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Uma situação de risco
Há três anos, eu estava parado em um semáforo em uma rua escura. Notei duas motos colando no meu carro. Quando vi pelo retrovisor um rapaz abrindo a mochila, retirando algo rapidamente e a repassando para o outro motociclista, não pensei duas vezes. Iriam me assaltar.
Os dois usavam capacete com viseira preta, o que tornava impossível identificá-los. Assim que o semáforo abriu, segui meu caminho, mas fingindo que estava tudo bem. E os dois vieram no encalço, cada um de um lado. Decidi mudar o trajeto. Assim que virei à esquerda, derrubei sem querer um dos motociclistas, que bateu na lateral, rente ao pneu traseiro.
Parei o carro e fui até ele pra saber se estava machucado. O jovem estava bem, apenas atordoado. Ofereci toda a assistência necessária, inclusive autorizei que ele substituísse todas as peças danificadas da moto. Também recomendei que ele não fizesse mais aquilo. O pneu da moto dele estava quase colado no meu para-choque no semáforo. E eram mais de 23h. Difícil não pensar que era um ladrão.
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Uma tentativa de furto
No sábado, quando eu estava perto da rodoviária, esqueci meu celular no carro. Quando voltei para buscar, vi um cara de costas tentando abrir a porta do meu carro.
— Cara, o que você está fazendo aí?
— Ô parceiro, foi mal mesmo. Deixei cair algo aqui perto da porta. Perdão…
— É mesmo? Então me mostre aí o que você perdeu.
— Peraí. Tô procurando aqui.
— Não estou vendo nada.
Quando cheguei mais perto, reconheci o sujeito. Era um garoto que conheço há anos.
— Cara, você estava tentando abrir o a porta do meu carro. Sério mesmo que você achou que isso fosse uma boa ideia?
— Ah, mano! Não é nada disso não. Te disse.
— Rapaz, meu carro é legal, pode até render uma grana, mas você acha que ele vale mais do que sua vida? Sua liberdade? Conheço sua família. Seu pai vive em uma cadeira de rodas e sua mãe ganha a vida trabalhando até anoitecer fazendo faxina. São gente boa. Não merecem isso. O que tem de errado contigo?
— Ah, mano! Que se foda! Ninguém dá emprego, então tô arriscando.
— E valeu a pena se arriscar? E se eu fosse um desconhecido armado? Um cara agressivo poderia atirar em você ou te matar a pancadas por causa disso. Não se importa de ser preso também?
— Sei lá, mano! Só vi o carro de longe e colei aqui. Não pensei em nada não. Nem sabia que era seu.
— Não faça isso não, cara. Não sabia que você tinha virado ladrão. Tem quanto tempo isso?
— Tô sem trampo tem meses, doido. E a mulher lá já disse que vai mandar prender se não pagar a pensão da criança de novo. Então prisão por prisão, tá tudo na merda mesmo.
— Você já cometeu outros crimes?
— Só coisa pouca, tipo radinho, duas, três vezes.
— Você tem que idade?
— 21…
— Rapaz, sai dessa vida porque isso vai ficar caro pra você.
— E vou fazer o que?
— O que você sabe fazer? Terminou o ensino médio?
— Terminei sim, mano. Mas só trabalhei como servente de pedreiro até hoje, mas ninguém tá pegando.
— Sei, cara. Vou aliviar essa pra você, mas se eu souber que você tem aprontado, não vou deixar quieto não. E vou procurar me informar sobre o que você anda fazendo por aí. Outra coisa, segunda-feira você vai aparecer nesse endereço aqui às 7h30 sem falta. Já vou deixar avisado. Se você der mancada comigo…
Hoje, passei em uma obra no final da tarde para falar com um amigo que é construtor.
— O rapaz realmente leva jeito. Se ele mantiver o ritmo, vamos ver se colocamos ele num curso de pedreiro.
— Boa notícia. Bom saber disso.
