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Quando três padres escaparam da morte
Voo quase termina em tragédia em 6 de julho de 1955
Em 1955, após visita ao bispo de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense, três padres alemães que retornavam a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, escaparam da morte durante uma tempestade iniciada quando sobrevoavam Arapongas, na região Norte Central.
No dia 6 de julho de 1955, os padres alemães Adalbert Deckert, Jacobus Beck e Ulrico Goevert decidiram visitar o bispo diocesano de Jacarezinho, Dom Geraldo de Proença Sigaud.
À época, Paranavaí passava por um período de chuvas, mesmo assim os freis decidiram arriscar. Alugaram um avião teco-teco para quatro passageiros e partiram. “Confiamos corajosamente naquela cegonha de lata”, comentou o frei alemão Adalbert Deckert no livro “As Aventuras de Três Missionários Alemães em Paranavaí”.
Naquele tempo, segundo os padres que participaram da viagem, era um prazer indescritível sobrevoar florestas, roças, rios e colônias. Em Jacarezinho, tudo correu bem e ao final da visita que durou duas horas o bispo Dom Geraldo os levou de carro até o aeroporto. Na viagem de retorno, o piloto os alertou que uma ventania em direção contrária impedia que o teco-teco voasse mais rápido.
Aos poucos o céu escureceu e o piloto sugeriu uma parada em Arapongas. Os padres não gostaram da ideia porque optaram por viajar de avião para retornar a Paranavaí no mesmo dia. Apesar das contrariedades, ao longo de dez minutos o piloto sobrevoou a cidade até aterrissar em um campo de aviação. “Estávamos desgostosos por causa da parada involuntária e da necessidade de pernoitar ali. Só depois percebemos que diante da tormenta não demos conta do perigo”, admitiu frei Adalbert.
Do pequeno aeroporto, foram de carro até um hotel enquanto uma tempestade atingiu Arapongas, acompanhada por uma forte chuva de granizo. De acordo com Deckert, era um temporal como jamais visto na Alemanha. “No hotel, a água gotejava do telhado sem parar”, destacou. Mais tarde, os padres foram informados que a tormenta causou sérios danos ao teco-teco usado na viagem. Todos os aviões que estavam no campo de aviação foram danificados.
Mesmo amarrado, um dos veículos foi arremessado do outro lado da estrada, sobre um cafezal. Na manhã do dia seguinte, foi encontrado em um cafezal com as rodas para o ar. “Até mesmo um bimotor enorme foi inutilizado pelo temporal. Ficamos com pena do nosso piloto que era o proprietário do avião, mas não podíamos fazer nada”, afirmou Adalbert Deckert.
Para retornar a Paranavaí, os freis alemães tiveram de pegar outro voo. Quando chegaram aqui, não puderam aterrissar porque uma densa neblina tomou conta da cidade no dia 7 de julho de 1955. A visibilidade era praticamente nula. Porém, isso não abalou os padres. Estavam cientes de que no dia anterior viveram o pior, se livraram da morte. “Nossos sentimentos eram de agradecimento, pois se o táxi aéreo não tivesse aterrissado, a repentina e fulminante tempestade nos teria jogado ao chão como folha de papel”, avaliou frei Adalbert.
Saiba Mais
Os padres decidiram viajar até Jacarezinho com um teco-teco porque caso optassem por um avião de linha a viagem seria muito mais demorada. Outro problema era que além do risco de atrasos envolvendo partida e chegada, aviões que comportavam mais de quatro passageiros tinham de cumprir uma parada obrigatória em Londrina, no Norte Central Paranaense.
A trajetória de um homem do campo
José Freitas fala sobre a experiência de fazer parte da primeira geração de boias-frias
O aposentado José Alexandre Freitas, 72, morador do Jardim Morumbi, em Paranavaí, é da primeira geração de boias-frias do Noroeste do Paraná. Hoje em dia não trabalha mais, mas carrega marcas que nem o tempo é capaz de apagar, como as mãos calejadas, de pele grossa, e o rosto enegrecido e manchado pela frequente exposição ao sol.
Da época em que atuava como trabalhador volante, Freitas herdou também um chapéu de palha que ele ajeita cuidadosamente várias vezes, mesmo sabendo que a entrevista não é para a TV. O aposentado é amistoso e sorridente, porém quando se recorda dos problemas de quando trabalhava no campo, o sorriso se mistura a um olhar mortiço, uma consequência natural que evidencia a relação de amor e ódio do boia-fria com o campo.
Na entrevista abaixo, compilada em tópicos, José Alexandre Freitas, o colono que virou boia-fria, sintetiza opiniões e experiências ao falar sobre colonato, êxodo rural, trabalho infantil, aposentadoria, mecanização e outros assuntos.
O pequeno produtor rural
Nas décadas de 1960, 1970, quem tinha um sítio teve que vender pra fazendeiro. O pequeno produtor não tinha chance nenhuma de disputar o mercado. Acontecia muitas injustiças que eu mesmo vi de perto. Isso melhorou só depois por causa das cooperativas.
O colono
Quando comecei a trabalhar de colono, tudo isso aqui era café. A gente recebia mesada do patrão. A colheita era unida, bonita de ver e de lembrar. Depois acabou e tive que virar boia-fria. Em 1964, 1965 e 1966, a gente recebia uma diária mixuruca, não chegava a ganhar nem um salário por mês. A coisa foi mudando na década de 1980.
