David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Cinema Noir’ tag

Movidos pela ganância

without comments

O Falcão Maltês, o primeiro filme do gênero noir

Humphrey Bogart interpreta um detetive cínico e ganancioso (Foto: Reprodução)

Humphrey Bogart interpreta um detetive cínico e ganancioso (Foto: Reprodução)

Lançado em 1941, The Maltese Falcon (O Falcão Maltês), do cineasta estadunidense John Huston, é o precursor dos filmes do gênero noir. A obra apresenta personagens imorais e traiçoeiros envolvidos em uma trama que tem como elemento central a procura de uma estátua de ouro coberta por pedras preciosas.

Com estética influenciada pelo cinema expressionista alemão – principalmente no uso de iluminação que privilegia as sombras do ambiente e ressalta a expressividade hermética dos atores, levando o espectador a divagar pelo submundo, o Falcão Maltês entrou para a história do cinema como o primeiro filme noir.

Sem personagens idealizados ou mergulhados em pureza surreal, a obra apresenta um universo realista pautado em defeitos como insegurança, cinismo, hipocrisia, ganância e falsidade. Em O Falcão Maltês, o solitário detetive Sam Spade (Humphrey Bogart) é o maior exemplo da desconstrução de um herói, um protagonista cínico e ganancioso que quando bem pago não mede esforços para concretizar qualquer objetivo.

Trama gira em torno da procura do Falcão Maltês (Foto: Reprodução)

Trama gira em torno da procura do Falcão Maltês (Foto: Reprodução)

Na obra, o detetive e seu parceiro Miles Archer (Jerome Cowan) conhecem Brigid O’Shaughnessy (Mary Astor), uma femme fatale que usa mais a sensualidade e a beleza do que o dinheiro para persuadir homens a ajudarem-na. Brigid contrata a dupla para descobrir o paradeiro da irmã que foi vista pela última vez com um homem chamado Thursby. Logo no início da investigação, Archer é assassinado.

Pouco tempo depois, o espectador descobre que Sam Spade tinha um caso com a mulher de Miles. Envolvido na trama criada por Brigid – que na realidade queria saber a localização de Thursby, um dos envolvidos no roubo do Falcão Maltês, a estátua de ouro coberta de jóias, o detetive decide ir até o fim movido pela ambição e desejo de fazer justiça pela morte do amigo. Os dois elementos confirmam a dualidade e a hipocrisia sempre presente no personagem. Spade mistura honra e dinheiro como se um fosse intrínseco ao outro.

Também é destacável o enaltecimento da figura masculina a partir da personalidade do detetive. Quando Spade conhece os criminosos Joel Cairo (Peter Lorre), Wilmer Cook (Elisha Cook Jr.) e Kasper Gutman (Sydney Greenstreet) – que demonstram certo desvio de sexualidade, ele se sente mais confiante em seu desígnio. O investigador machista crê que a exacerbação da masculinidade lhe garante vantagens sobre os “vilões”. O Falcão Maltês é um filme sobre personagens desiludidos que evitam emoções e estão acostumados a apelar para a farsa.

Quando a bondade não tem vez

without comments

killing1

Grupo planeja roubar U$ 2 milhões dos cofres de um hipódromo (Foto: Reprodução)

Lançado em 1956, The Killing, conhecido no Brasil como O Grande Golpe, é um filme noir do cineasta estadunidense Stanley Kubrick. A obra multifacetada apresenta um universo de vilania onde a benevolência não tem vez.

2OMH

O submisso George e a traiçoeira Sherry (Foto: Reprodução)

A história começa destacando o mau-caráter Johnny Clay (Sterling Hayden), um ex-detento ambicioso que planeja roubar U$ 2 milhões dos cofres de um hipódromo enquanto o público e os funcionários se distraem com a corrida de cavalos.

Clay forma uma equipe de homens infelizes e desprezíveis, interpretados por Ted de Corsia, Elisha Cook Jr., Timothy Carey, Kola Kwariani e Joe Sawyer, que mantêm algum tipo de vínculo com o local do roubo. Cada personagem representa uma peça-chave para o êxito do crime. Há um policial corrupto, um caixa do hipódromo, um atirador de elite, um lutador e um barman.

