David Arioch – Jornalismo Cultural

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Ele amou a morte da minha mãe!

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Cliquei sem querer na reação “amei” do Facebook

A mãe de um amigo faleceu. Cliquei sem querer na reação “amei” do Facebook e houve um blecaute. Não tive tempo de corrigir. Sozinho em casa, peguei o celular. Bateria descarregada, desespero, olhos fumegantes. 15 minutos depois gritaram na calçada.

— Chega aí, mano. Quero falar com você.
— E aí, irmão. Tudo bem?
— Como assim tudo bem, cara? Você amou a morte da minha mãe. Nem acreditei quando vi. O que tem de errado contigo? Te fiz alguma coisa?

Berros, palavras inintelígiveis na calçada e dedo apontado em minha direção. Vizinhos observando.

— Você é mau, cara. Você é muito mau!
— Não sou não!
— É sim! Nunca vou esquecer que você amou a morte da minha mãe.
— Nunca faria isso. Foi um equívoco. Perdão.
— Não perdoo!
— Perdoa sim!
— Perdoo não!

Sentou no meio-fio e chorou. Olhos avermelhados, boca entreaberta e cabelos desgrenhados. Alguém chamou a polícia.

— O que tá acontecendo aqui? — Perguntou o policial.
— Ele amou a morte da minha mãe!
— Não amei não.
— Como assim ele amou a morte da sua mãe?
— Ele amou! Amou! Amou! É um amante de mortes!

Olhos coçando, barba pinicando e cachorros uivando.

— Isso não é verdade. Eu soube da morte da mãe dele e sem querer cliquei em “amei” no Facebook. Quando tentei corrigir houve um blecaute.
— Isso é muito triste. Entendo a sua dor, meu amigo. Tome cuidado com isso aí, cara. Olhe como você deixou seu amigo.
— Po, como assim? Apenas fui traído pelo mouse.
— Traído pelo mouse? Vai culpar mesmo o mouse?
— É, você tem razão. Isso seria especismo.
— Quê?
— Nada não…

Caminhão de lixo passando, gatos miando e duas testemunhas de Jeová me olhando torto e panfletando.

— Quer dar queixa?
— Como assim dar queixa? Não fiz nada. E não existe queixa para esse tipo de situação. O que seria isso, uma queixa de emoticons?
— Está me gozando? É isso?
— Eu não…
— Sei…
— Quer dar queixa, amigo?
— Hum…não sei.
— Pense bem.
— Ah, deixa pra lá.
— Você que sabe.
— E, você, amigo, cuidado com esses dedos aí.

 

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Written by David Arioch

July 1st, 2017 at 8:24 pm

Kali

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15073405_1229816640443062_66558832310908531_nCheguei da academia, tomei banho e, faminto, preparei meu prato. Assim que sentei para jantar, houve um blecaute na minha rua. Sem me estressar, caminhei da cozinha até o quintal com o prato em mãos. Sentei numa dessas cadeiras tradicionais de varanda e jantei à luz da lua. Uma lua enorme que lançava uma luz anilada sobre mim e tudo que me cercava.

Depois descasquei uma laranja e a chupei. Assim que terminei, ouvi um som tétrico. Era a Kali, a frajola daqui de casa, me estranhando. Enquanto eu tentava entender a situação, ela soltou um miado oxítono e saltou em minha direção, enroscando suas unhas em minha barba. De repente, ela se acalmou, recolheu as garras e a expressão macabra em sua face desapareceu.

Não entendi nada até o momento em que fui ao banheiro escovar os dentes. Diante do espelho, havia duas sementes de laranja em minha barba, parecendo dois olhos miúdos. Provavelmente ela pensou que minha barba tivesse assumido a forma de um animal e ficou enciumada. O jantar à luz da lua não saiu tão barato. Me custou algumas unhadas no pescoço.

Written by David Arioch

September 9th, 2016 at 10:16 pm