David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘carrinho’ tag

“Nossa, o seu carrinho é o mais lindo que já vi! Quanto verde, quanta cor”

without comments

“Não tem quase coisas industrializadas”

Depois de levar meu irmão para fazer uma prova em Maringá, passei em um mercado para comprar algumas coisas. No caixa, a atendente fez uma observação:

— Nossa, o seu carrinho é o mais lindo que já vi! Quanto verde, quanta cor, e não tem quase coisas industrializadas. O que mais se vê por aqui são carrinhos cheios de carne, coisas prontas, enlatados e muita bobagens, essas coisas.

Fiquei lisonjeado, mas admito que essa observação me fez pensar depois: “Estamos imersos em uma cultura onde um ‘carrinho colorido’ chama a atenção porque não faz parte da realidade comum.”

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Written by David Arioch

August 20th, 2017 at 12:08 am

O homem e o carrinho

without comments

No mercado, vi um senhor fazendo um esforço hercúleo para empurrar um carrinho abarrotado de carne

No mercado, vi um senhor fazendo um esforço hercúleo para empurrar um carrinho abarrotado de carne. Havia tanta carne que por um momento ele parou de empurrá-lo. Em seguida, enxugou o líquido viscoso que escorria de um dos sacos de carne, lambuzando sua mão direita. Seu carrinho não era o único na mesma situação.

Antes que eu me afastasse, um de seus filhos se aproximou e o questionou se não havia carne demais no carrinho. Incomodado, o homem respondeu, num paradoxo ruidoso: “Carne é vida. Melhor sobrar do que faltar.” Por outro lado, ele sentia-se desconfortável porque uma de suas mãos estava grudenta. Sem velar a expressão de repulsa, na tentativa de limpá-la, ele acabou esfregando a mão em uma porção de belas laranjas.

Em menos de minuto, algumas testemunhas se aproximaram e viram as laranjas manchadas pelos glutinosos vestígios de carne. Então reclamaram: “Que sujeito nojento! Eu que não pego essas laranjas!” E partiram empurrando seus carrinhos cheios de peru, tender, pedaços de carne bovina e bandejas de presunto.

Contribuição

Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:





Dona Maria e o carrinho branco

with 21 comments

Dona Maria criou nove filhos com a renda de um carrinho de doces

Dona Maria em frente ao companheiro de longa data (Foto: David Arioch)

Abandonada pelo marido na juventude, a vendedora ambulante Maria Vieira dos Santos, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, conseguiu se reerguer e sozinha criou nove filhos com a renda de um carrinho branco de doces.

No início da década de 1970, Dona Maria, como é mais conhecida, trabalhou como diarista e lavadeira. À época, era mal remunerada. Recebia o equivalente a R$ 2,50 para lavar dois sacos grandes de roupa que pesavam cerca de 20 kg. Para a mulher que falava das dificuldades do passado com um sorriso tímido, era inevitável mostrar os calos remanescentes, lembranças de uma fase de agruras.

Quando atuava como diarista era muito comum Dona Maria iniciar a jornada de trabalho às 6h e retornar para casa somente à noite, carregando no bolso um punhado de notas que garantia a subsistência da família. Na moeda de hoje, não passaria de R$ 5. Quando não ofereciam alimentação no serviço, Maria ficava sem comer.

Além do trabalho pesado e dos nove filhos pequenos para criar, ela teve de lidar com a indiferença do marido, alguém que passava o dia em casa, desinteressado em procurar emprego. Um dia, sem avisar, o homem foi embora para o Mato Grosso. A situação ficou tão difícil que teve dúvidas sobre o que fazer da vida, então surgiu uma oportunidade. “Minha irmã que vivia em São Paulo adoeceu. Pediu que eu fosse até lá visitá-la. Quando cheguei, vi um negócio compridinho de diversas cores. O marido de minha irmã falou que chamava ‘gelinho’, então decidi trazer a Paranavaí”, relembrou.

O cunhado de Dona Maria comprou 10 mil saquinhos para geladinho e 10 litros de liga para o preparo. “Quando cheguei aqui, percebi que ninguém nunca tinha visto geladinho. O problema era que eu não tinha um freezer para conservá-los”, reiterou. Solidários com a situação, alguns amigos compraram o refrigerador. “Me deram o freezer e falaram que eu iria pagar com as vendas. Foi o que aconteceu, paguei cada centavo”, destacou orgulhosa. A princípio, se limitou a comercializar geladinhos, até que encontrou um amigo disposto a trocar um carrinho de doces por uma bicicleta.

Já com o novo veículo, Dona Maria comercializou uma grande gama de produtos ao preço de dez a cinquenta centavos. Chips, geladinho, goma de mascar, cocada, doce de abóbora, mariola, maria-mole, bala, pirulito e muitos outros que sempre estiveram alinhados cuidadosamente por trás da vidraça do velho companheiro. “Graças a esse carrinho, consegui comprar uma casa e criar meus nove filhos. São seis mulheres e três homens”, enfatizou.

Madalena dá continuidade ao legado da mãe (Foto: David Arioch)

Madalena dá continuidade ao legado da mãe (Foto: David Arioch)

Desde 1974, a vendedora estacionava o velho carrinho branco em frente ao Colégio Estadual Sílvio Vidal. “Vi muitas crianças se formarem nesse colégio, inclusive os meus filhos. Os pais daqueles que hoje estudam aqui também compravam doces comigo”, revelou. Infelizmente, após mais de 30 anos dedicados a mesma atividade, em dezembro de 2008, Maria Vieira dos Santos foi vítima de um ataque cardíaco, mal que a separou do carrinho branco, da família, amigos e estudantes do Sílvio Vidal. Hoje, Madalena Vieira dos Santos, uma das filhas de Dona Maria, é quem com a parceria do velho carrinho branco dá continuidade ao legado da mãe.

Saiba mais

A reportagem acima homenageia a bem-humorada mineira Maria Vieira dos Santos, a quem tive o prazer de entrevistar em 2006/2007. É uma personalidade que faz parte da história de milhares de pessoas, principalmente na infância, que estudaram no Colégio Estadual Sílvio Vidal.

No dia da entrevista, Dona Maria disse uma frase inesquecível e que fez jus à sua personalidade aguerrida e perseverante. “Sinto uma paz de espírito muito grande quando estou trabalhando. Me falaram que eu já devia ter parado, mas eu digo que enquanto estiver mexendo as pernas vou continuar.”

A vendedora Maria Vieira dos Santos começou a trabalhar no campo com oito anos de idade. Atuou nas lavouras de mamona, algodão, arroz e feijão.

Atendia em média 80 crianças e adolescentes todos os dias e foi pioneira na comercialização de geladinhos em Paranavaí. Segundo ela, na década de 1970 os sabores que mais atraíam as crianças eram menta, uva, groselha e abacaxi.