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Sobre matanças e os temidos quebra milho
Experiências e impressões sobre criminosos que viveram em Paranavaí nos tempos de colonização
Embora tenha falecido há muitos anos, o frei alemão Ulrico Goevert, um dos pioneiros religiosos de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, tinha o hábito de registrar muito do que via e ouvia na antiga Fazenda Brasileira. O primeiro diário de Goevert sobre os fatos aqui vividos data de 1951. Sete anos mais tarde, a convite do padre provincial Adalbert Deckert, de Bamberg, no estado alemão da Baviera, o frei começou a publicar suas experiências em Paranavaí na revista germânica Karmel-Stimmen, onde ganhou uma coluna periódica.
Entre os relatos que mais chamaram a atenção dos alemães está um sobre as matanças promovidas pelos quebra milho, como eram chamados os jagunços e grileiros violentos que viviam na região de Paranavaí entre os anos 1940 e 1950. “Muitos que aqui chegavam de outros estados e países buscavam construir uma nova vida. Tudo isso resultou em uma grande mistura internacional”, conta Ulrico Goevert, acrescentando que no meio de tanta gente havia famílias sonhadoras, oportunistas gananciosos e aventureiros preocupados apenas com o presente.
O frei alemão admitiu anos mais tarde que entre 1951 e 1958 foi procurado por quebra milho das mais diversas origens. “Não foram poucas as confidências de assassinatos e crimes hediondos. Me procuravam pedindo para ajudar a tirar as mortes da consciência”, lembra. O contato frequente com a comunidade fez Goevert se aprofundar um pouco mais sobre o passado duvidoso de uma significativa parcela da população local. “Eu era procurado até por aqueles que não queriam mais do que continuar a sua velha safadeza neste novo lugar”, declara. Boa parte pedia informações ao padre sobre como providenciar novos documentos para dar início a uma nova vida, se isentando dos crimes do passado.
Em Paranavaí, no final dos anos 1940 até a metade da década de 1950, muita gente conseguiu mudar de nome, enganando a polícia e os perseguidores que percorriam milhares de quilômetros para acertar as contas. “Aqueles que demonstravam verdadeira boa vontade, eu consegui ajudar, possivelmente os livrando da morte. O que mais podia fazer se não contribuir para torná-los membros úteis de uma comunidade?”, questiona o frei alemão na coluna mais lida da revista Karmel-Stimmen em 1958.
Perdulários, os quebra milho eram temidos e chamavam muita atenção em Paranavaí pelos gastos astronômicos com bebidas, comidas e orgias em locais como a Boate da Cigana. No entanto, algumas festas eram particulares e aconteciam em locais afastados da cidade. “Eles apenas ordenavam que buscassem as moças, escolhidas a dedo, que iriam servir para o lazer”, confidencia o pioneiro cearense João Mariano.
Tudo era custeado com pequenas fortunas conquistadas em um curto período de tempo explorando mão de obra barata na derrubada de mata e lavouras ou cobrando dívidas e desapropriando terras ilegalmente. “Eram promotores de um estilo de vida totalmente imoral e leviano. Não tinham interesse em mudar. Viviam em função da sequência roubo, homicídio e morte”, registra o alemão.
Apesar de não haver dados sobre a quantidade de quebra milho nos tempos da colonização, é possível inferir que era o suficiente para amedrontar a população. “Não se passava um mês sem eu ter de dar a unção a alguma vítima de assassinato, nem sempre o morto fazia parte desta leviana corja. Tivemos muitos homicídios por causa de direitos de posse”, frisa Ulrico Goevert.
Os crimes eram quase inevitáveis quando dois ou mais proprietários de um mesmo pedaço de terra se encontravam. Um apresentava ao outro o documento que dizia ser legal e reivindicava o direito da área. “Um não queria ceder e muito menos o outro. A discussão só acabava quando puxavam o revólver”, afirma o frei que presenciou algumas dessas situações. Com o tempo, o alemão começou a tentar entender como várias pessoas tinham diferentes escrituras de uma mesma terra. Depois de muito pesquisar, Goevert descobriu que a diferença entre um documento e outro ultrapassava décadas.
A verdade é que em outros tempos alguns oportunistas compraram terras em áreas não colonizadas de Paranavaí e desistiram de construir, levando em conta o investimento com derrubada de mata e povoamento. Então esperavam anos, até alguém iniciar a colonização da região. O tempo passava e o governo autorizava uma nova venda de uma área comercializada muito tempo antes. “Quando tudo ficava aberto, limpo e habitável aparecia gente até com documentos do Século XIX e a confusão se armava”, detalha o líder religioso.
