David Arioch – Jornalismo Cultural

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“Sinto muito, mas não como cadáveres”

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Foto: Jo-Anne McArthur

Ontem, participando de uma reunião como conselheiro da área de audiovisual e artes visuais, testemunhei uma bela cena. Sugeriram João Henrique de Andrade, presidente do Conselho Municipal de Cultura, que ele realizasse um churrasco em comemoração por ter sido eleito o representante da macrorregião Noroeste do Paraná no Conselho Estadual de Cultura. Então ele comentou:

— Sinto muito, mas não como cadáveres.

Admito que gostei da reação.

Written by David Arioch

September 1st, 2017 at 11:26 am

Sobre produtos de higiene pessoal baseados na morte animal

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Na foto, a matéria-prima que dá origem ao sabonete de origem animal (Foto: Reprodução)

Muitas pessoas compram e usam sabonetes e outros produtos de higiene pessoal que são baseados em ingredientes de origem animal. Exemplo comum é o uso de gordura bovina e caprina como matéria-prima. Sendo assim, como podemos crer que alguém esteja realmente se higienizando ao usar um produto que tem em sua composição algo que é desnecessariamente extraído do cadáver de um animal?

A indústria investe massivamente em campanhas que iludem o consumidor com a ideia de uma suposta purificação corporal baseada em algo proveniente de animais mortos. Muita gente toma banho com sabonete baseado em sebo, algo que é recolhido em frigoríficos. Como podemos não considerar isso estranho? Ainda mais levando em conta que há opções inclusive mais baratas de produtos vegetais.

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Written by David Arioch

February 15th, 2017 at 11:21 pm

украинцев: uma neve vermelha no deserto siberiano

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Grupo de ucranianos viveu um episódio de terror no deserto siberiano (Foto: Reprodução)

Em 1941, os ucranianos Mikhail e Karen Kudha Ludovitch, à época com 89 anos, estavam dormindo em uma casa de repouso em Leningrado, no noroeste russo, quando foram acordados durante a madrugada por cinco soldados soviéticos. O casal foi colocado junto de mais 49 pessoas dentro de um velho caminhão usado no transporte de animais. O destino era a Sibéria. Morreram por inanição e hipotermia depois de serem abandonados a centenas de quilômetros de Omsk, no deserto siberiano.

Dos passageiros, apenas cinco foram encontrados vivos, segundo Mykola Dramenko, um sobrevivente ucraniano de ascendência cossaca que fugiu para a Espanha. O ato foi “justificado” como represália às manifestações separatistas. O neto de Mikhail e Karen, Nikolai Ludovitch, após saber do incidente por intermédio de uma rádio clandestina, localizou Dramenko. O sobrevivente revelou que só não morreu porque decidiram praticar antropofagia. A preferência era por cadáveres que exalavam odor mais tênue. Muitas milícias ligadas ao governo soviético eram contratadas para promover limpeza étnica, incluindo desde crianças a idosos, de acordo com Mykola.

O Velho Barbanço

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Português se passou por francês para acompanhar amigo na Primeira Guerra Mundial

Na guerra, Manuel da Silva Barbanço era Jean Marceau Bonnet, um soldado do 5º Exército Francês (Foto: Reprodução)

É raro encontrar alguém que já tenha ouvido falar no Velho Barbanço, um misterioso imigrante português que viveu muitos anos em uma recôndita fazenda entre Paranavaí e Alto Paraná, no Noroeste do Paraná. Barbanço se passou por francês para acompanhar um amigo na Primeira Guerra Mundial e anos depois partilhou a maior parte da herança com os mais humildes.

A infância

Manuel da Silva Barbanço nasceu na Freguesia de Barcelos, em Portugal, no ano de 1896. Aos 12 anos, fugiu de casa por causa dos maus tratos do pai que tinha a conivência da mãe subserviente. Em Lisboa, o então jovem Manuel, inebriado pelos cartazes que exaltavam as belezas de Paris, decidiu partir para a França. Na Estação de Trem de Santa Apolónia tentou convencer dezenas de passageiros a levá-lo junto, porém só um concordou. Era um caixeiro-viajante de menos de 30 anos que percorria a Europa comercializando cigarreiras e perfumes. “O sujeito estava com duas malas grandes. Uma cheia e a outra vazia. Com um forte sotaque francês, falou que o levaria, mas o garoto teria que se esconder dentro da mala vazia”, contou o aposentado Amácio da Costa que durante anos trabalhou como “faz-tudo” para Barbanço.

