David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Uma atitude que pode fazer a diferença na vida de alguém

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Tenho certeza que a pessoa vai reconhecer esse seu gesto de boa vontade (Foto: Reprodução)

Tenho certeza que a pessoa vai reconhecer esse seu gesto de boa vontade (Foto: Reprodução)

Ontem, minha mãe foi ao Super Muffato, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, e testemunhou uma situação que tenho certeza que todo mundo já presenciou – o que muda são apenas os personagens.

Uma senhorinha de aproximadamente 60 anos foi comprar alguns alimentos com três netinhas. Na hora de passar no caixa, ela não tinha dinheiro para pagar pelos pacotinhos de suco (e dos mais baratos) que as crianças pegaram. Constrangida, ela acabou devolvendo os produtos.

Com base nesse exemplo, que tal se sempre que encontrássemos alguém nessa situação nos oferecêssemos para pagar pelos produtos? Quem passa por esse tipo de situação normalmente precisa de pouco dinheiro para não deixar nada para trás. E se você não puder arcar com todo o restante, pode se oferecer para pagar por pelo menos um dos produtos. Tenho certeza que a pessoa vai reconhecer esse seu gesto de boa vontade.

Written by David Arioch

January 6th, 2016 at 10:09 pm

As tatuagens de Tiziu

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As formas irregulares revelam o sofrimento que passou para registrar no corpo os nomes dos pais

“Saí da escola porque tiravam sarro de mim, não me encaixava. Me ofendiam, me chamavam de burro" (Foto: David Arioch)

“Saí da escola porque tiravam sarro de mim, não me encaixava. Me ofendiam, me chamavam de burro” (Foto: David Arioch)

Tiziu tem 12 anos e passa a maior parte do tempo nas ruas da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Quem não o conhece, pensa que ele está sempre com raiva. Circunspecto e bicudo, engana apenas os estranhos. Os mais próximos sabem que a feição carrancuda é apenas uma forma de velar a natureza sensível. Mas não é preciso mais do que alguns minutos de conversa para perceber o quanto Tiziu é carente. Suas confidências sobre a vida e o cotidiano revelam mágoa, solidão e ao mesmo tempo um desejo incólume de ser incentivado de alguma forma. “Saí da escola porque tiravam sarro de mim, não me encaixava. Me ofendiam, me chamavam de burro. É o pior lugar do mundo. Prefiro a rua”, sentencia ao pressionar as próprias mãos.

Tiziu costuma conversar evitando contato visual. Quando se sente intimidado, observa tudo a meio metro de altura. Foi condicionado a encarar a vida e o mundo como se fosse um ser rastejante, dotado de um visão limitante que poucas vezes o permite contemplar a totalidade de alguma coisa. “Fico andando pela vila quando não tenho nada pra fazer”, comenta. O garoto normalmente fica pouco à vontade fora do bairro. Deslocado, parece que sente a visão se comprimindo diante de tantos olhares inquisidores. Distante da Vila Alta, já percebeu muitas pessoas o observando, tentando fundamentar suspeitas injustificáveis. “Acho que na mente deles eu não poderia sair daqui nunca”, afirma.

Apesar disso, Tiziu gosta de ir ao shopping, ambiente que segundo ele tem “cheiro de beleza”, onde se sente imerso num universo de “coisas boas”. “Quando estou lá, só vivo o momento. Fui lá poucas vezes. Uma vez comi tão bem que até esqueci quem me olhava torto”, comenta com um sorriso enviesado. Em um antebraço, Tiziu tem tatuado o nome da mãe e no outro o do pai. Há entre eles o desenho de um diamante concebido com esmero. A ideia é mostrar que são duas partes de um todo simbolizando aquilo que o garoto considera o bem mais precioso e raro em sua vida – o amor familiar. A grafia em caixa alta é simples, mas profunda. As formas irregulares das letras revelam o sofrimento que passou para registrar no corpo os nomes dos pais. “Tem a ver com amor, né? Família é pra sempre”, destaca num tom de voz embargado.

As três tatuagens foram feitas por Tiziu com uma maquininha que ele mesmo criou à base de garfo velho, tinta de caneta, fita isolante, agulha de costura, motorzinho, pilhas, isqueiro e estilete. “A gente inventa o que precisa”, diz. O garoto surpreende, não apenas pelas invencionices, mas também porque homenageou duas pessoas com quem não tem convivência diária. A mãe o levou para morar com os avós, alegando que não se davam bem. Tiziu então cresceu sem a presença materna. O pai, morador de outro bairro, não costuma visitá-lo mais de uma vez por mês. “Acho que me criei por aí. Minha avó já é bem idosa e meu avô vive pelos bares”, enfatiza enquanto desliza cuidadosamente os dedos pelas tatuagens, a alternativa encontrada para se sentir mais próximo dos pais.

