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O chamado “abate humanitário” não é um retrato tão comum da realidade brasileira

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A privação termina somente com a morte após uma curta vida de exploração

Imagem registrada pelo fotógrafo Piero Locatelli, da ONG Repórter Brasil

Em um país onde a quantidade de matadouros clandestinos pode chegar a 50% do total, é uma grande ilusão acreditar que a maior parte da produção de carne é resultado de práticas que se enquadram no chamado “abate humanitário”. Mesmo que se fale na crescente implementação dessa prática, é inegável que não são raros os casos de privação e sofrimento envolvendo animais criados com fins de abate.

A existência de muitos matadouros clandestinos e a omissão em relação à fiscalização são grandes facilitadores de terríveis abusos contra os animais. Além disso, o YouTube, a mídia alternativa e as redes sociais estão aí para apresentar provas de que o “abate humanitário” não é um retrato comum da realidade brasileira.

No Brasil, a Operação Carne Fraca, que em março denunciou que as gigantes JBS (Friboi, Seara e Big Frango) e BRF (Sadia e Perdigão) estavam mascarando carne vencida usando produtos químicos, levantou, mesmo que modestamente, uma discussão sobre o “abate humanitário”, prática ainda muito questionável pelo seu caráter subjetivo que não garante que o animal seja “bem tratado” antes de ser morto.

Há quem diga que essas “falhas” envolvendo o abate de animais ainda acontecem por causa da defasagem na Instrução Normativa Nº 03 de 2000, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que versa sobre o regulamento técnico de métodos de insensibilização para o “abate humanitário”. No artigo “Abate dito ‘humanitário’ e o que diz a legislação brasileira”, publicado pelo site Abolicionismo Animal, os autores Ana Karine Gurgel D’Ávila e Wesley Lyeverton Correia Ribeiro apontam que não há diferenciação nos limites máximos de tempo entre o atordoamento e a sangria para as várias espécies destinadas ao consumo humano.

Outra prova de displicência, e que corrobora que o “abate humanitário” não é uma realidade comum no Brasil, foi apresentada no ano passado pela ONG Repórter Brasil. Por meio de reportagens e vídeos, eles denunciaram que trabalhadores e animais são maltratados na indústria da carne com chutes, socos e pauladas.

Mostraram que as fazendas fornecedoras da JBS, que se define como a maior indústria de proteína do mundo, contradizem o marketing da empresa, não seguindo as recomendações do Ministério da Agricultura. Ou seja, se essa é a realidade que envolve os grandes produtores de carne, que operam de forma regularizada, o que acontece em matadouros clandestinos, conhecidos por métodos mais violentos de abate?

De acordo com José Rodolfo Ciocca, gerente de Campanhas HSA (Humane and Sustainable Agriculture) da World Animal Protection, no Brasil, frigoríficos que não atendem as normas de “abate humanitário” recebem um relatório de não-conformidade, e caso o problema persista, podem ser multados. Ou seja, animais podem morrer de forma violenta, e nem por isso alguém precisa pagar alguma multa caso não haja reincidência.

A situação não melhora quando o assunto são os matadouros municipais e estaduais, porque apenas matadouros privados precisam seguir um programa de autocontrole. Além disso, qualquer punição depende de um inspetor que, em 80% dos casos, nunca está presente, segundo Ciocca. E se houver interferência política quando um frigorífico for fechado, seja por operar irregularmente ou por torturar e ferir animais antes do abate, ele não recebe nenhum tipo de punição e ainda pode retomar as atividades, mesmo que o abate seja praticado a marretadas.

Em 2008, o artigo “A clandestinidade na produção de carne bovina no Brasil”, de autoria dos pesquisadores João Felippe Cury e Marinho Mathias, publicado pela Embrapa, informou que “várias estimativas de especialistas do setor apontam uma clandestinidade [de matadouros] que varia de 30% a 50%, sendo mais comum os dados próximos a 50%”.

Em 2013, a BeefPoint publicou um artigo mostrando que a situação ainda era a mesma. E no ano passado, esses números foram corroborados por outras denúncias. Em 12 de dezembro de 2016, a Folha Web publicou uma reportagem em que técnicos da Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (Aderr) declararam que 100% das carnes de porco de Roraima são provenientes de matadouros clandestinos.

Em 23 de dezembro de 2016, o Canal Rural informou que somente em São Paulo há pelo menos quatro mil avícolas clandestinas, baseando-se em dados coletados pela Universidade de São Paulo (USP). E onde há clandestinidade, há falta de higiene e muita violência, já que para baratear os custos de produção os métodos de execução costumam ser os mais cruéis. Outro ponto a se considerar é que com “abate humanitário” ou não, a privação termina somente com a morte após uma curta vida de exploração.

Referências

http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/carne-fraca-perguntas-e-respostas-sobre-a-operacao-da-pf-nos-frigorificos.ghtml

http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/abateditohumanitrioeoquedizalegisla_obrasileira.pdf

http://colunas.revistaepoca.globo.com/planeta/2013/05/03/e-possivel-abater-um-animal-de-forma-humanizada/

https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/viewFile/424/375

http://www.canalrural.com.br/videos/jornal-da-pecuaria/aves-abatedouros-clandestinos-ameacam-saude-77047

http://www.folhabv.com.br/noticia/100–das-carnes-de-porco-vem-de-abatedouros-clandestinos–/23315

http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/giro-do-boi/alex-bastos-qual-a-verdadeira-porcentagem-de-clandestinidade-no-comercio-de-carne-bovina-menos-de-5-indiscutivelmente-nao-e-leitor-comenta/

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