Franzino, Manuel entrou na mala e permitiu que o homem a fechasse. A viagem levou horas e mesmo assim o garoto se manteve calado, respirando por um pequeno vão. “O Velho Barbanço me contou que estava tão frio que conforme respirava pela boca o ar que saía da mala criava forma”, disse Costa. Quando chegou a Paris, Manuel agradeceu e os dois se despediram. Na Avenida Champs-Élysées, não muito distante do Arco do Triunfo, Barbanço conheceu um português que vivia num cubículo no Montmartre e explorava o trabalho infantil de dezenas de crianças, colocando-as para engraxar os sapatos dos turistas que visitavam a Torre Eiffel.  “Eles trabalhavam em troca de comida e moradia”, relatou o aposentado.

Ex-soldado nasceu na Freguesia de Barcelos, em Portugal (Foto: Reprodução)

A amizade com Bulle

Ingênuo, Manuel foi coagido e trabalhou para o homem por vários meses, até que um dia fugiu de madrugada. Por questão de sobrevivência, Barbanço aprendeu a falar francês. Naquele tempo, não fluentemente, mas o suficiente para se virar. Fez bicos para turistas até os 16 anos, quando conheceu Bulle, um órfão francês que trabalhava de auxiliar de limpeza num restaurante de culinária mediterrânea na região do Jardim de Luxemburgo. “Era um rapaz mais velho, de 21 anos, que se tornou o irmão que Barbanço nunca teve”, comentou Amácio da Costa.

Em 1914, Bulle e Manuel estavam trabalhando juntos como carregadores de malas de um hotel situado no Montparnasse quando souberam da convocação para a Primeira Guerra Mundial. Bulle, que se chamava Pierre Livereaux, foi obrigado a se apresentar ao serviço militar. Com receio de ficar sozinho novamente, Barbanço implorou para que Bulle o ajudasse a conseguir documentos falsos para acompanhá-lo. Livereaux resistiu, mas acabou cedendo e ajudou o amigo que à época tinha 17 anos. “Sei disso porque o Velho Barbanço tinha um diário em que anotava tudo. Era muito preciso e detalhista sempre que relatava algo”, afirmou o aposentado que viu os falsos documentos franceses do português.

Na guerra, Manuel da Silva Barbanço era Jean Marceau Bonnet, um  soldado do 5º Exército Francês que participou da Batalha de Charleroi em 21 de agosto de 1914, quando os alemães invadiram a Bélgica. Questionado sobre a experiência na guerra, Barbanço disse o seguinte a Amácio da Costa no início dos anos 1960: “Nunca tinha segurado uma arma na vida e tudo que eu sentia era medo, tremia mais que vara verde. Quem passava por mim nem percebia, pois estávamos todos na mesma situação. Éramos crianças e o temor era tão absurdo que ao longe os alemães sentiram o cheiro do nosso pavor”, confidenciou Manuel da Silva Barbanço, referindo-se à derrota francesa na Batalha de Sambre.

O horror da Primeira Guerra Mundial

Algumas lembranças do episódio vivido pelo português foram reproduzidas em grandes folhas de papel já amarelecidas e deterioradas pelo tempo que Costa ganhou do ex-soldado em 1962. “Anos depois, pedi pra minha neta copiar o conteúdo, mas deu pra recuperar pouca coisa”, garantiu Costa, mostrando as informações registradas. No relato, Barbanço revelou que quando a ofensiva alemã, que estava em maior número, os atacou, só ouviu um companheiro gritar algo como: “soins, soins, sont mis à nous tirer dessus” que significa “cuidado, cuidado, começaram a atirar em nós”. O jovem soldado deitou rapidamente no chão. Quando se levantou, olhou para trás e viu o amigo Bulle caído no chão, morto, com o corpo cravejado de balas de aproximadamente oito milímetros.

