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A viagem de frei Ulrico
“Era um lugar para onde ninguém queria ir, nem os capuchinhos”
Em 1951, o padre alemão Ulrico Goevert se mudou para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, atendendo a um pedido do bispo Dom Geraldo de Proença Sigaud. Durante a viagem, o frei conheceu toda uma região ainda em colonização.
Quando deixou Recife, em Pernambuco, no início de 1950, Ulrico Goevert foi para a Ordem dos Carmelitas de São Paulo. Certo dia, em diálogo com o frei Jerônimo Van Hinthem, o padre alemão disse que gostaria de ir para um lugar onde fosse possível fundar a própria paróquia. Van Hinthem recomendou que Goevert conversasse com o bispo de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, Dom Geraldo de Proença Sigaud.
À época, os carmelitas conseguiram uma passagem de trem para frei Ulrico. Depois de quase dois dias, o padre alemão chegou a Ourinhos, no interior paulista, onde embarcou em um ônibus para Jacarezinho. Logo que chegou, o frei foi direto para o palácio episcopal falar com Dom Geraldo de Proença.
O bispo mostrou ao padre alemão um mapa da diocese e pediu que frei Ulrico escolhesse uma entre cinco cidades com paróquias vagas. “Com confiança, respondi que ele poderia decidir por mim, pois sabia onde eu deveria satisfazer os desejos dos meus superiores”, lembrou Ulrico Goevert no livro de sua autoria “Histórias e Memórias de Paranavaí”.
O bispo então falou de Paranavaí que tinha a maior área de toda a Diocese de Jacarezinho. Eram 12 mil quilômetros quadrados. “Uma terra nova, onde tudo deveria ser organizado”, disse Dom Geraldo. Nenhuma ordem religiosa tinha interesse em dirigir a paróquia de Paranavaí. “Era um lugar para onde ninguém queria ir, nem os capuchinhos”, declarou o bispo, referindo-se a Ordem dos Frades Menores. A má fama da cidade e o fato de se situar numa área isolada de mata virgem eram os principais motivos para os padres recusarem o trabalho.
O frei alemão aceitou a missão sem pestanejar, inclusive quis viajar de avião para chegar o mais rápido possível a Paranavaí. Dom Geraldo sugeriu que a viagem fosse feita de trem. Era uma maneira de mostrar ao padre estrangeiro como era uma região em colonização. Até Apucarana, no Norte Central Paranaense, frei Ulrico se surpreendeu com a imensidão e beleza dos cafezais.
O que também chamou a atenção do alemão foi o clima. Acostumado ao calor pernambucano, teve de se habituar no Norte do Paraná a temperaturas inferiores a 15 graus Celsius. “Isto me gelava a noite toda. O que era bem diferente de Pernambuco, onde vivi por 15 anos e tanto de dia quanto de noite fazia muito calor”, admitiu o padre.
“Tive uma desoladora impressão com as enormes árvores deitadas”
Na jovem Apucarana, frei Ulrico Goevert celebrou uma missa e saiu para conhecer a cidade. Não havia muitas residências e todas eram de madeira, o que contrastava com o solo amarelecido. “Naquele dia, ventou muito e uma nuvem de pó se formou. Era possível enxergar poucos metros de distância”, relatou Goevert. Os carros eram obrigados a trafegar com os faróis ligados, o que fez o padre lembrar da Alemanha, onde acontecia o mesmo em períodos de neblina.
Ainda em Apucarana, o padre provincial dos josefinos comprou duas passagens de ônibus com destino a Paranavaí. Em Maringá, que era menor que o atual Distrito de Sumaré, pararam para lanchar em um boteco. Quando a viagem foi retomada, frei Ulrico se extasiou com o que viu da mata virgem da região Sul. Também percebeu que aqui já se praticavam queimadas entre os meses de agosto e setembro.
O desmatamento, embora incipiente, castigava a natureza e fazia surgir colossais fortalezas de fumaça que privavam o sol das mais simples e complexas formas de vida. A estrela parecia triste e encolerizada diante da intervenção humana. “Era como um prato muito avermelhado”, comparou frei Ulrico que nunca tinha visto nada parecido.
Os olhos do padre não destoavam do chão forrado de um branco acinzentado que atravessava a mata em direção às estradas, cobrindo o caminho percorrido pelo ônibus. Para frei Ulrico, talvez a natureza estivesse enlutada. “Parecia neve suja. Tive uma desoladora impressão com as enormes árvores deitadas como corpos mortos no solo. Ao lado, arbustos queimados que estendiam os poucos galhos nus como se suplicassem ajuda aos céus”, poetizou o padre. Atento à reação do frei, o provincial dos josefinos sugeriu que o alemão se acostumasse com os tristes aspectos da colonização.
A última mudança na paisagem ocorreu depois que passaram pela Capelinha, atual Nova Esperança. A terra roxa, de tonalidade vívida, não existia ali, somente o claro e frágil solo arenoso de tom acinzentado. “Ao anoitecer, finalmente chegamos a Paranavaí”, enfatizou Ulrico Goevert em menção ao dia 1º de setembro de 1951. A viagem mostrou ao padre que no Norte do Paraná a natureza se diversificava mesmo a poucos quilômetros de distância.
