David Arioch – Jornalismo Cultural

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Todos os animais têm direitos, a perspectiva de um cientista

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Marzluff: “A indústria humana frequentemente limita diretamente os direitos naturais – o lugar das espécies na ecologia e na evolução”

Marzluff: “Estou convencido de que todas as aves e mamíferos merecem o cuidado e a consideração que damos aos humanos” Foto: The Herald (Everett)

Em maio de 2015, o cientista e biólogo John M. Marzluff, que também é professor de ciências da vida selvagem na Universidade de Washington, publicou na revista Wired um artigo explicando por que ele acredita que todos os animais têm direitos. O texto intitulado “All Animals Have Rights: A Researcher’s Perspective” se baseia em suas experiências e na sua compreensão da intervenção humana na vida animal. Entre os anos de 1992 e 2014, Marzluff publicou vários livros sobre a realidade da vida selvagem: “The Pinyon Jay: Behavioral Ecology of a Colonial and Cooperative Corvid”, “In the Company of Crows and Ravens”, “Gifts of the Crow”, “Dog Days Raven Nights” e “Welcome do Subirdia”:

Perdoe-me PAI, por eu ter pecado. Faz 35 anos desde que me tornei um cientista e capturei milhares de aves selvagens, equipando-as com pulseiras barulhentas ou mochilas pesadas. Tornei públicas suas vidas privadas. Algumas, temporariamente confinei em gaiolas e as submeti a varreduras cerebrais destinadas a revelar pensamentos desconhecidos.

Sempre me pergunto se violei os direitos desses seres sencientes. Amo e respeito esses pássaros e dedico minha vida à sua conservação. No entanto, para argumentar persuasivamente por sua preservação, devo saber (e contar aos outros) sobre eles. Se possível, eu pediria sua permissão antes de forçar minha curiosidade sobre eles. Mas, claro, isso é impossível.

Como biólogo, acredito que todos os organismos vivos têm direitos. Como alguém que gasta uma boa parte do ano em companhia de animais inteligentes e sociais, como corvos e lobos, estou convencido de que todas as aves e mamíferos merecem o cuidado e a consideração que damos aos humanos.  A arquitetura neurológica avançada e a função cognitiva dessas criaturas comprovam o seu intelecto, mas não vejo razão para não estender direitos iguais a todos os animais.

Essa ética enfatiza o direito do indivíduo de manter o seu natural nicho ecológico e evolutivo. Aldo Leopold declarou isso eloquentemente em seu livro “A Sand County Almanac”, de 1948, “escrevendo” que algo está certo quando tende a preservar a integridade e a estabilidade e beleza da comunidade biótica. Em minha opinião, está certo – na perspectiva de Leopold – que para os animais viverem uma vida plena e livre em seu habitat natural eles precisam exercer seus papéis ecológicos e evolutivos.

Permitir que uma espécie simplesmente tenha o direito de existir significa que nós, seres humanos, devemos conceder a um camundongo o direito a uma vida em ritmo acelerado, reunindo sementes, se reproduzindo e, muitas vezes, acabando nas garras de um falcão faminto. Devemos ativar a capacidade da população de camundongos de evoluir em táticas evasivas. Os direitos dos falcões incluem a morte diária de camundongos e a evolução das estratégias para viver em um mundo dominado por humanos.

A indústria humana frequentemente limita diretamente os direitos naturais – o lugar das espécies na ecologia e na evolução – que eu concederia a todos os nossos irmãos selvagens. À medida que conduzimos algumas espécies em direção à extinção, comprometemos seu potencial evolutivo. À medida que procuramos reduzir os hábitos naturais de caça dos lobos e coiotes, violamos seus direitos de ser um predador.

Conforme concedemos a mais espécies seus direitos naturais, alguns dilemas certamente surgirão. Considere corvos e tetrazes. No oeste dos EUA, os corvos aumentaram em resposta à modificação de paisagens áridas. Nossas atividades proporcionaram aos corvos novos locais de nidificação, novos alimentos e permitem que eles se espalhem profundamente por terras silvestres degradadas e fragmentadas. Em contraste, essas mesmas ações condenam o perdiz-silvestre à extinção. O desaparecimento do perdiz fez com que os proprietários de terras, administradores da vida selvagem e conservacionistas propusessem o abate de corvos.

O corvo não foi questionado sobre o assunto. No entanto, como os pesquisadores investigam a vida pessoal dos corvos, uma resposta pode ser apresentada em nome das aves escuras. Ao capturar, marcar, contar e seguir os corvos, soubemos que a maioria dos indivíduos não é caçadora de perdizes. Muitos raramente se aventuram em centros de atividade humana – cidades, depósito de lixo e campos agrícolas. Descobrir que os poucos corvos que vivem entre os perdizes têm vida longa e são rápidos aprendizes sugere que em vez de matar pode ser muito mais eficaz ensiná-los a evitar os perdizes.