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Um motorista embriagado
Em novembro de 2014, eu estava em frente a um mercado quando um motorista bateu à esquerda do meu carro e seguiu ziguezagueando pela rua. Quando vi o amassado pelo retrovisor, fui atrás dele. Sinalizei para que parasse e ele encostou o seu Corcel II bem deteriorado, com o escapamento arrastando no asfalto.
Desci e caminhei em sua direção. Embriagado, o sujeito mal falava. Sua esposa também desceu e expliquei que ele bateu no meu carro. Constrangida, a mulher se desculpou enquanto o marido fazia caretas, ria e tamborilava as mãos sobre o capô do carro. Ele parecia não se importar com a situação. No banco de trás, uma garotinha de tranças, com três ou quatro anos, assistia tudo em silêncio, segurando uma bonequinha inteiriça de plástico duro, dessas mais baratas.
A esposa do motorista me deu o número do seu telefone e implorou para não chamar a Polícia Militar. Na realidade, eu nem tinha essa intenção. Ela sugeriu que eu entrasse em contato para passar o orçamento do conserto. Antes de ir embora, perguntei de onde eles eram e o que faziam. “A gente mora e trabalha na roça dum homi aí, ‘samo lavrador’. Tamu ino visita o túmulo da minha mãe. Pedi pra ele não beber, mas é teimoso demais. Cê pode ligar qualquer hora”, se justificou constrangida.
Nunca liguei. Só assisti o sujeito serpenteando o carro e desaparecendo dois quarteirões abaixo enquanto a fumaça do escapamento ocultava o veículo. A sinuosidade de suas vidas talvez fosse representada pelos traços sulcados no rosto daquela mulher precocemente envelhecida. Meu prejuízo material nem de longe se aproximava do seu padecimento existencial.
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Levando um calango para passear
Sem querer, levei agora um animalzinho, que provavelmente desceu de alguma árvore, para dar uma volta de carro. Tive que sair rapidamente e na primeira esquina notei um calango se movendo sobre o centro do capô. Parecia bem tranquilo. Só mostrava a linguinha.
Quando cheguei ao meu destino, ele encostou a cabeça no capô e assim ficou, até eu ligar o carro novamente. Então retomou a posição anterior. Em momento algum ameaçou descer do carro ou se esconder. Só quando cheguei em casa e coloquei o veículo na garagem que percebi que ele se escondeu. Ainda consegui tirar uma foto para mostrar o calango que gosta de sentir o vento sobre o capô.
Direção e fome
Parece que a fome é capaz de deixar as pessoas um pouco mais agressivas. Por volta das 11h50, trafegando pela Avenida Parigot de Souza, vi logo mais a frente um senhor com a porta do carro aberta, então reduzi a velocidade até dar tempo dele fechá-la. Um motorista abespinhado passou do meu lado em alta velocidade, quase rasurando a lataria do meu carro. Sentindo-se o dono da razão, seguiu buzinando, como se eu tivesse feito algo de errado. Não é um relato incomum. É rotina numa cidade fleumática de motoristas famintos.
15 quilômetros eram percorridos em uma hora
“A única diferença entre um automóvel e uma carroça é que um era motorizado e o outro não”
Na década de 1950, quem se aventurava pela região de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, levava pelo menos uma hora para percorrer 15 quilômetros de carro, jipe ou caminhão. As dificuldades de tráfego faziam com que muita gente saísse da cidade somente em casos de extrema necessidade.
Encarar uma viagem pela região Noroeste do Paraná nem sempre foi sinônimo de lazer e prazer, é o que indica depoimentos de pioneiros que viviam em Paranavaí nos anos 1950. À época, deixar a cidade não tinha nada a ver com a satisfação de fugir da rotina cotidiana, mas sim de cumprir uma obrigação. Na maioria das vezes, os pioneiros pegavam a estrada a trabalho, para comprar produtos necessários à subsistência que estavam em falta em Paranavaí ou até mesmo levar um enfermo a algum hospital com melhor estrutura.