Quando cães frequentavam a igreja
Animais de Paranavaí tinham o hábito de participar das cerimônias religiosas nos anos 1950
Entre os anos de 1951 e 1957, a primeira igreja de Paranavaí não era frequentada apenas por pessoas, mas também por cães, principalmente em dias de missa. Os animais não podiam ver a porta da igreja aberta que logo entravam e passavam horas no local.
Em 2 setembro de 1951, o frei alemão Ulrico Goevert, logo após tomar posse como pároco de Paranavaí, reuniu alguns pioneiros para cobrir a pequena igreja que não tinha telhado. Terminado o trabalho que levou pouco mais de uma semana, o padre realizou a terceira missa como pároco. Foi a primeira de frei Ulrico na igrejinha.
Naquele dia, o padre se virou em direção aos fiéis para abençoá-los e se deparou com seis cães parados, como se aguardassem a bênção. O mais curioso é que havia mais animais na igreja do que pessoas. Só quatro pessoas estavam lá dentro assistindo a cerimônia religiosa. “Recordei das minhas primeiras missas na Igreja do Carmo, de Bamberg, e também na minha aldeia natal, Darfeld. Aqui era muito diferente, pois poucos participaram das cerimônias no início”, revelou o padre.
E não era apenas em dias de missa que os cães entravam na igreja. A partir de 1951, o episódio se repetiu diariamente. “É oportuno dizer que havia muitos cachorros em Paranavaí. Muitos eram tão devotos que até no meio da semana iam para a igreja”, relatou o pároco Ulrico Goevert em tom bem-humorado.
Os animais se portavam como se estivessem em casa. Os cães não latiam nem rosnavam no interior da igreja, apenas participavam das cerimônias religiosas como os fiéis. Nem se intimidavam com a presença humana, tanto é que o padre decidiu proibir a entrada dos animais.
O que não adiantou muito, pois até 1957 os cães ainda eram encontrados no interior da antiga Igreja São Sebastião, construída em 1952, em substituição a igrejinha. “Às vezes, apareciam até durante a santa missa no altar-mor. Falei ao bispo que eu daria 25 dias de indulgência para cada fiel que desse um pontapé num cachorro dentro da igreja”, frisou o padre. O bispo riu da proposta de Frei Ulrico, mas não concordou em dar as indulgências.
No livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”, Frei Ulrico admitiu que deu vários chutes nos cães que invadiam a igreja. E justamente por isso, os animais reagiram. “Os cachorros têm boa memória. Quando me viam na rua, rosnavam e latiam mesmo de longe”, destacou.
À época, um dos cães, revoltado por não poder entrar mais na igreja, mordeu a panturrilha do padre. Apesar de tudo, Frei Ulrico relatava o fato de maneira cômica. “Sempre fui um verdadeiro amigo dos animais, mas não podia permitir a estadia de cães na casa do Senhor”, comentou. De acordo com pioneiros, os animais gostavam de ficar na igreja porque era um local silencioso e de uma atmosfera que inspirava paz.
A chegada de Frei Ulrico Goevert
Logo que chegou a Paranavaí, no dia 1º de setembro de 1951, frei Ulrico Goevert conheceu a primeira igreja de Paranavaí. Era uma casinha de madeira sem telhado e com uma pequena torre. “A casa paroquial também era de madeira, mas tinha cobertura de telhas”, contou Goevert. O padre provincial dos josefinos pediu ao frei alemão para usar o dinheiro arrecadado em uma festa organizada pela comunidade para cobrir e ampliar a igrejinha.
“Ele afirmou que esse seria o meu primeiro trabalho”, enfatizou frei Ulrico que foi enviado a Paranavaí para substituir o padre Carlos Ferrero que comandou as atividades religiosas locais durante alguns meses. Como seria preciso algum tempo para a reforma da igreja, a primeira missa do frei alemão ocorreu num sábado na Casa Paroquial. Lá, improvisaram um altar e um quadro grande de Nossa Senhora das Dores.
O padre estava tão preocupado com as dificuldades que enfrentaria em Paranavaí que admitiu ter suplicado à santa para lhe ajudar. “Naquele tempo, a ‘cidade’ tinha mais ou menos 60 casas e eram todas de madeira. Muitas nunca seriam classificadas como casa, conforme o conceito alemão”, comentou. No início dos anos 1950 ainda havia muitas residências com características de rancho, o que despertou estranheza em frei Ulrico, acostumado ao estilo de vida europeu.
No dia 2 de setembro de 1951, a segunda missa transcorreu em uma casinha que mais parecia uma “barraca de madeira”. No mesmo dia, o padre provincial apresentou frei Ulrico como o novo pároco de Paranavaí e entregou-lhe uma estola e um decreto de nomeação assinado pelo bispo.
O padre fixou residência na Casa Paroquial, onde havia apenas uma mesa, quatro cadeiras, dois armários e duas camas. “Não tinha fogão, e na hora de dormir o padre Carlos se abrigava na casa do vizinho, pois só havia camas para mim e o provincial”, Lembrou.
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