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Minerva Foods: impacto ambiental, vazamento de amônia e demissão em massa
A empresa alimentícia Minerva Foods, responsável pelo envio de aproximadamente 54 mil bois à Turquia desde que o Porto de Santos voltou a realizar o transporte de animais para exportação em dezembro do ano passado, é apontada pela revista Globo Rural como a segunda maior exportadora de carne bovina do Brasil, e não é novidade para ninguém que com a queda da JBS/Friboi, a empresa pode se consolidar como a maior produtora de proteína animal do Brasil em 2018.
A Minerva Foods começou a chamar muita atenção no ano passado pelo grande volume de animais enviados para serem mortos e comercializados fora do Brasil, um negócio que há muito tempo é reprovado no mundo todo, e não apenas por defensores dos direitos animais, entidades de bem-estar animal e ambientalistas, mas também por profissionais de medicina veterinária e do setor de vigilância sanitária, que reconhecem que não há transporte de carga viva sem maus-tratos e impacto ambiental.
Normalmente os problemas incluem má acomodação, alimentação deficiente, incapacidade de movimentação e até mesmo casos de ações diretas de crueldade que culminam na morte do animal. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em uma viagem com 27 mil bois para a Turquia, por exemplo, é preciso trabalhar com uma margem de perda de pelo menos 10% dos animais, o que significa que até 2,7 mil bovinos poderão morrer antes de chegaram ao seu destino. E para o “descarte” desses animais, há sempre um moedor ou triturador nos “navios boiadeiros”.
Também de acordo com a Embrapa, um bovino criado para extração de carne produz em média de 30 a 35 quilos de esterco por dia. Sendo assim, em uma viagem marítima com 27 mil bois, e duração de 15 dias, esses animais podem produzir até 945 mil quilos de fezes e urina, e não raramente os dejetos são lançados ao mar, provocando grande impacto ambiental.
A flexibilização das multas e das leis em situações que envolvem exploração animal em pequena ou grande escala também favorece essas consequências. Na semana passada, por exemplo, mesmo após a constatação de irregularidades, a Secretaria de Meio Ambiente de Santos multou a Minerva Foods em pouco mais de R$ 1,4 milhão por inadequação no transporte de “carga viva”. Em síntese, maus-tratos contra animais. Sim, “carga viva” é o termo formal. Mesmo que se trate de vidas, os bovinos, como bens móveis, são qualificados apenas como “carga”. Essa multa, assim como outra de R$ 2 milhões emitida sob a causa de poluição atmosférica, não significou nada para a empresa, e nem poderia ser diferente.
Só no segundo trimestre de 2017, a Minerva Foods alcançou uma receita bruta de R$ 2,76 bilhões, segundo informações da Revista Globo Rural de outubro de 2017. E desde a queda da JBS/Friboi após a Operação Carne Fraca, a Minerva Foods estreitou ainda mais o seu relacionamento com a Bancada Ruralista na Câmara dos Deputados em Brasília, o que claramente levanta suspeitas sobre jogo de interesses e favorecimentos.
Uma grande prova disso foi a intervenção do deputado federal Beto Mansur (PRB-SP), do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) e do ministro da agricultura Blairo Maggi (PP-MT) em favor da Minerva Foods, garantindo a liberação do Navio Nada com destino à Turquia, levando cerca de 27 mil bovinos. O resultado gerou surpresa e comoção porque até então tudo indicava que o Brasil em uma ação revolucionária, necessária e endossada legalmente já não toleraria mais o transporte de cargas vivas, que comprovadamente vai na contramão até mesmo da mais sutil compreensão do bem-estar animal.
No entanto, como o próprio ministro é um dos maiores representantes dos ruralistas no Brasil a sua atuação foi bastante previsível quando ele decidiu intervir em benefício do lucro e em detrimento dos milhares de animais no Navio Nada, mesmo depois de laudos comprovando maus-tratos e más condições de acomodação. E não bastando a liberação do navio, outra intervenção garantiu que a exportação de animais vivos em todo o território nacional voltasse a ser permitida. A liminar que proibia tal prática foi derrubada pelo desembargador do TRF-3 Fábio Prieto, sob a alegação de que isso “enseja “grave risco de lesão à agropecuária nacional”, o que desconsidera completamente a realidade dos animais e, mais uma vez, considera somente os lucros dos envolvidos, ou seja, interesses particulares em detrimento da vida e do meio ambiente.
