David Arioch – Jornalismo Cultural

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“Tinha que desviar dos cipós pra não cair”

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Gabriel Schiroff e as antigas histórias do distrito de Graciosa

Graciosa ainda no início da colonização (Foto: Reprodução)

Graciosa nos primeiros anos da colonização (Acervo: Ordem do Carmo)

 Em 1951, quando o produtor rural Gabriel Schiroff se mudou com a família para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, Graciosa ainda não era uma colônia. À época, ninguém chegava ao futuro distrito sem percorrer um precário e estreito carreador. “A gente tinha que se defender das perobas e desviar dos cipós pra não cair da carroceria do caminhão. Paranavaí era distrito de Mandaguari e lembro que sua área ia da beira do Rio Paranapanema até o Rio Ivaí”, relatou sorrindo o pioneiro que perdeu as contas de quantas vezes teve de descer do veículo para abrir caminho entre a mata virgem.

A viagem de Santa Catarina até Paranavaí foi difícil, mas Schiroff afirmou ter valido a pena porque as pessoas se divertiam e sabiam lidar da melhor forma possível com as adversidades. “Todo mundo vivia mais alegre e gostava mais de trabalhar. Se contar tudo que passamos nos anos 1950, muitos dos jovens de hoje em dia não acreditariam”, comentou. No mesmo período da chegada dos Schiroff, o distrito recebeu cerca de 50 famílias de outras regiões do Paraná e de Santa Catarina. A população era composta basicamente por sulistas de origem europeia, o que deu a colônia uma característica de comunidade germânica.

No início a Família Schiroff começou a se dedicar à lavoura. Em seguida construíram uma farinheira e decidiram comercializar em Paranavaí tudo que produziam. “Todo dia a gente vendia dois caminhões carregados de farinha de mandioca para a Casa Estrela, em Paranavaí”, contou Gabriel. A família também se empenhava na cafeicultura e na serraria a vapor, chegando a cortar madeira para toda a população do Distrito de Graciosa.

Francisca Schiroff, esposa de Gabriel, começou a lecionar no povoado em 1952, meses antes do médico José Vaz de Carvalho ser eleito como o primeiro prefeito de Paranavaí. “Logo vieram muitos padres da Alemanha pra Paranavaí, então surgiu a ideia de construir um seminário em Graciosa”, explicou o pioneiro. Nos anos 1950 a modesta economia do povoado era baseada na agricultura, bovinocultura e suinocultura, pois o comércio se concentrava no centro de Paranavaí, onde havia grande demanda por produtos orgânicos e de origem animal.

A população de Graciosa demorou para começar a lucrar com as produções porque a colônia se situava em meio à mata nativa, numa região ainda isolada e pouco visitada. Além disso, nem todos tinham condições de ir até a cidade vender os próprios produtos. “O bom era que tinha bastante madeira, então a gente trabalhava até aos domingos. Duas pessoas levavam metade de um dia para derrubar uma árvore com quase dois metros de tronco. Era preciso derrubar com machado porque não existia motosserra”, destacou.

Em 1952, quando as residências do distrito ainda eram de tábuas e pau-a-pique, Gabriel presenciou um pouso forçado de um avião que perdeu a rota de Londrina até Nova Esperança. “Ele rodou várias vezes aqui por cima, até que acabou o combustível e aterrissou em uma rua. Paramos o trabalho na mata e fomos lá ver se estava tudo bem. Só havia duas pessoas e ninguém se feriu. À tarde, arrumamos gasolina pra eles em Paranavaí. Depois o pessoal empurrou o avião e eles seguiram viagem”, contou. Na década de 1950 era muito comum aparecerem aviões perdidos em Paranavaí, normalmente porque o piloto errava o percurso. Mas em todas as situações, por mais difíceis que fossem, a população sempre conseguia auxiliar os viajantes.

