David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Cegueira’ tag

Jorge Luis Borges: “Comecei a perder a vista desde o momento em que comecei a enxergar”

without comments

1348616597421-cached

Borges: “Uma das primeiras cores que se perde é o negro” (Foto: Reprodução)

Em 1985, durante o programa Conexão Internacional, da TV Manchete, Roberto D’Ávila questionou o escritor argentino Jorge Luis Borges sobre a sua experiência com a cegueira. Então ele respondeu o seguinte:

“Uma das primeiras cores que se perde é o negro. Perde-se a escuridão e o vermelho também. Vivo no centro de uma indefinida neblina luminosa. Mas não estou nunca na escuridão. Neste momento esta neblina não sei se é azulada, acinzentada ou rosada, mas luminosa.

Tive que me acostumar com isto. Fecho os olhos e estou rodeado de luz, mas sem formas. Vejo luzes. Por exemplo, naquela direção, onde está a janela, há uma luz, vejo minha mão. Vejo movimento, mas não coisas. Não vejo rostos e letras. É incômodo mas, sendo gradual, não é trágico. A cegueira brusca deve ser terrível. Mas se pouco a pouco as coisas se distanciam, esmaecem.

No meu caso, comecei a perder a vista desde o momento em que comecei a enxergar. Tem sido um processo de toda minha vida. Mas a partir dos 55 anos, não pude mais ler. Passei a ditar. Se tivesse dinheiro, teria uma secretária, mas é muito caro. Não posso pagar.”

Written by David Arioch

January 28th, 2017 at 8:37 pm

Política e desconforto

without comments

Pintura "Doubt", de Ralph McDonald

Pintura “Doubt”, de Ralph McDonald

Um grande problema que percebo hoje em dia é a dificuldade de muitas pessoas em aceitar que alguém não se sinta confortável em apoiar a qualquer custo nenhuma ideologia política, ainda mais levando em conta o nosso mais do que híbrido cenário atual.

A partir do momento que você defende cegamente qualquer lado, seja de situação ou oposição, você está deixando claro que não reprova nem mesmo falhas excruciantes. E isto é um grande problema de algumas formas de militância da atualidade, a incapacidade em reconhecer erros.

E vejo muito desse “maniqueísmo ideológico e político” na internet. Existe uma unilateralidade visceral de raciocínio. Tenho opinião formada sobre algumas coisas, mas elas podem e em certas circunstâncias até devem ser mutáveis.

Written by David Arioch

May 23rd, 2016 at 11:53 pm

O poder transformador da musculação

without comments

Facing Goliath narra a história de superação do fisiculturista canadense Ray Taylor

02

Fisiculturismo ajuda Ray Taylor a enfrentar a cegueira (Foto: Reprodução)

Lançado em 2006, o documentário Facing Goliath, do cineasta canadense Kirk Pennell, mostra como o fisiculturista e ator Sebastian MacLean ajudou Ray Taylor, um amigo deficiente visual e  obeso, a transformar a própria vida aos 50 anos. Com o apoio de MacLean, Taylor descobre na musculação uma nova realização pessoal e decide superar muitos desafios para se tornar um fisiculturista.

01

Taylor antes de começar a praticar musculação (Foto: Reprodução)

Certo dia, Ray Taylor recebe a notícia de que está perdendo a visão do único olho com o qual ainda enxerga. Acreditando que será muito difícil evitar a depressão, Taylor liga para o amigo Sebastian MacLean e pergunta se a melhora da condição física pode afastá-lo dos problemas psicológicos e emocionais. Então o fisiculturista o desafia a participar de um programa de transformação corporal com duração de 12 semanas. “Aceitei o desafio e consegui perder 40 libras [pouco mais de 18 quilos]. Me superei porque acredito que não existe limites quando se quer alcançar um objetivo”, diz Ray.

No filme, MacLean, que competiu como fisiculturista por mais de dez anos ininterruptos, é contagiado pelo empenho do amigo que toma a decisão de se tornar um bodybuilder. “Com a parceria de Ray, me senti até mais animado para competir”, conta o experiente fisiculturista que coleciona prêmios e já foi apontado como uma das revelações do fisiculturismo natural canadense. Em várias oportunidades, chegou a ser destaque da revista Muscle Mag, especializada em bodybuilding.