O que também não pode ser desconsiderado nessa questão de exportação de bovinos, é que a Minerva Foods, que deve liderar as exportações de animais vivos no Brasil em 2018, esteve envolvida nos últimos anos em diversos escândalos, como vocês podem conferir no meu artigo “Minerva Foods: maus-tratos contra animais, pagamento de propina, exportação de carne contaminada e trabalho escravo”. E como se não bastasse, a empresa também é a responsável por uma tragédia registrada em 6 de outubro de 2015, quando o navio Haidar, com cinco mil bois vivos, tombou em um cais em Barcarena, no Nordeste do Pará, resultando na morte da maior parte dos animais. Segundo o prefeito de Barcarena, Antônio Carlos Vilaça, o navio da Minerva Foods deixou óleo em todas as praias do município, gerando grande impacto ambiental, e inviabilizando até mesmo o turismo.
Outra tragédia foi registrada em 31 de agosto de 2016, quando um vazamento de amônia no frigorífico Minerva Foods em Barretos, interior paulista, resultou na morte de uma pessoa e deixou 30 feridas. Porém, o primeiro episódio em que a empresa foi responsabilizada por um vazamento de amônia que feriu funcionários foi em 2012. Em 2013, a Justiça do Trabalho de Araraquara condenou a Minerva Foods a pagar R$ 200 mil por danos morais coletivos devido a irregularidades.
Segundo investigação do jornalista Marcelo Toledo, em publicação da Folha de S. Paulo de 31 de agosto de 2016: “A empresa, que também respondia a uma outra ação civil pública em Araraquara por não realizar o controle de vazamentos de amônia, firmou acordo judicial com o MPT em 2014, no valor de R$ 750 mil, para extinguir as ações.”
Argumento comum de quem defende a Minerva Foods no caso da exportação de bovinos vivos é o de que pessoas envolvidas na cadeia produtiva podem ser prejudicadas economicamente pelo impedimento na operacionalização de suas atividades. No entanto, essas pessoas desconsideram fatos que merecem ser considerados. Um exemplo é o de que a Minerva Foods também é conhecida por suas demissões em massa. Um dos casos mais emblemáticos foi registrado em Mirassol D’Oeste, No Mato Grosso, em 2015, quando o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação contra a empresa pela demissão de mil funcionários, ou seja, de todos os funcionários de uma de suas unidades.
Considerações sobre os mais de 25 mil bois enviados à Turquia
Mais de 25 mil bois estão indo para a morte na Turquia e isso é lamentável, mesmo sabendo que aqui o destino deles não seria outro. Mas pelo menos isso está servindo para mostrar a quem quiser ver que tipo de tratamento “humanitário” que são dispensados aos animais, que antes de partirem já passavam por situações de privação envolvendo fome e sede, além de mortes registradas no Navio Nada, segundo laudos veterinários. Isso sem citar ainda o fato de que já havia bovinos bem “acomodados” entre as próprias fezes.
Outro ponto a se considerar é que a Bancada Ruralista, que em conjunto com a Bancada Evangélica domina a Câmara dos Deputados em Brasília, mais uma vez está mostrando a sua face, que não tem nada a ver com os interesses da população, mas sim uso de ferramentas políticas a serviço dos próprios interesses. Algo que, sem dúvida, vê quem quiser ver, já que informações disponíveis não faltam.
O episódio também está servindo para chamar a atenção para a Minerva Foods, que não muito diferente da JBS/Friboi, é apenas mais uma empresa envolvida em maus-tratos contra animais, exportação de carne contaminada, boicote no Chile, exploração de trabalho análogo ao escravo e pagamentos de propina para fiscais das superintendências federais de agricultura .
Tratando-se de grandes empresas produtoras de alimentos de origem animal, podemos perceber mais uma vez, com esse e com outros exemplos, que o que muda, de tempo em tempo, são os nomes em maior evidência, porque o modus operandi parece sempre o mesmo – sujeira para quem quiser ver.
Será que isso não deveria levar as pessoas a repensarem o consumo de animais e as nossas relações com seres não humanos? Será que deveríamos ser realmente individualistas em relação a isso? O que esperar de bom em longo prazo de um processo que começa impondo privação aos animais e que culmina em milhares, milhões e bilhões de mortes? O prazer efêmero do paladar vale tudo isso?
Dado Dolabella fala sobre o envio dos 25 mil bois enviados à Turquia
Dado Dolabella foi preso por falta de pagamento de pensão, uma dívida que dizem ser de R$ 200 mil, e, claro, não cabe a mim julgá-lo porque não conheço a situação. Mas achei legal ele falar brevemente sobre a realidade dos bois que foram enviados em situação degradante para serem mortos na Turquia. Fez uma crítica bem interessante sobre o assunto, mas cortaram o discurso dele na Record. O apresentador Reinaldo Gottino disse que não tinha nada a ver o discurso dele. No entanto, a pergunta que permitiu tal comentário partiu da própria jornalista.