O fim do colonato
Os colonos desapareceram. Vim em 1982 pra cidade porque os patrões não queriam mais ninguém na roça. Eu fui um dos últimos colonos a vir pra cá. Vim meio que obrigado, não queria muito, ainda gostava da roça. Cheguei nessa mesma rua [Avenida Domingos Sanches], onde a gente tá conversando agora. Hoje, penso diferente, se fosse pra eu trabalhar de novo na roça preferia morar aqui e ir de ônibus do que morar na fazenda.
Êxodo rural
Naquele tempo, a jornada era de 12 horas, então trabalhar na roça era terrível. Quem tinha a chance de vir pra cidade não pensava duas vezes. Imagine, você começar a trabalhar às 6h da manhã e parar só às 6h da tarde. Hoje em dia é diferente, ninguém trabalha na roça mais do que oito horas. Era cruel, o pessoal sofria muito.
A vida de boia-fria
A verdade é que boia-fria até hoje é um sujeito sem patrão. O mais próximo que ele tem de um chefe é o gato. No meu tempo, ninguém podia adoecer. Se ficasse um mês parado, passava fome. Lembro que a gente recebia 40, 50 centavos por pé de café, mas quando o patrão queria que o sujeito fosse embora por vontade própria, ele pagava 20 centavos. Mas nem todos eram assim. Tive patrão bom também que quando o boia-fria não conseguia ganhar o suficiente, ele pagava mais pela diária.
Gato X fiscal
O gato e o fiscal agem da mesma maneira. Eles pegam uma área de empreita, contratam os trabalhadores e pagam um pouco menos do que o oferecido pelo dono da propriedade pra ter lucro. O ganho por dia equivale a duas diárias de um boia-fria. Trabalhei como fiscal e gato por alguns anos. Às vezes, tinha que dividir a turma. Era impossível dar conta de 100 peões ao mesmo tempo.
Trabalho infantil
Até a década de 1990, tinha muitas crianças trabalhando nas roças da região, já hoje é difícil de encontrar. Acho errado o menor não poder trabalhar, porque antigamente, quando a criança começava cedo na lida, ela aprendia a respeitar mais os pais e também a vida. Hoje, qualquer adolescente diz que não vai trabalhar porque está protegido pela lei, inclusive tem quem use isso pra desafiar a família. Na minha época, um rapaz de 18 anos já era independente, tinha a
própria vida.
Segurança x ajuda
Acidente de trabalho acontecia, mas ninguém era responsável. Hoje também não mudou muita coisa. A verdade é que sem registro não existe segurança. No tempo em que mais trabalhei, década de 1950, 1960 e 1970, quem mais sofria acidente era a criança. Caía e machucava o pé, quebrava braço, então quem tinha que se virar era a família. Quando alguém se feria, a gente se reunia e ajudava. Comprava comida, fazia vaquinha pra arrecadar dinheiro. O ruim é que empregado que se machucava no serviço era mandado embora.
Relação com os colegas de trabalho
Quando trabalhei como gato, nunca fui maldoso com ninguém, eu respeitava todos os boias-frias, até porque fui um deles, né? Tinha paciência, falava com educação. Por isso que os patrões gostavam de mim. Eu odiava estupidez.
Chuva na roça
Essa era a pior parte. Não tinha esse negócio de que porque está chovendo não ia trabalhar. A gente ganhava por dia, então não tinha como ficar em casa esperando a chuva passar.
Sindicato dos trabalhadores
Naquele tempo, o sindicato não era vigorado como hoje. Agora o trabalhador rural tem garantias e direitos. O sindicato garante salário-desemprego, 13º salário e ainda ajuda a receber os atrasados. Fazem um trabalho muito bom.
Entretenimento
A gente ocupava o tempo livre jogando futebol, até o patrão jogava, e de centroavante. Era o nosso grande lazer, além de outro que eu não posso falar (risos).
Aposentadoria
Trabalhei a vida toda na roça e nunca tive direito a nada. A única sorte que tive foi me aposentar com 60 anos. Hoje, pra se aposentar com essa idade, é muito difícil. Quase nenhum patrão quer ajudar o empregado que trabalhou na roça. Até dá pra entender, ninguém quer ser responsável se der alguma coisa errada. Conheço muita gente que trabalhou no campo e tenta se aposentar, mas não consegue. Na minha família tem gente nessa situação.
Experiência no corte de cana-de-açúcar
Há 21 anos, tive uma experiência no corte de cana, mas não consegui cortar 70 metros. Fui três dias, fizeram a minha ficha, mas daí não foi aprovada porque não cortei 70 metros. Disseram que não podiam me dar nenhuma garantia.
Mecanização
Sobre as máquinas, acho que a dificuldade maior é que ninguém sabe o que o governo vai fazer com esse povo todo. O serviço braçal ainda vai acabar, disso eu tenho certeza porque já conheci máquina que substitui o homem até em terreno irregular. Lá no interior de São Paulo mesmo, boia-fria é conhecido como cata-bituca, porque pra ele só ficam os restos deixados pela máquina.
O futuro dos boias-frias
A única saída ainda é a reforma agrária. O governo deve desapropriar e comprar essas fazendas onde ninguém planta nada e cortar em lotes. Se fizer direito, vai dar certo. Sei disso porque tenho um genro que mora numa fazenda no interior de São Paulo e lá ele conseguiu oito alqueires e hoje vive de forma mais digna.