Rua belga percorrida pelo português durante a guerra (Foto: Reprodução)

Barbanço conteve o desespero enquanto observou a multidão de cadáveres que se amontoaram diante de seus olhos, além de dezenas de jovens ainda vivos, mas caídos, implorando por ajuda. “A situação era horrível. Aqueles que estavam em estado muito grave foram deixados para trás. Quando me contou, também mostrou fotos da guerra e seus lábios tremeram até que levou a mão à boca para conter o choro. Disse que jamais na vida dormiu sequer uma noite sem pensar na guerra”, enfatizou o aposentado, lembrando que mais tarde Barbanço se retirou da zona de conflito, sem ter usado qualquer arma. Horas depois, se afastou da infantaria francesa e voltou para o local onde foi deixado o corpo do amigo.

Mesmo sabendo que a área estava dominada pelos germânicos, seguiu em frente. Quando viu um soldado alemão morto o despiu e trocou a farda francesa pela alemã. Logo que os alemães se dispersaram, o português carregou Bulle até as margens do Rio Sambre. Lá, Barbanço lavou o corpo do amigo, o abraçou e em seguida o enterrou. Da Bélgica, Manuel Barbanço retornou à França, onde morou até os 32 anos.

O reencontro com o avô

Mais tarde, imigrou para a Espanha e para a Itália, até que retornou a Portugal, onde soube que o avô, um aristocrata lusitano com quem perdeu contato no princípio da infância, o procurava há anos. Com a saúde debilitada, o homem convidou Manuel para morar numa propriedade em Funchal, na Ilha da Madeira. Barbanço viveu com o avô até 1945, quando o aristocrata faleceu, vítima de pneumonia. Com a morte do único familiar com quem teve uma profunda relação de afeto, Manuel da Silva Barbanço decidiu partir novamente. Antes, aguardou a execução do testamento do avô que lhe destinou uma herança que hoje equivaleria a pelo menos R$ 3 milhões.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em outubro de 1945, Barbanço se juntou a centenas de imigrantes portugueses em um navio para o Brasil. Escolheu uma embarcação que reuniu somente pessoas de origem humilde que buscavam melhores condições de vida em terras tupiniquins. “Ele levou uma pequena mala com roupas e, como não sabia qual era a moeda brasileira, carregou uma enorme com mais da metade da herança em dólares”, salientou Costa. Numa madrugada, enquanto muitos estavam dormindo, Barbanço distribuiu boa parte do dinheiro entre as malas, bolsas, sacos e sacolas dos passageiros. No dia seguinte, ninguém entendeu o que tinha acontecido, mas as expressões nos rostos dos imigrantes eram tão cheias de esperança e alegria que o anônimo Manuel da Silva se sentiu parte de algo maior que a vida, segundo palavras de Amácio da Costa.

Paranavaí lembrava Funchal, a terra do avô de Manuel Barbanço (Foto: Reprodução)

A partilha da herança com os mais humildes

Quando a embarcação atracou em Santos, Barbanço desceu pelas ruas do porto, onde foi abordado por um garoto de aproximadamente 12 anos que ofereceu-lhe ajuda em troca de algumas moedas. O português aceitou e pediu auxílio para pegar um trem com destino a São Paulo. Antes de embarcar, Manuel sugeriu que o garoto fechasse os olhos. “Barbanço colocou um saco de dinheiro na mão daquela criança e desapareceu dentro do trem”, assegurou. Da capital paulista, o português contratou os serviços de um motorista que o levou até Presidente Prudente, onde Barbanço quase comprou uma fazenda. Mudou de ideia quando conheceu um engenheiro agrônomo que falou-lhe sobre as terras virgens do Noroeste do Paraná.

Manuel adquiriu um jipe e se aventurou pelo Paraná. Depois de dias de viagem, chegou a Paranavaí, onde comprou uma fazenda a treze quilômetros do perímetro urbano. “Ele tinha um estilo de vida eremita, não ia pra cidade. Gostou muito daqui porque lembrava a calmaria e o sossego da terra do avô, na Ilha da Madeira”, ressaltou o homem que conheceu o português em 1955, quando deixou Londrina e se mudou para Paranavaí. O caminhão que trouxe os pertences do aposentado quebrou em frente à propriedade de Barbanço. Costa foi pedir ajuda e recebeu uma proposta de emprego.

