos problemas que mais o incomodava antes de aderir ao vegetarianismo era o excruciante aumento de fluidos na sua corrente sanguínea, provocando inturgescência vascular. E tudo isso era agravado se Byron consumisse alimentos de origem animal. “O remédio para a sua pletora é simples – a abstinência”, consta em registro pessoal de 28 de janeiro de 1817.

Ele demonstrou através de seus poemas e cartas que por trás de sua abstinência sempre houve uma motivação moral. Além disso, Lord Byron amava os animais, tanto que jamais viajava sem levar pelo menos cinco gatos. Um deles, chamado Beppo, foi inclusive homenageado com um poema homônimo. Outro de seus amigos inseparáveis era Boastwain, um cão da raça newfoundland que o inspirou a conceber Epitaph to a Dog em 1808.

Quando seu companheiro canino faleceu, Byron erigiu um monumento para eternizar a imagem de Boastwain em verso. E seguindo suas recomendações, assim que o poeta faleceu com apenas 36 anos em 19 de abril de 1824, em decorrência de imperícia médica após contrair febre reumática na Guerra de Independência da Grécia, sua família atendeu ao mais expresso dos seus pedidos: “Que o monumento em minha homenagem não seja maior do que o de Boastwain.” E assim foi feito.

Observações do autor

Há pesquisadores que creem que o vegetarianismo de Lord Byron era estimulado simplesmente por distúrbios alimentares. Independente do que o levou a adotar o vegetarianismo, a verdade é que Byron, com seu perfil antiacademicista, até hoje é uma figura labiríntica da literatura inglesa, o que significa que por mais que estudem ou escrevam a seu respeito, sempre vai perseverar a controvérsia.

Em síntese, o texto acima tem o propósito de apresentar a outra face de George Gordon Byron, que ficou mais conhecido pela fama que fizeram dele do que pela sua própria história. Ainda hoje sua imagem quase sempre é associada a orgias, relacionamentos carnais com centenas de mulheres e muitos relatos envolvendo bebedeiras, além de outras extravagâncias consideradas profanas no contexto do cristianismo.

Curiosidade

Lord Byron foi vegetariano por muito tempo e o mais intrigante é que o poeta John Polidori escreveu uma obra prosaica chamada The Vampyre, inspirada em alguns dias que ele conviveu com Byron e o casal Shelley na Suíça. E mais tarde, a história de Polidori inspirou Bram Stoker a escrever Dracula. Muita gente crê que Drácula é um personagem baseado em pesquisas sobre o conde Vlad Tepes, mas na realidade o início de tudo foi a inspiração que veio através de Byron. Sendo assim, o Drácula foi inspirado em um vegetariano.

Saiba Mais

Lord Byron, nascido em Dover, no Reino Unido, em 22 de janeiro de 1788, faleceu em Missolonghi, quando lutava contra os turcos pela independência da Grécia.

Byron tinha um defeito no pé direito, por isso mancava quando andava.

O vegetarianismo do poeta também foi inspirado no filósofo e matemático grego Pitágoras.

Referências

Moore, Thomas. Life of Lord Byron: with his letters and journals (1854). Disponível em archive.org.

Byron, Lord. Childe Harold’s Pilgrimage. CreateSpace Independent Publishing Platform (2009).

Byron, Lord. Don Juan. CreateSpace Independent Publishing Platform (2009).

McGann, Jerome. Byron, George Gordon Noel (1788–1824). Oxford Dictionary of National Biography. Oxford University Press (2013).

MacCarthy, Fiona. Byron: Life and Legend. Farrar, Straus and Giroux; First edition (2002).

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Jorge Luis Borges e o gato Beppo

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Foto se tornou uma das mais emblemáticas do escritor (Acervo: Jorge Luis Borges)

Foto se tornou uma das mais emblemáticas do escritor (Acervo: Jorge Luis Borges)

Há alguns anos, quando li o livro “O Ouro dos Tigres”, que integra a coleção “Obras Completas – Volume II – 1952-1972”, do escritor argentino Jorge Luis Borges, um de seus poemas, intitulado “A um gato”, me chamou a atenção. Pesquisando, descobri que Borges, combalido pela cegueira, o ditou e o publicou em 1972 em homenagem ao seu gato mansarrão Beppo, companheiro de todas as horas –  tanto nos momentos de produção quanto de reflexão. Leiam o poema na íntegra:

Outra foto clássica de Beppo e Borges (Acervo: Jorge Luis Borges)

Outra foto clássica de Beppo e Borges (Acervo: Jorge Luis Borges)

A um gato

Os espelhos não são mais silenciosos
Nem mais furtiva a alba aventureira;
Tu és, sob o luar, essa pantera
que só vemos de longe, receosos.
Por obra indecifrável de um decreto
De Deus, te procuramos futilmente;
Mais remoto que o Ganges e o poente,
É teu o isolamento mais secreto.
O teu dorso condescende com a morosa
Carícia desta mão. Admitiste,
Desde essa eternidade que é o triste
Esquecimento, o amor da mão medrosa.
Existes noutro tempo. E és o dono
De um domínio fechado como um sono.

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Written by David Arioch

February 22nd, 2016 at 11:45 pm