Não é à toa que até hoje há pioneiros em Paranavaí que culpam o governo federal e o governo paranaense por diversos assassinatos provocados por conflitos de posse e comissão de terras. “A situação esquentava e ninguém fazia nada. Se o poder público entrasse no meio para tentar amenizar a situação, quem sabe até disponibilizando uma nova terra à parte lesada, teríamos evitado tantas mortes. Com o sangue quente, e ninguém para ajudar, o peão perdia o controle e matava”, pondera Mariano.
As colonizadoras também ignoravam as negociações anteriores e simplesmente continuavam a atrair mais colonos com a venda de lotes pagos em pequenas parcelas. “Também perdi as contas de quantas mulheres apareceram reclamando a paternidade do filho e mostrando a foto do pai que já tinha outra família em Paranavaí”, desabafa o frei.
Normalmente o homem fugia de madrugada, abandonando as duas mulheres. A vontade de escapar da responsabilidade era tão grande que o sujeito atravessava a densa mata fechada habitada por animais silvestres e ainda cortava o Rio Paraná com algum bote. “É quase certo que no Mato Grosso o fujão começava tudo de novo”, lamenta frei Ulrico.
O perfil e a conduta dos quebra milho
De acordo com o pioneiro cearense João Mariano, os quebra milho eram homens das mais diversas origens que podiam andar em grupos, duplas ou sozinhos. Chegavam a Paranavaí com um plano de ação definido. Eram contratados para comandar as mais diversas atividades, desde grupos de peões atuando na derrubada de mata até cobranças de dívidas e comissões de terras. “Um quebra milho não sentia remorso em tirar uma vida, mas também não fazia isso de graça ou por qualquer coisa. Eram como mercenários, mas com código de conduta”, explica Mariano.
A conduta era ditada pelo dinheiro, não por vingança ou punição. Quanto maior a recompensa, menor a preocupação com a exposição. Se o retorno financeiro fosse grande, não se importavam em invadir um bar cheio de gente para assassinar três ou quatro pessoas. “Ele ia, fazia o serviço e partia, sem olhar para ninguém a sua volta, a não ser as vítimas. Só que se fosse incumbido de cobrar alguma coisa sem matar ninguém, o sujeito também atendia a exigência”, esclarece o pioneiro que ao longo da vida conheceu muitos quebra milho, inclusive teve amizade com alguns.
Ao contrário do senso comum, dificilmente reagiam quando eram provocados por alguém sem envolvimento com seus negócios. Isso porque não traria retorno financeiro – a lógica da função. Metódicos, os quebra milho da Fazenda Brasileira dificilmente agiam por impulso. Além disso, não atuavam apenas em Paranavaí, mas em todo o Paraná, chegando a prestar serviços em São Paulo, Mato Grosso (incluindo o Mato Grosso do Sul), Santa Catarina e Rio Grande do Sul, principalmente a serviço de grandes empresários e latifundiários.
“Sei de alguns que encheram caminhões de cadáveres lá pelas bandas de Querência do Norte numa desapropriação ilegal e forçada. Tudo foi feito a mando de uma família tradicional da região de Maringá”, segreda Mariano que viu quando o caminhão estacionou em frente ao antigo Hospital João Cândido Ferreira (Hospital do Estado), onde é hoje a Praça da Xícara.
O veículo encostou e de longe os curiosos sentiram um forte odor de sangue que invadiu o centro da cidade. João Mariano diz que nunca tinha visto tanta gente morta em um mesmo local. “Havia dezenas. A maioria foi levada direto para um necrotério improvisado. Tinha tanto sangue que escorria até pelos pneus”, assegura.
Por medo, nos anos 1940 e 1950, quando se falava em quebra milho, a maior parte da população não se manifestava sobre o assunto. Habilidosos com armas de fogo e armas brancas, inúmeros foram identificados como ex-jagunços, ex-guerrilheiros, criminosos condenados ou procurados, antigos membros de brigadas e de grupos paramilitares, além de desertores do Exército Brasileiro.
À época, como Paranavaí era apenas uma colônia, podiam ser facilmente identificados, mas ninguém queria se meter em confusão. Personagens controversos, os quebra milho fazem parte da história de Paranavaí, onde já viviam no princípio da colonização da Fazenda Brasileira na década de 1930. “Policiavam” e impediam que os migrantes atuando nas lavouras de café abandonassem o trabalho. Quem tentasse era abatido em barrancos às margens de algum rio ou durante a travessia. Antes do descarte de cadáveres, os criminosos os abriam, os enchiam com pedras, costuravam e os lançavam na água para afundar rapidamente, impossibilitando a localização.