Amácio da Costa trabalhou como “faz-tudo” para o português a quem considerava um pai até 1972, ano em que Manuel Barbanço transferiu-lhe a escritura de uma propriedade vizinha. “Num domingo chegou um homem na minha casa, me trouxe um título de terras acompanhado de uma carta de agradecimento pelos serviços que prestei ao longo de 16 anos. Não entendi direito e fui até a fazenda do português. Quando cheguei lá, o homem tinha sumido, ninguém nunca soube o que aconteceu. É possível que tenha partido para algum lugar onde outras pessoas precisavam de ajuda”, cogitou o aposentado com um sorriso e um olhar disperso no tempo.

Curiosidades

O apelido Velho Barbanço foi dado pelo próprio Amácio da Costa, pois o português tinha a barba, os cabelos e pelos das sobrancelhas brancos.

Para ser aceito pelo Exército Francês e justificar o sotaque, Manuel da Silva Barbanço falou que era francês, mas que foi criado pelo avô em Portugal.

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Grileiros tomavam conta da Brasileira

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Em 1935, o povoado era habitado apenas por pioneiros corajosos e posseiros

Intervenção federal na Brasileira só aconteceu em 1936 (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, quando a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, foi abandonada por grande parte de seus habitantes, ficaram apenas os pioneiros mais corajosos e grileiros que logo começaram a tomar conta do povoado.

Em 1935, a Brasileira se dividia entre pioneiros que não queriam abrir mão do novo lar e grileiros que chegavam de todas as partes do país. Nenhum dos remanescentes se deixava intimidar, mesmo com a intervenção federal de Manoel Ribas. “Havia poucos colonos. Naquele tempo, tinha que ter muita coragem pra vir pra cá, então dá pra imaginar que quem se aventurava na Fazenda Brasileira estava sujeito a duas coisas: matar ou morrer”, relata o pioneiro cearense João Mariano.

Sede da Brasileira na década de 1930

Mesmo com poucos moradores no povoado, a briga por terras se acirrou. Posseiros trocavam ameaças sem se importar com os transeuntes, o que já dava a ideia de que algo muito ruim viria depois. Quando o Governo do Paraná decidiu intervir, dando prazo de 90 dias para os grileiros desocuparem as áreas invadidas, a situação já estava fora de controle. “Seria preciso muito mais que isso pra fazer esse pessoal desapropriar as terras”, destaca Mariano, acrescentando que chegou um momento em que ninguém mais trocava ameaças, simplesmente matava o seu desafeto.

À luz do dia, não era raro ouvir tiros vindo de várias direções. Cadáveres eram vistos em meio ao povoado, caídos sobre o solo arenoso. Dependendo da intensidade da corrente de ar, a terra cobria superficialmente o morto. Aqueles que não tinham familiares eram deixados onde estavam, abandonados sobre o chão, até começarem a se decompor. Apenas quando o odor da volatização de cadaverina e putrescina se tornava insuportável que alguém dava um jeito de se livrar do corpo.

“Mas a vida continuava. Afinal, quem tinha peito pra interferir?”, questiona o pioneiro, lembrando que quem quisesse viver na colônia tinha que lidar com a morte como se fosse algo natural e cotidiano. À época, acontecia do moribundo agonizar no chão enquanto suplicava por ajuda. Mesmo assim, as pessoas passavam ao lado ignorando sua presença.

Telmo Ribeiro chegou na Brasileira com um grupo de mercenários paraguaios

A ambição e a ganância em conseguir por meio da força um pouco dos 317 mil alqueires de terras da Fazenda Brasileira custou a vida de muita gente. Estima-se que dezenas de pessoas foram assassinadas nesse período, embora seja impossível precisar o total de vítimas. Muitos crimes eram ocultados pelos jagunços que se livravam dos cadáveres nas imediações do Porto São José, na Lagoa do Jacaré, confluente do Rio Paraná. “Os corpos eram despejados lá porque os jacarés comiam a carne humana, eliminando as provas do crime”, garante o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo.

Em 1936, quando a Brasileira começou a ganhar fama em todo o Paraná pela onda de crimes, o governo federal pressionou o interventor Manoel Ribas que enviou para cá o tenente gaúcho Telmo Ribeiro, famoso por métodos menos ortodoxos de impor ordem. Com o tenente, conhecido como rápido no gatilho, veio um grupo de mercenários paraguaios de Pedro Juan Caballero. Não levaram mais do que alguns meses para dar fim ao clima de faroeste que imperava no povoado. Segundo pioneiros, melhoraram a situação ao preço de muitas mortes.