O condicionamento aversivo de corvos para que não comam os ovos de perdizes e galinhas é viável, e uma vez treinados, os corvos territoriais protegem os perdizes, mantendo outros corvos na baía. Como os animais não têm voz para expressarem os seus direitos e confrontar aqueles que os negam, a pesquisa deve elucidar suas necessidades e falar em seu nome.

Para que nossa voz seja ouvida, pesquisadores devem se preocupar com o bem-estar animal. Comitês estaduais, federais e institucionais revisam pesquisas sobre animais vertebrados para incutir integridade científica e minimizar os riscos para os animais. Os pesquisadores são obrigados a usar modelos ou simulações sempre que possível, em vez de animais reais. Os pesquisadores também devem provar que o número de animais usados é apenas grande o suficiente para garantir rigor estatístico, não maior. Cada nuance da pesquisa é examinada – captura, cuidado, experimentação e treinamento pessoal. Fazer isso produz uma voz forte e eticamente defensável para aqueles que não podem falar.

Apesar da minha boa vontade em conduzir uma pesquisa cuidadosa e significativa em nome dos animais, é evidente que nem todas as aves que pesquisei aprovaram meus métodos. A imagem de um corvo rolando no chão tentando remover as faixas da perna que eu tinha acabado de aplicar incendeia em minha memória. As reações agressivas de outros à máscara que usei durante a captura, há nove anos, servem para me lembrar da minha influência duradoura [sobre suas vidas]. Essas dores são reduzidas, no entanto, quando a exposição à pesquisa sobre a vida selvagem amplia a mente humana para considerar as necessidades dos animais. O conhecimento científico levanta a cortina do mito e do mal-entendido para que possamos aprender a coexistir pacificamente com os animais selvagens que compartilham o nosso planeta.

Referência

Marzluff, John M. All Animals Have Rights: A Researcher’s Perspective. Wired (2015).

 

 





Andrey Beketov, o pai da botânica e a sua defesa do vegetarianismo

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Andrey Nikolayevich Beketov foi um cientista russo e defensor do vegetarianismo que ficou conhecido como o pai da botânica russa e mundial, além de criador da geografia das plantas e da morfologia experimental. Além disso, foi reitor da Universidade de São Petersburgo, uma das mais prestigiadas da Rússia, e um dos homens que influenciou o escritor Liev Tolstói a adotar o vegetarianismo.

Em 1891, Andrey Beketov publicou o livro “A Dieta Humana no Presente e no Futuro”. Na obra que chamou a atenção de Tolstói, ele apresenta razões morais e psicológicas sobre o porquê os seres humanos na sua progressão de um estado primitivo para um estado verdadeiramente civilizado devem se abster do consumo de animais.

De acordo com o pesquisador Alexey Shulga, o trabalho de Beketov pode ser considerado o primeiro ensaio russo sobre vegetarianismo que deu origem ao movimento de educação e moral científica na Rússia, cuja preocupação era superar o paradigma de que alimentos de origem animal são produtos “comuns” gerados por uma condição de “inevitabilidade”, desconsiderando a perspectiva imoral e prejudicial aos animais não humanos – além dos efeitos na saúde humana e no meio ambiente.

“Estamos todos tão acostumados a comer ou ver outras pessoas comendo carne, que nunca ponderamos que aqueles cujas partes estão diante de nós em nossos pratos foram abatidos. Em algum lugar fora da cidade, há um matadouro, lugar nojento, fétido e sangrento, onde cortam, retalham e fatiam, escoando o sangue das veias [dos animais], mas ninguém está olhando para lá”, registrou em “A Dieta Humana no Presente e no Futuro”.

Beketov reconheceu que o hábito de matar animais e consumi-los já era naturalizado pela legitimada artificialidade da tradição, e que a mudança depende das pessoas relacionarem o que consomem com a história do que está sendo consumido. Ou seja, o processo que antecede o contato do consumidor com o produto de origem animal. Na perspectiva do cientista russo, a aversão a qualquer derramamento de sangue é um primeiro sinal de humanidade. O “abate de um animal sem voz”, segundo o autor, se opõe ao respeito à vida.