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O influente Achilles Pimpão
Delegado de Londrina tomou decisões que marcaram a história de Paranavaí
Um personagem que faz parte da história de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, mesmo sem nunca ter residido na cidade, é o destemido major Achilles Pimpão Ferreira. O homem ajudou a impor ordem na região quando os problemas não podiam ser resolvidos apenas por autoridades locais.
Na época da Fazenda Brasileira, quando surgia algum grave infortúnio, era comum os pioneiros viajarem até Londrina, no Norte Central Paranaense, para pedirem ajuda ao tenente Achilles Pimpão, então delegado de polícia. Até mesmo a ordem para a construção do primeiro cemitério de Paranavaí partiu de Pimpão. O homem, mais tarde nomeado capitão e depois major, foi quem trouxe a Paranavaí o gaúcho Telmo Ribeiro. Pimpão e Ribeiro se conheceram em Londrina, por intermédio do engenheiro Natel Camargo, pioneiro local.
À época, o delegado gostou de Telmo Ribeiro e decidiu apresentá-lo ao interventor (função que equivalia a de governador) Manoel Ribas. Após uma conversa, Ribeiro foi designado a abrir as estradas que ligavam Paranavaí ao resto do Paraná. Assim pode-se dizer hoje que se não fosse por Achilles Pimpão, Telmo Ribeiro nunca teria se mudado para a Fazenda Brasileira.
Pioneiro em Londrina, o paranaense Achilles Pimpão, de família tradicional de Palmas, no Centro-Sul do Paraná, acompanhou a evolução de Paranavaí por intermédio de pioneiros como o Capitão Telmo Ribeiro e o administrador da colônia Hugo Doubek. Nos anos 1930, 1940 e até em 1950 foram muitas as vezes que Achilles Pimpão veio a Paranavaí estabelecer a ordem, principalmente quando a situação envolvia grileiros nas glebas que compreendiam todo o território atual da Associação dos Municípios do Noroeste Paranaense (Amunpar).
Os pioneiros consideravam Pimpão um homem poderoso, pois sua influência ia de Paranavaí até Curitiba, e nem mesmo posseiros e capangas ousavam afrontá-lo. “Foi ele quem expulsou os jagunços da Gleba 21 [atual território de São Pedro do Paraná que pertencia a Colônia Paranavaí]”, enfatizou o pioneiro italiano Zaqueo Casarin em entrevista à Prefeitura de Paranavaí há algumas décadas. Todas as decisões do delegado tinham o apoio de Manoel Ribas. O interventor confiava completamente em Pimpão, segundo o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles.
As boas recordações dos pioneiros
Durante toda a vida, Salles jamais esqueceu do dia em que viajou até o Porto São José com o delegado Achilles Pimpão. “A gente estava construindo umas casas lá e o Pimpão me ajudou a puxar algumas vigas. Ele podia só mandar, não precisava fazer nada, mas mesmo assim fazia”, relatou em antiga entrevista à Prefeitura de Paranavaí. Para o alfaiate londrinense Alceu Napoli, o delegado Achilles Pimpão também deixou boas recordações.
De acordo com Napoli, que na infância era vizinho do Cadeião, onde funcionava a Delegacia de Polícia de Londrina, um dia, ele e outros garotos estavam carpindo um terreno para fazer um campinho de futebol, mas foram expulsos por carroceiros que deixavam os cavalos descansando na propriedade. “O doutor Pimpão foi lá com uma escolta policial e ficou com a gente até terminar de carpir tudo. Mais tarde, aquele campinho virou o Estádio Vitorino Gonçalves Dias [VGD]”, revelou Napoli.
Um fato curioso é que o delegado tinha o hobby de criar antas em uma de suas propriedades em Londrina, embora poucas pessoas tenham tido a oportunidade de vê-las de perto. Ao longo da vida, Achilles Pimpão recebeu inúmeras condecorações, inclusive internacionais. Entre as de grande destaque está uma recebida do presidente do Paraguai. No governo Manoel Ribas (1932-1945), Pimpão dirigiu a Penitenciária do Estado, em Curitiba, de 1935 a 1936. Foi o terceiro homem a comandar o primeiro presídio do Paraná. Mais tarde, em 1941, ocupou o cargo de chefe da Casa Militar.
Já em 1947, membro do Partido Social Progressista (PSP), Pimpão tentou seguir carreira política em Londrina e se candidatou a prefeito. Perdeu para Hugo Cabral, do Partido Libertador (PL), por uma diferença de 273 votos. Naquele tempo, Achilles Pimpão já não tinha mais a mesma influência. Além disso, o amigo Manoel Ribas tinha falecido no ano anterior.