Saiba Mais

Tiziu é um apelido fictício para preservar a identidade do entrevistado.

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Written by David Arioch

August 7th, 2015 at 7:59 pm

Periferia, sonho, funk e invisibilidade social

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Almoço rendeu um bom bate-papo com crianças e adolescentes da Vila Alta (Foto: Reprodução)

Almoço organizado por Tio Lú rendeu um bom bate-papo com crianças e adolescentes da Vila Alta (Foto: David Arioch)

Ontem, na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o artista plástico Luiz Carlos Prates de Lima, o Tio Lú, preparou um almoço para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social que participam de uma oficina de artesanato em madeira. Aproveitei a oportunidade para conversar algumas horas com a garotada, já que normalmente a turma se divide no decorrer da semana.

Após o almoço, perguntei a cada um dos 15 garotos quais são seus sonhos. Eric, um garotinho de 12 anos, me respondeu com um sorriso tímido: “Ah, meu sonho mesmo é ser MC.” Então interpelei: “Sério? Que tipo de MC? Me dê um exemplo, só pra eu ter uma ideia. A resposta foi a seguinte: “Igual o MC Daleste!” Ingênuo e sonhando com um futuro melhor, Eric não sabia que o seu ídolo, MC Daleste, foi assassinado em 2013. Ficou surpreso quando contei.

Sobre o conteúdo das letras do MC, Eric disse apenas que nunca entendeu muito bem, mas que o estilo sempre o agradou pela “batida” e também porque fala de “coisas” que ele gostaria de ter um dia. Tem gente que prefere generalizar e dizer que quem gosta de funk é isso ou aquilo. Quando se conhece a realidade desses jovens, por exemplo, você percebe que a identificação com o funk tem a ver com um mundo de sonhos, a ingênua vontade do ter para poder existir. “Se eu ganhar um bom dinheiro, não serei mais humilhado”, comentou Tales, de 15 anos.

“Não tenho nada, então as pessoas não me enxergam”, disse outro garoto de 14 anos. Robson, de 12 anos, que adotou um visual de MC e descoloriu os cabelos para ficar parecido com um ídolo, explica que quando um pobre faz sucesso com funk significa que eles também têm uma chance de conseguir se destacar. O gênero também é condenado por quem vive na Vila Alta, mas lá muitos reconhecem que é sim uma forma de cultura, mesmo que famigerada, já que dita paradigmas, tendências, costumes e até mesmo linguagens.

Dos 15 garotos com quem conversei, só um me disse que acredita que um dia vai para a faculdade. Felipe, de 15 anos, que também adotou um visual de MC, gosta do estilo, mas não quer saber de virar funkeiro. Ele sonha em ser engenheiro. A maioria afirma acreditar que não vai conseguir terminar o ensino médio. “Não sei até onde vou chegar, mas aqui muitos pais falam que estudar é perda de tempo”, comenta Robson que tatuou sozinho os nomes dos pais nos braços, apesar de ter sido deixado na rua pela mãe quando tinha só três anos.

Inocência e carência

Quando eu estava indo embora, Yuri, de seis anos, e Gabriel, de oito anos, chamaram a minha atenção: “Ô tio, dá uma carona pra gente até ali em cima.” Então respondi: “Claro, podem entrar!” Yuri e Gabriel sorriram e abriram as portas do carro. Tive que estender a mão para o Yuri subir porque ele é bem pequeno. Os dois se ajeitaram no banco traseiro e começaram a rir, segurando dois pratos de plástico que levaram para participar do almoço na casa do Tio Lú.

Duas quadras depois, Gabriel falou: “É aqui, tio! A gente mora logo ali.” Os dois agradeceram, mas antes de fechar a porta, Gabriel perguntou: “Ô tio, quando é que você volta? Você vai voltar, né?” Respondi que sim e saíram rindo, balançando os pratos de plástico. O que eles queriam não era exatamente a carona, mas passear de carro, mesmo que por um minuto, e também receber mais um pouquinho de atenção antes de partirem para casa.

Written by David Arioch

February 8th, 2015 at 7:26 pm