Achei lamentável a falta de perspectiva do apresentador. Dado Dolabella é vegano e aproveitou a oportunidade para falar de outra situação que ele considera muito mais relevante que a prisão dele, já que foi dada a oportunidade dele fazer o que quisesse sobre a justiça brasileira. Talvez por Gottino estar imerso em uma consciência especista seja difícil entender algo assim, mas não vejo razão para fazer o cara parecer “louco”. Mesmo curto, o discurso dele foi bem lúcido e coerente.
Talvez o corte, que provavelmente eles alegariam que pode ser justificado como uma descontextualização, mesmo não sendo aleatório, tenha relação com o fato de que o Beto Mansur (PRB-SP), da Bancada Ruralista, e um dos envolvidos na intervenção que garantiu a liberação do navio com os mais de 25 mil bois, possua estreita relação com a Bancada Evangélica, que não é novidade para ninguém que em diversas situações já fez dobradinha com os ruralistas, até porque há deputados que estão nas duas bancadas. Logo, mesmo que eu esteja errado, isso é no mínimo suspeito, levando em conta que a Record aparenta ter um relacionamento de conveniência com a Bancada Evangélica.
De que adianta criticar a Bancada Ruralista enquanto você a financia?
De que adianta uma pessoa criticar as mazelas da Bancada Ruralista e neste momento, diante da situação dos mais de 25 mil bois sofrendo em Santos, simplesmente não se importar? De que adianta você apontar o dedo para ruralistas que exploram mão de obra barata, humana e não humana, se você consome os produtos deles, logo financia o jogo político deles.
Você já pensou que esses caras que comandam a política brasileira, e não abrem espaço para o verdadeiro exercício da democracia, costumam injetar muita grana em suas campanhas, certo? E de onde você acha que vem esse dinheiro? Costumeiramente, de produtos que eles vendem e que compramos na nossa inocência ou ignorância. E muitos desses produtos já foram vidas. Ou seja, animais.
Então, sim, consumir produtos de origem animal muitas vezes significa de fato um aval para que esses sujeitos continuem se perpetuando no poder. Que tal começar a boicotar esses caras? Não apenas politicamente, mas economicamente. Se informe, não seja ignorante. É preciso fazer um mapeamento idôneo a respeito da vinculação econômica desses políticos.
Quais entidades e empresas eles representam ou possuem, de fato; que tipo de produto eles comercializam, entre outras coisas. Esse tipo de informação precisa ser disseminada com urgência. Necessitamos de um trabalho de boicote em proporções jamais vistas antes.
Bancada Ruralista se mobilizando para fazer o navio com 25 mil bois seguir viagem para a Turquia
A Bancada Ruralista está se mobilizando para fazer o navio seguir viagem para a Turquia com os mais de 25 mil bois em situação degradante no Porto de Santos. Se isso acontecer, será apenas mais uma prova de que definitivamente vivemos em um país onde manda quem pode mais.
Provavelmente, essa vai ser uma das manifestações mais determinantes dos últimos anos no Brasil, e é vergonhoso ver a pouca valorização por parte da imprensa e até mesmo da população. A situação está sendo praticamente ignorada por quem não se importa com a causa animal.
Só a mídia independente e os ativistas, que não devem nada a Minerva Foods e a esses políticos oportunistas, que estão trabalhando a favor do verdadeiro bem-estar animal. Muitas pessoas vivem, de fato, em uma condição egoica, imersas em si mesmas e nos seus; e aqueles, de outras espécies, que são diferentes de nós, são tratados não apenas como produtos – mas como lixo também.
É muito triste ver tantas pessoas não dando a mínima para a situação, não reconhecendo que isso já não se trata apenas de uma questão de valorização da vida animal, mas obviamente também de justiça social. Se esse navio seguir viagem, será mais uma derrota para a dignidade animal – humana e não humana e uma grande vitória do oportunismo e da desconsideração à vida. Se isso acontecer, a frase do Tim Maia de que o Brasil não é um país sério deve reverberar mais um pouco.
A má-fé da imprensa no caso do navio com mais de 25 mil bois
Há poucas horas, o G1 publicou uma matéria com o seguinte título: “Impasse de navio com 25 mil bois no Porto de Santos gera ‘mais prejuízos’ aos animais”. No texto, há uma declaração de que “a demora para o prosseguimento da viagem e desembarque dos animais no destino, causa muito mais prejuízos do ponto de vista do bem-estar animal do que o que é atribuído pelas ONGs, e que gerou o impasse”.