“Naquele tempo, quase ninguém gostava de viajar, a não ser os mais jovens e aventureiros. Quem tinha família, preferia ficar em casa, descansando. Era muito melhor do que seguir pelo picadão e ainda ter que entrar na mata quando viesse um carro na outra direção”, comentou o pioneiro cearense João Mariano. A justificativa é que durante a colonização local as vias urbanas e as estradas da região eram tão precárias que dificilmente alguém conseguia percorrer mais de 15 quilômetros em menos de uma hora.
“A maioria dos veículos não oferecia conforto e eram lentos. Alguns trajetos eram feitos até numa velocidade ainda inferior. A única diferença entre um automóvel e uma carroça é que um era motorizado e o outro não”, comentou Mariano em tom bem humorado, acrescentando que de vez em quando os pioneiros atropelavam alguns animais selvagens pelo caminho.
O pioneiro paranaense Juscelino Camilo de Oliveira costumava viajar de caminhão, percorria toda a região de Paranavaí para abastecer dezenas de armazéns espalhados por cidades e povoados do Noroeste Paranaense. Oliveira disse que já estava acostumado a passar a maior parte do tempo longe da mulher e dos filhos.
“Nessas minhas empreitadas, vivi muitas situações inusitadas. Lembro de quando estava voltando do Porto São José e logo na entrada de Paranavaí ouvi uns grunhidos, gemidos, bem, barulhos que não consegui identificar. Encostei o caminhão rente a uma árvore. Quando desci e me aproximei, tinha um guaxinim e um filhote de jaguatirica pendurados na lona. Levei um baita susto e eles também, tanto que rapidinho correram pra mata nas imediações do Jardim São Jorge”, relatou.
Juscelino Camilo ainda admitiu ter atropelado alguns animais à noite durante as viagens como caminhoneiro, contudo, ressaltou que eram sempre bichos de pequeno porte. “No escuro, com a mata quase colada na estrada, o bichinho passava na frente e não dava pra evitar o atropelamento. Tudo acontecia rápido demais, apesar do caminhão ser lento. Ás vezes, eu ficava na dúvida e me esgueirava pela janela pra ver, daí ficava aliviado quando enxergava o animal terminando a travessia”, destacou Oliveira.
“Qualquer deslize podia fazer invadir a mata e bater numa árvore”
O pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza contou que o pesadelo dos viajantes até a década de 1950 era “encarar a estrada” em dias de chuva. “Viajei poucas vezes com meu jipe em tempos chuvosos. Teve uma vez que a minha filha adoeceu e não melhorava de jeito nenhum, daí levei ela até Londrina, pois lá eu tinha um primo que era um ótimo médico. Só que a viagem foi terrível porque a lama estava bem funda e o carro atolou umas sete, oito vezes, mesmo amarrando correntes nas rodas. A gente saiu daqui num domingo e chegou lá só na terça-feira, pra você ter uma ideia de como a estrada ficava pior ainda com o tempo ruim”, revelou Souza.
Como os veículos eram lentos e as vias se resumiam a picadões, os acidentes não eram graves, embora aconteciam com certa frequência. O pioneiro catarinense José Matias Alencar explicou que em 1952 já era preciso ser um bom motorista para que a viagem fosse completada com sucesso. “Mesmo que a estrada fosse uma só, mudava muito de um trecho até o outro e isso era enganoso. Em um pedaço, você tinha uma pista mais transitável, e logo ali na frente o chão já era diferente, com sobras de vegetação pelo caminho. Se o peão não estivesse atento, qualquer deslize podia fazer ele invadir a mata e bater numa árvore. Eu, por exemplo, em 1950, não conhecia direito a região e bati meu carro perto da Capelinha [atual Nova Esperança]. Tive que voltar pra Paranavaí a pé”, enfatizou Alencar que chegou à cidade só no dia seguinte.