Naquele tempo, sem a conscientização ambiental da atualidade, os moradores de Graciosa encaravam as onças como grandes ameaças. Por isso aconteciam caçadas frequentes e o desfecho quase sempre culminava na morte do animal. Um dia o falecido pioneiro José Venturini Schiroff tinha montado uma armadilha para pegar paca e quando voltou viu alguns rastros de onça. Mais adiante, encontrou os restos do seu cachorro comido pelo animal. Revoltado, chamou um vizinho, reuniu alguns cães caçadores e adentrou a mata. Em poucos minutos foi surpreendido pelos cachorros voltando correndo, arrepiados e latindo.

Mesmo sem os cães por perto, se aprofundaram na floresta até verem uma árvore um pouco torta. “A onça estava lá em cima se preparando para dar o bote. Meu irmão e os dois vizinhos deram três tiros. A acertaram e ela caiu morta. Era uma onça pintada de mais de 80 quilos”, revelou Gabriel Schiroff.

Observação do Autor

 Em 2006 e 2007, tive a oportunidade de conversar diversas vezes com o pioneiro e produtor rural Gabriel Schiroff, que sempre foi muito atencioso não apenas em me conceder longas entrevistas no Sítio Nossa Senhora Aparecida, como também me mostrando todo o acervo histórico preservado pela família desde os tempos da colonização (há inclusive arquivos que datam das décadas de 1900 e 1910). Gabriel e a esposa, a pioneira e professora Francisca Schiroff, são importantes personagens de Paranavaí e de Graciosa.

Pesquisando sobre história regional desde 2006, e entrevistando centenas de pessoas, posso acho justo afirmar que o acervo particular da Família Schiroff sobre a história de Paranavaí é um dos maiores já vistos. A relação cultivada com o passado, a partir dos mais diversos tipos de registros, demonstra não apenas um grande amor dos Schiroff pelas coisas desta terra, mas também um anseio de preservar e valorizar a identidade local. Infelizmente o pioneiro Gabriel Schiroff faleceu em 27 de julho de 2012 em decorrência de graves problemas de saúde. No entanto deixou um legado de muitas histórias que enaltecem a bravura daqueles que aqui chegaram nos tempos mais inóspitos.

Paranavaiense ou mandaguariense?

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População de Paranavaí teve de registrar os filhos em Mandaguari até 1952

Em 1950, Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari (Foto: Toshikazu Takahashi)

Em 1950, Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari (Foto: Toshikazu Takahashi)

Até 1952, muitos moradores de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, enfrentaram dificuldades para se casar e registrar os filhos. Naquele tempo, Paranavaí era apenas um distrito de Mandaguari e não tinha cartório próprio.

Os produtores rurais Gabriel e Francisca Schiroff, que chegaram a Paranavaí nessa época e fixaram residência em Graciosa, lembram com preciosismo as agruras de um tempo que a comunidade distrital se resumia a 50 famílias. “Tudo era muito difícil e Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari. A situação só começou a melhorar no final de 1952, quando aqui virou cidade”, conta o pioneiro Gabriel Schiroff.

Até então, antes de Paranavaí tornar-se município em 14 de dezembro de 1952, era comum Mandaguari constar como cidade natal no registro de nascimento. Exemplo é o produtor rural Eugênio Vandresen, residente em Graciosa, que enfrentou uma situação inusitada por ter nascido naquele ano. “Quando fui servir o exército em Brasília, me perguntaram onde nasci. Então respondi Paranavaí, daí retrucaram que eu não sabia onde nasci, já que consta Mandaguari”, destaca Vandresen rindo. Outro problema apontado pela pioneira Francisca Schiroff era a inexistência de padre e igreja na “cidade”.

Pais começaram a registrar os filhos em Paranavaí só em 1953 (Foto: Toshikazu Takahashi)

Pais começaram a registrar os filhos em Paranavaí só em 1953 (Foto: Toshikazu Takahashi)

Mesmo com a condição oficial de município, houve muitos casos de pais que, em função da distância até o cartório, registravam os filhos até meses depois. Para não pagar multa, mentiam para o cartorário, informando que a criança nasceu no dia em que o registro era feito. “Nasci em 7 de maio de 1956, mas na certidão de nascimento consta 20 de julho. Ou seja, meu pai me registrou mais de dois meses depois. Esse tipo de coisa acontecia principalmente com quem morava na zona rural”, exemplifica a empreiteira Maria Neuza Silva.