Mito ou verdade?
Pioneiros garantem que a fama do delegado Achilles Pimpão era grande em todo o Paraná. O delegado tinha o hábito de percorrer as ruas de Londrina com um caminhão. Só parava em bares, onde recolhia aqueles que não portavam documentos de identificação. Por noite, carregava cerca de quinze pessoas na carroceria.
Pimpão levava todos para a delegacia e mandava alguns subordinados os chicotearem. Em seguida, os obrigava a tirarem os cintos das calças e beberem uma dose de óleo de rícino. O efeito do laxante surgia tão rápido que as vítimas tremiam enquanto seguravam as calças. Depois o delegado ordenava que subissem novamente na carroceria do caminhão e os deixava às margens do Rio Tibagi.
Lá, exigia que entrassem na água, forçando-os a atravessarem o rio a nado até Jataizinho, na Região Metropolitana de Londrina. Quem se recusasse era advertido a tiros. Conforme palavras de testemunhas, a iniciativa do delegado tinha como meta livrar Londrina de marginais e vagabundos. No entanto, há quem acredite que muitos caixeiros-viajantes e funcionários de empresas paulistas tenham sido, não se sabe se por engano ou não, vítimas dos métodos estrambóticos de Achilles Pimpão.
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O sofrimento dos Casarin
Família de imigrantes italianos foi expulsa das próprias terras nos anos 1950
No Noroeste do Paraná dos anos 1950, jagunços expulsaram a família Casarin das próprias terras. À época, toda a família que trabalhava no plantio de café ficou sem moradia e o patriarca ainda foi preso.
O imigrante italiano Zaqueo Casarin veio para o Paraná em 1940. Fixou residência em Bela Vista do Paraíso, no Norte Central Paranaense, onde trabalhou como colono na produção de café. Em 1950, de tanto ouvir falar da Colônia Paranavaí, Casarin decidiu se mudar.
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o italiano conheceu o corretor de imóveis rurais Antonio Borba, funcionário da Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que lhe ofereceu uma propriedade na Gleba 21, próxima ao Porto São José, em área que hoje pertence a São Pedro do Paraná. Casarin achou viável o preço das terras na região e comprou dez alqueires com todo o dinheiro guardado ao longo de anos.
“O registro de venda foi feito no Tabelionato Rocha, de Londrina, mas o documento só saiu em Mandaguari [pois Paranavaí ainda era distrito]”, relatou o imigrante italiano em entrevista ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Naquele tempo, Casarin, que não recebeu o título de propriedade pelo fato de uma empresa privada não poder emitir títulos, nem imaginava que o sonho de sua vida, ter o próprio pedaço de chão, se tornaria um pesadelo.
Em maio de 1952, a família Casarin recebeu a visita de 14 jagunços. Um deles, de forma intimista, se aproximou de Zaqueo e falou: “Você é grileiro aqui.” O imigrante italiano ficou sem reação, pois além de não entender o que estava acontecendo, segundo ele, nunca tinha dado nem mesmo um tapa em alguém. Com medo do pior, a família Casarin deixou a propriedade sem resistir. Antes, assustado, Casarin perguntou quem os mandou até ele.
“Afirmaram que estavam a serviço do ex-desembargador João Alves da Rocha Loures”, revelou. Documentos do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) mostram que Rocha Loures havia requerido três mil alqueires junto ao Governo do Paraná em 1951, nas imediações do Porto São José, alegando compensação por terras transferidas a terceiros.
O que chama atenção é que a expulsão dos moradores da Gleba 21 aconteceu antes do ex-desembargador obter o título de terras daquela região, durante o segundo governo de Moisés Lupion (1956-1961). No conflito com jagunços em 1952, além da família Casarin ficar sem moradia, Zaqueo ainda foi preso por um homem conhecido como tenente Antunes que, de acordo com pioneiros, participou de inúmeras injustiças envolvendo pequenos proprietários rurais de Paranavaí. A sorte de Casarin foi que um influente policial, jamais identificado, foi até a delegacia e exigiu que o soltassem.
Jagunços perturbavam moradores da Gleba 21
Alguns dos filhos de Zaqueo Casarin ainda eram crianças quando a família, que estava preparando o solo para o plantio de café, foi expulsa das próprias terras. Mesmo assim, Paulo Casarin, que na época tinha 13 anos, nunca esqueceu a injustiça e a humilhação que viveram. “Os pequenos sofrem no desbravamento, depois vêm os grandes querendo tomar tudo”, afirmou Paulo em tom de mágoa.