Em meio a tantas articulações para o tão sonhado roubo, surge um imprevisto, a chegada da gananciosa, infiel e traiçoeira Sherry (Marie Windsor), mulher do submisso George Peatty (Elisha Cook). A participação da persuasiva Sherry é o fermento da inimizade entre os integrantes do bando. Com apoio de um amante, ela planeja ficar com toda a grana.

The Killing se popularizou como um dos filmes de suspense policial mais respeitados pela crítica mundial. No clássico, Kubrick cria um mundo acinzentado, onde o dinheiro está acima de tudo, e com ele traz à superfície um escopo de devassidão, imoralidade, corrupção, luxúria e cinismo. Vale lembrar que no decorrer da trama o cineasta deixa transparecer as influências do cinema europeu.

Um criminoso à moda antiga

without comments

Flávio Frederico conta a história do paranaense que comandou a Boca do Lixo

daniel-oliveira-teve-que-usar-lentes-grosas-protese-no-queixo-e-afatador-para-ficar-com-orelhas-de-abano-1348693213537_615x470

Daniel de Oliveira em uma de suas melhores atuações (Foto: Reprodução)

Lançado em 2010, o filme Boca do Lixo, do cineasta Flávio Frederico, autor dos documentários Caparaó e Serra, de 2007 e 2003, conta a história do paranaense Hiroito de Moraes Joanides, o maior criminoso da Boca do Lixo. O filme segue uma ordem cronológica de eventos. Tem início na infância de Hiroito, mostrando de que forma o garoto desenvolveu um vínculo com a Boca do Lixo, no bairro da Luz, em São Paulo.

No início da juventude, o herdeiro dos Joanides já demonstrava desinteresse por uma vida normal. Preferia viver em prostíbulos, bebendo e tentando impor a ordem ao seu modo. Hiroito nunca aceitou a monogamia, e amava tanto as mulheres quanto os livros, a quem dedicava boa parte do dia.

exvid_boca_screenshots

Hiroito vivia como um rei de perspectiva limitada (Fotos: Reprodução)

Tinha facilidade em conquistar parcerias, mas também em desfazê-las; tudo por causa da personalidade volátil que se agravou com o tempo. O rei da Boca do Lixo, como ficou conhecido, chegou a assassinar o melhor amigo quando soube que o rapaz lhe furtou uma parte dos ganhos com a prostituição e comércio de entorpecentes.

Hiroito vivia como um rei, mas de perspectiva limitada. Acreditava que por ter um delegado de polícia como cúmplice jamais seria imputado por qualquer crime. Um grande engano. A megalomania fez com que chamasse muita atenção em todo o país, inclusive tendo de retornar por um curto período para o Paraná.

Mais tarde, de volta a São Paulo, o jovem Joanides se recusa a crer na transformação da Boca do Lixo, e com apenas dois parceiros tenta retomar o comando do lugar. Além da belíssima fotografia, que parece remeter ao cinema noir, e da ação da trama, referenciada pelo gangster movie, o filme chama atenção pelo realismo e fidedignidade à obra homônima, escrita pelo próprio Hiroito.

Outro destaque é o elenco formado por Milhem Cortez, Hermila Guedes, Leandra Leal e Daniel de Oliveira que mergulha na personalidade do culto mafioso. Quem assina a inconfundível trilha sonora da obra é o produtor musical e compositor Eduardo Bid que também compôs para filmes como O Primeiro Dia, de Walter Salles Jr; Chega de Saudade e As Melhores Coisas do Mundo, de Lais Bodanzky; e Estamos Juntos, de Toni Venturi.

Curiosidade

No filme, Daniel de Oliveira teve de usar um afastador para simular orelhas de abano, além de prótese no queixo e lentes grossas que ressaltam não apenas os olhos, mas também a intrincada expressividade do personagem.