Situações inimagináveis na atualidade faziam parte do cotidiano de quem viveu em Paranavaí nos primeiros anos da década de 1950. Exemplo é o tio de Eugênio Vandresen que, acompanhado da noiva, saiu de Graciosa e foi até Mandaguari a pé para se casar. Depois de oficializado o matrimônio, retornaram para casa, onde parentes e amigos preparavam a festança. “Parece algo impossível, mas na época não era. Hoje, se alguém tiver de fazer isso, desiste de se casar”, comenta Gabriel Schiroff às gargalhadas, ressaltando a força de vontade dos habitantes da época.

Mas, segundo a pioneira Francisca, no final da década de 1950, a realidade de quem vivia em Graciosa ou na zona rural de Paranavaí mudou bastante. “A partir dessa época, a cidade começou a evoluir e tudo ficou mais fácil. Só quem viveu aquele período entende isso”, avalia.

À época, a população de Graciosa só deixava o distrito quando surgia alguma grande necessidade (Acervo: Ordem do Carmo)

À época, a população de Graciosa só deixava o distrito quando surgia alguma grande necessidade (Acervo: Ordem do Carmo)

Viagem tinha de valer a pena

Imagine um grupo de pessoas subindo sobre a carroceria do velho caminhão de uma serraria; único transporte acessível para chegar até a cidade. Logo depois de alguns minutos no carreador, o veículo apresenta um problema mecânico e todo mundo é obrigado a descer.

Ao redor, sentem apenas um forte cheiro de vegetação queimada; colonizadores estão ateando fogo no mato. Enquanto as chamas se alastram, a fumaça se conduz até o carreador. No horizonte, o ponto de referência para a cidade é perdido, restando apenas uma saída: contornar o trajeto da queimada.

A realidade descrita acima foi vivenciada inúmeras vezes por Francisca Schiroff e outros pioneiros de Graciosa, quando se aventuravam em sair do distrito para vir a Paranavaí. “Ninguém podia se dar ao luxo de ficar doente. Quando o caminhão da serraria não passava por aqui, a gente recorria ao meu cunhado que tinha um Ford 1950. Só chamávamos ele quando alguém realmente precisava de médico”, revela a pioneira.

“Vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria”

A população de Graciosa só deixava o povoado quando surgia alguma necessidade primária. A mais comum era a aquisição de roupas. As compras eram feitas nas duas lojas que existiam na cidade. Uma de propriedade de Carlos Faber e a outra de Severino Colombelli.

Francisca Schiroff era exceção. Deixava Graciosa mesmo quando os carreadores estavam intransitáveis. Enquanto a maioria vinha a Paranavaí quatro vezes por ano, ela se aventurava pelo menos uma vez por mês. “Tudo que era feito no sítio, a gente levava para vender na cidade. Lembro que vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria. O pessoal adorava broa de milho”, relata a pioneira sorrindo.

Nos anos 1950, de acordo com Gabriel Schiroff, os clientes gostavam muito de comprar banha de porco porque o óleo de cozinha ainda não era comercializado. “Era muito bom, principalmente para frituras”, enfatiza. O sucesso dos produtos rendeu fama aos produtores rurais de Graciosa. Tanto que quando alguma carroça do distrito chegava carregada de alimentos, a população da cidade a cercava. “Sabiam sempre qual o dia que estaríamos lá. Nem era preciso dizer”, complementa Francisca.

Curiosidade

Francisca Schiroff nasceu no Patrimônio de São José, em Santa Catarina. Como não havia cartório no local, foi registrada em uma cidade próxima – Braço do Norte.

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