“Parece-me que esses dois matadouros estão em uma conexão muito mais forte do que normalmente pensamos: a carne e a bucha de canhão são duas coisas que se pressupõem ou pelo menos apoiam umas às outras”, escreveu. Andrey Nikolayevich Beketov acreditava que o sistema digestivo humano sempre se adaptou melhor ao consumo de plantas, vegetais e frutas, não de alimentos de origem animal. “Ele também considerou a prática da agropecuária ineficiente, chamando a atenção para o fato de que é sempre mais caro plantar e produzir vegetais para alimentar os animais do que consumir diretamente os vegetais; e que a dieta vegetariana pode satisfazer todas as necessidades nutricionais humanas”, enfatiza Shulga.

Como um visionário do século 19, Andrey Beketov também declarou à época que no futuro a Terra iria requerer uma diminuição de pastagens e uma redução natural do gado e de outros animais criados para consumo. Segundo o pesquisador V. K. Teplyakov, antes de Charles Darwin apresentar a sua teoria de “A Origem das Espécies”, Beketov já havia divulgado a ideia da influência de fatores externos e da luta pela sobrevivência na evolução dos organismos.

Suas primeiras e importantes contribuições à ciência aparecem no livro “Harmonia na Natureza”, que antecede “A Origem das Espécies”, em que ele apresenta princípios cientificamente fundamentados da teoria do desenvolvimento evolucionário no mundo orgânico. Na perspectiva de Beketov, a matéria pode assumir uma infinita variedade de formas, mas de modo algum pode escapar à influência de condições externas – a estrutura, a aparência externa e a essência de cada ser são determinadas pelas condições ambientais. Ele também descobriu o papel da luz no ciclo da vida das plantas.

Em 1862 e em 1871, o cientista russo publicou os volumes I e II do trabalho científico “Curso Botânico”, considerado o primeiro e melhor livro de botânica do mundo. “Graças ao seu trabalho, ele foi chamado de pai da botânica russa e mundial. Também foi o primeiro no mundo a escrever e publicar um livro sobre geografia vegetal”, destacou Teplyakov em referência à obra “A Geografia das Plantas”, de 1896.

Em 1870, o renomado cientista K.A. Timiryazev escreveu que os textos de Beketov foram únicos na literatura europeia e estavam pelo menos 50 anos à frente de seu tempo em princípios científicos. Andrey Nikolayevich Beketov faleceu em 1º de julho de 1902 em Shakhmatovo, em Moscou, deixando um extenso legado que até hoje permanece desconhecido por muita gente, inclusive da área botânica.

Beketov foi um dos fundadores do Cursos Bestuzhev, que oferecia educação de alto nível às mulheres

Andrey Beketov nasceu em 8 de dezembro de 1825 no vilarejo de Apferevka, na província de Penza. Em 1841, se graduou em ciências naturais pela Faculdade de Física e Matemática de Kazan. Em 1858, concluiu o doutorado sob o tema “As Relações Morfológicas das Folhas e Caules” na Universidade de Moscou. Tornou-se professor de botânica da Universidade da Cracóvia em 1861, depois transferindo-se para a Universidade de São Petersburgo, onde atuou como professor e coordenador do Departamento de Botânica. Mais tarde, ocupou o cargo de diretor da Faculdade de Física e Matemática e, então, reitor, função exercida entre 1876 e 1883.

Beketov, que fundou a Scripta Botânica em parceria com Kristofor Gobi, a primeira revista russa de botânica, também se destacou como um dos fundadores da Sociedade Econômica Livre da Rússia, que presidiu de 1891 a 1897. Também foi um dos fundadores do Cursos Bestuzhev, em São Petersburgo, um instituto que possibilitava às mulheres receberem educação de alto nível na Rússia Imperial. “Ele foi o primeiro a estudar o  problema da reprodução florestal na tundra. Ficou intrigado com os efeitos do clima na taxa de crescimento de pinheiros e abetos. Sua pesquisa em flora e geotecnia o levou a investigar a distribuição de espécies madeireiras e as razões do desmatamento das estepes. Ele sugeriu que a propagação das estepes se resultou principalmente de mudanças climáticas e fatores pré-históricos”, informou V. K. Teplyakov.

Saiba Mais

Andrey Beketov traduziu para o russo muitos trabalhos seminais de Alphonse Pyramus de Candolle, August Grisebach, Matthias Jakob Schleiden e Thomas Henry Huxley.

Referências

Shulga, Alexey. The History of Russian Veganism: In a Nutshell (2015).

Teplyakov, V.K. A History of Russian Forestry and Its Leaders. Página 23. Diane Publishing (1998).

Shcherbakova, A.A. Andrey N. Beketov, Андрей Николаевич Бекетов –  выдающийся русский ботаник и общественный деятель. Издательство Академии наук СССР (1958).