Essa afirmação não condiz com a realidade, mas apenas com a intenção da Minerva Foods e do Ministério dos Transportes – ambos considerando apenas os lucros de transação. E lamentavelmente, isso mostra como o Estado atua indiscriminadamente em favor da indústria em detrimento de vidas. Fazem uso das manobras mais diversas para atraírem a atenção do público para o seu lado, nem que para isso seja necessário vilanizar ativistas, pessoas que voluntariamente lutam pelo verdadeiro bem-estar animal. Até porque não é difícil, valendo-me da realidade comum, concluir que quem investe na exploração de animais sempre terá como prioridade o lucro, e isso consequentemente eleva o retorno financeiro a uma posição de protagonismo que desconsidera sempre as especificidades e o real valor da vida animal.
Viagens de carreta já são desgastantes, ainda mais depois de um percurso de 500 quilômetros. Agora imagine ser enviado como “carga” em uma viagem de navio que pode durar até 20 dias. Além disso, é importante ponderar que eles sempre serão acondicionados extremamente próximos uns dos outros, e partilhando de um espaço bem reduzido e do mesmo sentimento de estranhamento. Imagine esses animais extremamente pesados, desembarcando na Turquia depois de tanto tempo sem espaço para se locomover adequadamente.
Isso é saudável? Qualquer animal condicionado, logo forçado a passar dias sem se movimentar, está sendo privado de sua natureza, já que corpos foram feitos para o movimento. Após mais de 17 anos, estamos vivendo um retrocesso. Este é o segundo embarque de cargas vivas com mais de 25 mil animais em um intervalo de menos de dois meses.
E quando falamos em bovinos não podemos esquecer que são animais precocemente afastados do convívio com os seus. Isso é justo? Viver para ser reduzido a pedaços de carne? Infelizmente é isso que financiamos quando nos alimentamos de animais. Outro ponto que parece ter sido ignorado é que esses bezerros estão sendo enviados para um país onde o abate predominante é o halal.
Nesse tipo de abate, o animal é degolado com um golpe em forma de meia lua, que consiste em cortar os três principais vasos – jugular, traqueia e esôfago. Há quem diga que um “bom golpe” pode não gerar “sofrimento ao animal”, o enquadrando inclusive como “abate humanitário”, embora registros de ações em matadouros mostrem exatamente o oposto.
O chamado “abate humanitário” é hoje a bandeira da indústria de carne visando persuadir os consumidores a acreditarem que estão se alimentando de uma carne “sem dor”, o que é uma ilusão, já que qualquer tipo de privação precedente a morte já é uma forma de violência que gera sofrimento em diversos níveis. Alguma dúvida? Veja o desespero de um animal quando ele reconhece que está em um ambiente de onde não sairá com vida.
O confinamento de animais e o surgimento de doenças
Botulismo, enterotoxemia, dermatomicose, laminite, intoxicação por ureia, timpanismo, cisticercose, dermatite, pododermatite, clostridiose, acidose (aumento do ácido lático no rûmen), pneumonia, poliencefalomalácia, peste suína, doença de Aujesky, rinite atrófica, brucelose, doença de Glässer, doença do edema, enteropatia proliferativa, doença de Newcastle, salmonela, laringotraqueíte infecciosa, coriza infecciosa, bronquite infecciosa e gripe aviária, entre outras doenças respiratórias e metabólicas/digestivas.
Você sabe o que essas doenças têm em comum? Surgiram e aumentaram na modernidade, quando começamos a confinar animais para atender a alta demanda do consumo de carne, ovos e laticínios. Ou seja, são doenças que só existem porque há um mercado consumidor de produtos de origem animal que obriga os animais a viverem em situação de vulnerabilidade e alta exposição ao surgimento de doenças.
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Quase 18 milhões de bovinos e suínos foram mortos no Brasil no terceiro trimestre de 2016
De acordo com o IBGE, 7,32 milhões de bois foram enviados para o matadouro no Brasil no terceiro trimestre de 2016 para que suas carnes fossem comercializadas como produtos. Também segundo o IBGE, 10,57 milhões de porcos foram mortos no terceiro trimestre de 2016 no Brasil. Tudo isso para que as pessoas comam picanha, coxão mole, coxão duro, maminha, fraldinha, paleta, acém, ponta de agulha, filé mignon, alcatra, músculo, cupim, costela, bisteca, bacon, costela, lombo, contrafilé, cupim, lagarto, salsicha, linguiça e hambúrguer.
