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Em frente ao pet shop (Mãezinha)
Em frente ao pet shop uma cadelinha faminta assistia dois filhotinhos chorando dentro de uma gaiola. Seus olhos iam de um lado para o outro. Às vezes, ameaçava se aproximar, mas via um par de sapatos à curta distância e logo se afastava. Medo de chute. Insistia.
Observava os dois cãezinhos, até que um deles começou a morder a gaiola. Se aproximou, ignorando quem entrava e quem saía e lambeu as grades, tentando alcançá-los. Quando um deles se achegou para receber carinho foi expulsa a vassouradas.
No dia seguinte, retornou. Assistia no cantinho, do lado de fora do pet shop, os dois filhotinhos chorando. Entrou na loja mais uma vez, encostou a língua na gaiola e um deles fechou os olhos enquanto recebia lambidas interrompidas por vassouradas.
Foi assim por quase duas semanas, até que um dia retornou pela manhã e os filhotinhos não estavam lá. Nem a fome que a levou pela primeira vez ao pet shop parecia incomodá-la mais. Se encolheu num canto e, mesmo quando uma chuva forte atravessou os limites da marquise da loja, continuou no mesmo lugar.
Toda molhada e quase arrastada pela enxurrada, só mirava a gaiola vazia. Não chegou a ganhar um nome, mas podemos chamá-la de Mãezinha. Continuou retornando ao pet shop, e cada vez mais magra. Aproximação e expulsão – sequência de todo dia.
Mais cãezinhos chegavam, choravam e partiam; e ela, que queria cuidar de todos eles, manteve a rotina por pelo menos mais três meses – com sol ou chuva. Um dia, o dono de um bar, vizinho do pet shop, estranhou sua ausência.
Fechou mais cedo e saiu para procurá-la. Não foi muito longe até encontrar Mãezinha dormindo agarrada a um cachorrinho encardido – os dois sem vida – ela e um bichinho de pelúcia que levou do pet shop.
Tulipa, a cadelinha evangélica
Do início ao fim do culto, Tulipa fica em silêncio, atenta a tudo que acontece no interior da pequena igreja
Na Rua C, em um pequeno espaço contíguo à residência da artesã Lindinalva Silva Santos vive a mais jovem frequentadora da Igreja Pentecostal Jesus é a Cura, na Vila Alta, periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Três vezes por semana, pouco antes das 19h30, a cadelinha mestiça Tulipa deixa a sua confortável casinha de madeira, salta sobre uma base de tábuas que lhe serve como passarela e pula a cerca, encurtando caminho por um terreno baldio onde uma pequena porção de capim-colonião a cobre completamente.
Aguerrida, segue pulando e amortecendo a relva com as patas miúdas até chegar à estrada de terra ao lado do Bosque Municipal. Tranquila, mas atenta, percorre mais cem metros até chegar à esquina da Rua A. Olhando ao seu redor, Tulipa atravessa o interior da igreja para mostrar que está pronta para o início do culto. Observa rapidamente o pastor até ser notada e então se aconchega debaixo de um comprido e envernizado banco de madeira. “É o jeito dela de cumprimentar todo mundo. É como se fosse uma pessoa e desse algum tipo de satisfação aos presentes”, informa Lindinalva.
Do início ao fim do culto, Tulipa fica em silêncio, atenta a tudo que acontece no interior da pequena igreja. Por volta das 21h, e da mesma forma que entrou, ela se despede à sua maneira. Lá fora, recebe muitas carícias. Tem tanta confiança no ser humano que fecha os olhos e inclina a cabecinha para ser afagada. Depois retorna para casa fazendo o mesmo trajeto. Muito querida por todos os frequentadores da Igreja Pentecostal Deus é a Cura, a cadelinha começou a participar dos cultos há oito meses e desde então jamais se ausentou. Com o tempo, sua presença se tornou uma atração, principalmente para as crianças.
“Vou dar uma bíblia em miniatura, menor que um dedo, pra ela carregar amarradinha no dorso quando for à igreja”, declara a artesã às gargalhadas. Dócil e silenciosa, Tulipa aceita até carinho de estranhos. “Ela é muito dada e ninguém judia dela. Fica com um dentinho fora da boca o dia todo, só que não faz mal a ninguém. Se dá bem com todos os bichos. Só late à noite porque ela se sente como se fosse a guardiã da casa”, declara Lindinalva. Assim que massageio o pescoço de Tulipa, ela deita e se vira para cima, ansiando por mais afagos.
A cadelinha vive com a artesã há três anos, desde que foi encontrada abandonada ainda filhote ao lado do Bosque Municipal de Paranavaí. “Fazia poucos dias que ela tinha nascido. Peguei ela porque fiquei com medo que algum carro a atropelasse e a matasse. Era bem miudinha e dormia dentro do meu chinelo felpudo. Nunca incomodou ou fez sujeira dentro de casa. Ela é muito obediente e limpinha. Não preciso falar mais de uma vez”, garante Lindinalva apontando para a casinha construída especialmente para Tulipa.
Até hoje a cadelinha só engravidou uma vez, mas os filhotes nasceram mortos e ela nunca mais ficou prenha. Hoje em dia, durante o cio, Tulipa não sai de casa. “Fica arredia com os outros cachorros. Não deixa nenhum deles se aproximar. Entra em um quartinho e fica lá”, revela a artesã que nessa fase redobra os cuidados com a cadelinha.
Tulipa também é exigente quando o assunto é comida. Desde pequena, nunca gostou de nenhum tipo de ração. Prefere biscoitos de leite ou maisena esmigalhados em uma porção de leite. “Arroz, por exemplo, ela só come se tiver molho. Senão só olha e passa longe. A bichinha sabe o que quer e apesar de pequena come que nem cachorro grande”, garante Lindinalva rindo.