03

Sebastian MacLean, o atleta que mudou a vida de Ray (Foto: Reprodução)

Sebastian é o responsável por introduzir Ray no universo do fisiculturismo clássico, onde a relação com as origens do esporte e a busca pela excelência da condição física remetem aos grandes atletas do passado, principalmente da Era de Ouro. É uma filosofia de vida em que a forma harmoniosa se sobressai ao físico exagerado e volumoso. Com MacLean, Taylor aprende que o bodybuilding tradicional tem como alicerce o equilíbrio.

Ray se apega a musculação como uma razão existencial. Um ano depois, mesmo ciente de que faltam apenas alguns meses antes de ficar cego, Taylor intensifica o treinamento. Durante o campeonato nacional, o atleta chega a chamar mais atenção do que o treinador. Por onde passa, independente de resultados, Ray conquista novos fãs e é aplaudido a cada pose. “Eu era completamente sedentário. Ninguém nunca imaginaria que isso aconteceria comigo”, comenta Taylor que sempre se emociona ao final das competições.

Facing Goliath não é apenas um filme sobre a superação de um homem, mas também uma história de amizade, cumplicidade e apoio. Logo no início do documentário, Sebastian ajuda Ray, um amigo em dificuldade. Depois, Taylor quem apoia MacLean a se tornar um fisiculturista ainda melhor. E juntos, chegam ao topo, participando dos mesmos campeonatos e partilhando novas experiências. “Desde o princípio, minha intenção era mostrar que o coração é o músculo mais poderoso do corpo humano. Sebastian e Ray são as provas disso. Se mantêm fortes e unidos até nas situações mais difíceis”, destaca o cineasta Kirk Pennell.

Curiosidade

O filme Facing Goliath, resultado de uma parceria entre os canadenses Kirk Pennell e Sebastian MacLean, já foi exibido em pelo menos 116 países.

A simplicidade como motivação existencial

without comments

A Cor do Paraíso inspira emoção sem decair para o melodrama

Mesmo cego, Mohammad contempla as belezas do mundo (Foto: Reprodução)

Em 1999, o cineasta iraniano Majid Majidi lançou o filme Rang-e Khodã que chegou ao Brasil com o título A Cor do Paraíso. A obra, que inspira emoção sem decair para o melodrama, conta a história de um garoto cego que encontra nas pequenas coisas do cotidiano uma razão para viver.

Filme é protagonizado por Mohsen Ramezani (Foto: Reprodução)

Mohammad (Mohsen Ramezani) contempla as belezas do mundo e se sensibiliza com aquilo que passa despercebido pela maioria. Um exemplo é a sua reação diante da queda de um passarinho. O cineasta Majid Majidi explora o belo por meio de uma esplêndida fotografia. Em muitos momentos a câmera simboliza os sentidos e a idealização existencial de Mohammad. E mais, vai além da beleza física do cenário natural ao amplificar os sons da natureza e transportar o espectador para uma afiguração particular de paraíso.

No mesmo contexto está Hashem (Hossein Mahjoub), um pai tornado infeliz e melancólico que desde a morte da mulher encara o ato de cuidar do filho como uma penitência. A figura paterna, presa a um universo lúgubre e estático – o que é muito bem representado nas tomadas com a câmera parada, é fria e individualista; uma crua metáfora da hipocrisia em uma sociedade arbitrária. Exemplo é a decisão do personagem em se casar com uma jovem mulher e entregar o filho a um carpinteiro cego de quem o garoto deve tornar-se ajudante. Mohammad e o pai vivem realidades distintas que aos poucos se afunilam, tornando-se ainda mais conflitantes.

A princípio, Hashem se limita a assistir a alegria do filho em admirar a natureza. Mais tarde, a satisfação de Mohammad em contemplar o que não vê faz o pai sentir-se perturbado. Na história, uma das cenas mais tocantes, embora com certo caráter teológico, surge quando em um monólogo o pai questiona porque merecera um filho cego. Mais tarde, Mohammad se pergunta por qual razão fora castigado pela cegueira. As duas questões existenciais revelam certa sintonia quando pai e filho estão distantes.