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Cortando o cabelo
Depois de um bom tempo, fui cortar o cabelo. Sentei na poltrona e o camarada começou o seu trabalho com a maquininha e a tesoura. De repente, senti uma lâmina encostando sutilmente na minha barba. Fui tomado por calafrios e pensei comigo mesmo: “Nossa! Ele encostou a lâmina na minha barba. Por favor, não faça mais isso. Por favor!” Até senti minha barba se encolhendo naquele momento, parecia um tatu-bola na sua forma mais cabeluda. Juro que ela gemeu chorosa. Por um segundo, tive a impressão de ouvi-la me chamando para irmos embora: “Bora, David! Aqui não é lugar pra nós dois! Estão querendo nos separar!”
11 de novembro de 2016.
Quando eu raspava a cabeça…
Passei por muitas situações curiosas quando eu raspava a cabeça. Um dia, em Salto del Guairá, no Paraguai, enquanto aguardava meu irmão perto da Queen Anne, três ambulantes, desses que vendem palhetas de para-brisas, se aproximaram. Me recordei de um deles, de quem mais cedo tive pena e acabei comprando um par de palhetas que eu não precisava.
O mesmo rapaz estava de volta. Com um sorriso amarelecido e um olhar sobressaltado e dúbio, veio em minha direção e disse:
“Amigo, usted es federal, es la policía? Por lo tanto, quiero devolver el dinero de las palas que ha adquirido. Ellas son defectuosas. No quiero problemas, por favor. Perdóname, yo no sabía que era la policía. Por favor, quédate con este perfume. No necesita pagar nada.” Sem querer, e após muita insistência, acabei aceitando o perfume. Depois disso, os três foram embora sorrindo e recuando. Mais adiante, dei o “presente” a uma criança que vendia CDs em uma rua paralela.
No final da tarde, saindo do Paraguai, passei pela alfândega. Dois fiscais me cumprimentaram com muita cordialidade e falaram algo que até hoje não sei o que era. Naquele horário, enquanto meu carro foi liberado, os demais foram parados.
“Nunca vou cortar com ela não!”
Kengo Toyokawa fala sobre a estranheza dos homens de Paranavaí ao ver uma mulher barbeira em 1949
Em 1949, na barrenta Rua Manoel Ribas, no Centro de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, por onde trafegavam muitas carroças, não tinha quem não olhasse uma senhora no interior de um salão de duas portas, contíguo ao Bar São Paulo, aparando barba ou cortando os cabelos de algum cliente. “Mas, rapaz, mulher cortando cabelo de homem? Nunca vou cortar com ela não!”, diziam copiosamente os mais conservadores.
A cena rendia muita conversa. Um curioso chamava o outro e quando menos se esperava havia muita gente em frente ao salão discutindo sobre o assunto. “Essa mulher era minha avó, a dona da barbearia que se tornou a mais famosa da região. Naqueles primeiros anos, muita gente não aceitava e agia com preconceito”, diz o comerciante Kengo Toyokawa, proprietário do famoso bar homônimo.
Outros não se importavam, apenas ignoravam a conversa na entrada enquanto esperavam a vez de receber uma toalhinha confortável, quente e cheirosa que amaciava a pele do rosto. O corte de barba ou cabelo era sempre metódico e como diferencial privilegiava os detalhes. As técnicas seguiam os preceitos da tradição japonesa.
Mas a maioria da população masculina de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, acostumada a ser freguês de homens, estranhava os cuidados daquela mulher habilidosa de mãos leves e finas que além disso era uma boa administradora. “No começo foi esquisito, mas depois me acostumei. Quando saía de lá alguém sempre perguntava como foi e se valia a pena. Eu explicava que ela comandava o salão. Aí que o povo estranhava ainda mais: ‘Ué, será, mas a muié memo?’”, lembra o pioneiro João Mariano sem velar o sorriso.
A barbearia da avó de Kengo surpreendia também pela rapidez no atendimento. A equipe era formada por cinco profissionais. “Você pode me apontar uma barbearia hoje que tenha cinco barbeiros? É raridade!”, destaca o comerciante, acrescentando que o interesse por trabalhar no comércio surgiu com os avós.
Aos poucos, a fama da barbearia aumentou e em finais de semana muitos trabalhadores do campo, desde colonos até peões que atuavam na mata, vinham a Paranavaí de charrete. Percorriam quilômetros para cortar cabelo e barba no salão ao lado do popular Bar São Paulo que tinha três portas e também pertencia aos Toyokawa. “A boa fama foi longe”, resume Kengo Toyokawa.
Antes de se mudar para Paranavaí, a família trabalhou um bom tempo nas lavouras de café, pelo menos até conseguir guardar um pouco de dinheiro. “Antes meus avós e meus pais moraram em Guaritá [atual Nova Aliança do Ivaí]. O mais curioso é que depois decidiram investir no comércio sem saber falar português”, relata Toyokawa.
A princípio, foi bem complicado, mas a persistência e a vontade de garantir um bom futuro fez os avós de Kengo superarem até mesmo a barreira do idioma. “No começo, eles negociavam tudo por gestos, uma comunicação universal. Depois aprenderam a falar bom dia e outras frases básicas. As coisas foram se ajeitando”, enfatiza.
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