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O gado dormia no centro de Paranavaí
Bois e vacas passavam a noite nas ruas mais movimentadas da cidade
Entre os anos de 1940 e 1950, era muito comum encontrar mais animais do que pessoas circulando à noite por Paranavaí, no Noroeste Paranaense. O gado tomava conta das ruas de maior tráfego, onde aproveitava para descansar e dormir até o dia amanhecer.
Na década de 1940, a população de Paranavaí começou a perceber um comportamento incomum. Com a chegada da noite, os bovinos abandonavam as propriedades e iam até o centro da cidade. Lá, deitavam e dormiam sem se preocupar com a presença de transeuntes. O que facilitava a movimentação do gado era o fato de serem criados soltos. “Não tinha mangueira, nem nada pra cercar naquele tempo”, contou o pioneiro José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Como ainda não havia iluminação nas ruas, os moradores só saíam à noite com lanterna farolete ou lampião para não trombarem com os animais. “Pra piorar, tinha um fumaceiro danado que começava na Inspetoria de Terras e ia até onde é hoje a Praça dos Pioneiros. Isso acontecia porque havia muitos cipós na cidade e o pessoal colocava fogo em tudo”, lembrou Palhacinho que durante a colonização encontrou muitos bois, vacas e cavalos deitados nas ruas. A Avenida Paraná, a via mais importante de Paranavaí na época, era a preferida dos animais.
Com o tempo, o gado se espalhou pela cidade. Quando o Cine Theatro Paramounth foi inaugurado em 1948, os animais já tinham o hábito de dormir na Rua Marechal Cândido Rondon, nas imediações da Banca do Wiegando. “Ficava cheio de vacas deitadas. Já estavam acostumadas. O gado fazia as sujeiras e a gente estava sempre sujeito a pisar em cima”, relatou Araújo, acrescentando que os animais ficavam no centro até o dia amanhecer.
Houve casos também em que o gado invadiu propriedades. Ninguém tinha o costume de murar ou cercar as casas. Os animais eram tranquilos, mas surpreendiam ao serem vistos no interior de cozinhas e salas das residências dos pioneiros. As invasões aconteciam quando estavam com fome.
Paranavaí começou a crescer em 1946
Paranavaí começou a se desenvolver a partir de 1946, graças a chegada de muitos migrantes que ouviam falar muito bem a respeito do povoado. Com o crescimento populacional, o comércio também se expandiu. “Construímos uma capela e fizemos as primeiras festinhas. Em 1947, o Ulisses Faria Bandeira [agrimensor e ex-prefeito de Paranavaí] fez a primeira pavimentação de uma rua, lá em frente a Praça dos Pioneiros”, contou Palhacinho, pioneiro que buscava cascalho e areia no Porto Mirador.
Naquele ano, chegou tanta gente em Paranavaí que “parecia a corrida do ouro”, segundo o pioneiro mineiro José Antonio Gonçalves. Para acomodar os migrantes e imigrantes foi construído um grande albergue perto da Praça da Xícara. “Todo mundo era acolhido lá”, enfatizou.
Ainda em 1947, o Governo do Paraná parou de conceder terrenos para a construção de moradias na região central. O objetivo era fomentar o comércio, destinando lotes na área somente a quem tivesse intenção de abrir um negócio. “Ainda tinha muitas estradinhas e ranchos esparramados por Paranavaí. A ideia era organizar isso tudo. Não esqueço que o Ulisses foi o responsável por cortar as ruas”, declarou.
O Tabuinha Alto e o Tabuinha Baixo
Um fato que hoje chama atenção, mas era muito comum no final dos anos 1940, era o costume dos migrantes de encostarem tábuas nas residências. “O povo que chegava em Paranavaí fazia isso e dormia embaixo das tabuinhas pro lado de fora da casa. Foi assim, no alvoroço, que o povo começou a construir para um lado e para o outro”, revelou Araújo.
Quando todas as casas de Paranavaí eram construídas com tábuas, dois rapazes ganharam destaque. Eram os responsáveis pelo transporte de quase toda a madeira usada na construção das residências. “Conhecidos como Tabuinha Alto e Tabuinha Baixo, eles quem cortavam a madeira e faziam as tabuinhas. Também desmontavam de um lugar para levar pra outro”, salientou Palhacinho.
Tabuinha Alto e Tabuinha Baixo fizeram sucesso quando havia poucos veículos em Paranavaí. Quase todo mundo comprava madeira da dupla. “Graças a eles, logo tivemos um monte de casinhas em Paranavaí”, comentou.
Frase da pioneira Ana Maria Estrada
“A casa era rodeada de mato e as vacas dormiam na porta do armazém.”