O pioneiro paranaense Jaime Mendonça Alves vivia na colônia quando a família Casarin foi expulsa da Gleba 21. Em entrevista ao escritor Paulo Marcelo, Alves declarou que assistiu tantas injustiças de perto que decidiu ir embora.“Não gostei de Paranavaí por causa do Telmo [Capitão Telmo Ribeiro] e dos jagunços do Rocha Loures [ex-desembargador João Alves da Rocha Loures]. Só tinha picareta”, reclamou.
No mesmo dia em que os Casarin foram expulsos, outras famílias passaram pela mesma situação, inclusive algumas tiveram as residências incendiadas, conforme relatos de pioneiros. A situação estava tão crítica que o governo teve de enviar o tenente Achilles Pimpão, chefe de polícia de Londrina, para impor ordem na gleba.
Na década de 1970, outros jagunços perturbaram a família Casarin e muitos outros moradores do Bairro Leoni (antiga Gleba 21). “Depois ficamos livres, mas isso não apagou as lembranças das vezes em que fomos atacados”, desabafou o agricultor João Demeu. Na década de 1980, o Governo do Paraná reconheceu o direito dos moradores do Bairro Leoni (Ex-Gleba 21) e lhes concedeu licenças expedidas pelo Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), conforme palavras do produtor rural Waldomiro Suntach, de São Pedro do Paraná.
Governo Lupion é culpado pelo impasse de terras
Nos anos 1950, as dificuldades, principalmente burocráticas, para se comprar propriedades rurais do Governo do Paraná fez muita gente recorrer a iniciativa privada. Na Colônia Paranavaí, quem se destacou foi a Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que vendeu 25 mil alqueires de terras. Segundo Volpato, os direitos foram comprados de uma família de Irati, no Sudeste Paranaense.
À época, o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures entrou na justiça contra o Governo Paranaense exigindo, como compensação por terras da Companhia Industrial Brasileira que foram repassadas a terceiros, empresa da qual se declarou herdeiro, uma área de três mil alqueires em Paranavaí, na Gleba 21, onde José Volpato já havia vendido todas as propriedades a colonos de Londrina e Bela Vista do Paraíso, no Norte Pioneiro Paranaense.
A partir disso, surgiu um conflito judiciário entre Rocha Loures e Volpato. Em 1951, o governo paranaense embargou as vendas da Colonizadora Paranapanema até resolver o impasse. O problema maior é que quando tudo isso aconteceu cerca de 600 famílias de ex-colonos viviam na Gleba 21, numa área que hoje pertence a São Pedro do Paraná, em propriedades que variavam de 2 a 25 alqueires. Lá, os produtores rurais já se dedicavam a cafeicultura e intercalavam os cafeeiros com arroz, milho, feijão mandioca e amendoim.
Na documentação dos 25 mil alqueires comercializados pela Colonizadora Paranapanema havia algumas irregularidades, então o governador Moisés Lupion deu o título das terras a Rocha Loures. O documento foi assinado pelo governador interino Guataçara Borba Carneiro. “O Governo Lupion não respeitou os pequenos proprietários que haviam pagado por aquelas terras”, admitiu o consultor do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), do Governo do Paraná, David dos Santos Filho.
Ninguém conseguiu provar direitos sobre a gleba
Entretanto, em 30 de novembro de 1955, o governador interino Adolfo de Oliveira Franco pediu que o caso fosse revisto e exigiu que o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures apresentasse um novo documento que provasse que ele era o herdeiro da Companhia Industrial Brasileira. Rocha Loures entregou somente uma escritura da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), o que não provou o direito de posse sobre os três mil alqueires da Gleba 21, de acordo com Santos Filho.
Em 1964, após tantas confusões, o Governo do Estado declarou a área como de utilidade pública para fins de desapropriação. Porém, já em 1976, Rocha Loures tentou receber 30 mil cruzeiros por cada alqueire perdido; um valor exorbitante, segundo o Tribunal de Justiça que avaliou cada alqueire em 100 cruzeiros. O perito do ex-desembargador, Luiz Gonçalves Campelo, justificou o valor dizendo que o Porto São José se tornaria um dos portos fluviais mais importantes do Brasil. Por isso, segundo Campelo, era justo valorizar as terras ao máximo. Para o consultor do ITC, tal projeção era totalmente sem sentido.
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Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira
Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema
Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.
A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.
No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.
No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.
Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.
No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.
Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.
A morte à espreita no Rio Paranapanema
De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.
Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.
Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.
O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.
Curiosidade
Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.