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Henrique Moura e o mundo caótico de Predo Bandeira
Artista de Paranavaí se dedica a produzir clipes e vídeos independentes de animação 2D
Aos 11 anos, Henrique Moura, idealizador da Oficina Raspa Língua, que trabalha com cinema independente de animação 2D, criou um personagem para entreter seus irmãos enquanto seus pais trabalhavam. A partir de micagens transformadas em encenações, nasceu Predo Bandeira, que virou personagem principal de uma história em quadrinhos e depois protagonizou muitos quadros, animações e clipes musicais. “Meus irmãos curtiam muito. Davam muitas risadas. Minha família sempre me incentivou a desenhar. Meu pai me deu muita cartolina, lápis de cor, essas paradas. Gostava de desenhar personagens de Dragon Ball, e o Predo acabava ficando mais oculto. Mas ele já era meu personagem, então eu seguia rabiscando”, conta.
Alter ego de Henrique Moura, Predo é definido pelo artista como a sua própria fuga. Porém, como na adolescência ele não tinha condições de lucrar com o personagem, começou a trabalhar com pintura em tela, criando paisagens, flores, casarios e “coisas depressivas”. “Eu odiava isso. Sempre odiei, mas era o que vendia. Como eu já participava de salões de arte contemporânea, eu fazia o Predo. Sempre gostei do anti-herói, o Predo é o anti-herói, um cara bem feio, peludão”, diz.
A ideia do nome é uma referência à palavra pedra, que tem relação com o fato do personagem ser um sujeito “casca dura”. E ele tem muita história. Morando no lixão, em um lugar chamado Casa do Caralho, Predo vive com um bode chamado Bregnight, um animal bem feio e “acabado” que fuma o tempo todo. “O Predo tem um filho, o Bandeirinha, que ele ama muito, assim como ama o seu bode. No mundo de Predo, não existe Diabo, Deus e Jesus, pelo menos não na concepção religiosa. O inferno é um bairro e o céu também. Eles vivem na Cidade de Saramago.
Enquanto observo um quadro grande em que Predo aparece sentado em uma poltrona, noto que sobre sua cabeça há quadros de Henry Ford e Frederick Taylor. Moura me explica que não é porque Predo vive afastado da cidade que ele é contra o capitalismo. “Ele achou esses quadros no chão. O Predo é um gorila domesticado, um proletário que ao mesmo tempo é proprietário, já que o lixão onde ele vive foi herdado de seus pais”, enfatiza.
Por fora, a casa de Predo se assemelha a um barraco, porém, do lado de dentro é tudo diferente. Ele tem uma área subterrânea onde se situa o seu paraíso, com direito à sala de ferramentas. “Tem um fuscão todo equipado com armas, amortecedores, tudo de melhor para suas aventuras. Também tem um puta computador. Ele é ‘ferrado’ de roupas, mas investe em outras coisas. O Predo é tanto herói quanto vilão. Pra você ter uma ideia, ele sofre de rinite e, quando acorda ‘atacado’, é capaz de matar alguém com uma bazucada. E rinite é uma coisa que eu tenho, então transferi isso para o Predo”, justifica.
Predo é divorciado de Padra desde que Henrique Moura tinha 12 anos. O artista argumenta que o personagem nunca quis viver com uma mulher, precisar de uma companheira ao seu lado. “A não ser para ter o filho. Ele tem amigos e tudo o mais, mas é um cara que vive no mundo dele. Ele gosta de cachaça e adora cigarro. Acabei criando ele como fumante porque não posso fumar, ‘pipoca’ toda a minha garganta. Pelo menos isso é bom pra minha saúde”, avalia rindo e balançando os braços.
A turma de Predo Bandeira inclui também o confuso Jesus, o contrabandista de armas Osama e Imétrio, um personagem que herdou o inferno do avô e fundou as Indústrias Fogo no Kiba, responsável por comercializar mármores no inferno. Por causa disso, Moura define ironicamente o sistema econômico do seu universo fictício e caótico como capetalismo. “Estou aqui falando contigo e o Predo também está aqui. Ele está em tudo que faço”, garante.
A história de Predo Bandeira e seus amigos compõe a série de animação “O Dia a Dia Pedreira de Predo Bandeira”, que já tem seis episódios prontos, com duração de dois a três minutos. “Predo é o livro da minha vida. Estou sempre escrevendo o roteiro dos episódios em um caderno. Só sigo devagar com a série porque atualmente a minha principal fonte de renda é a criação de clipes em animação para bandas e DJs. Mesmo assim, nunca deixo de incluir ele em todos os meus vídeos”, informa.
O primeiro clipe produzido por Henrique Moura foi “Plantando Ganja”, da banda de reggae Cidade Verde Sounds, de São Paulo. O vídeo tem mais de meio milhão de visualizações no YouTube. “Isso chamou a atenção para o meu trabalho, porque a partir daí surgiram novos convites. Hoje, atendemos clientes de todas as regiões do Brasil. Estou feliz porque era isso que eu queria, ser visto também fora de Paranavaí [no Noroeste do Paraná]. Cheguei num patamar em que posso trabalhar tatuado, cabeludo e barbudo. O que importa é o seu trabalho, isso fala por você. Isso é massa!”, comenta sorrindo.
Henrique comemora o fato de que seus clientes ficam felizes em divulgar o nome da Oficina Raspa Língua. Em 2015, outro motivo de celebração foi a produção do clipe “No Mato”, criado para a banda de samba-rock paraibana Seu Pereira e Coletivo 401. No mesmo ano, o vídeo se classificou na categoria “De Olho Neles”, no Anima Mundi, no Rio de Janeiro, um dos maiores eventos de animação do mundo. “Cara, é um festival tão importante que de lá sai até indicação para o Oscar. Fiquei quatro anos tentando ser selecionado. Foi surreal ver o Predo aparecendo assim pra gente do mundo todo. Foram exibidos 1,6 mil filmes de 45 países. Dentre os 373 escolhidos, fui um dos 102 brasileiros selecionados, uma conquista gigante pro Raspa Língua e até pra Paranavaí”, declara.
Enquanto conversamos, Moura me mostra alguns de seus clipes. Seus vídeos são recheados de informações e referências àqueles que o inspiraram como artista e empreendedor. Quem assiste cada vídeo só uma vez, acaba por não entender muito bem o objetivo do artista. É preciso estar atento aos detalhes. “Tem gente que acha que meus vídeos são feitos sob o efeito de algum tipo de droga. O Raspa Língua é a maior prova de que não é preciso nenhum alucinógeno para fazer um trabalho intenso e bem viajado”, pontua.
Nos últimos três anos, desde que a oficina se tornou uma empresa, o artista não para de trabalhar, nem nos finais de semana e feriados. Com uma rotina atribulada, Henrique produz pelo menos um clipe por mês. “Além disso, fiz games em parceria com um grande amigo de São Paulo, o Erick Yamato. Criamos o ‘Predonauta’ que está disponível na appstore da Apple. Eu assino a arte e a direção, e ele a codificação. No futuro, vamos lançar também games para Android. Por enquanto, nosso foco são animações 2D, clipes, ilustrações, games e vestuários. Temos uma grife com estampas exclusivas, além de canecas, adesivos. Mas vem muito mais novidades por aí”, promete.
E assim surgiu o Raspa Língua…
Na adolescência, Henrique Moura ficou extasiado quando viu o clipe “Clint Eastwood”, da banda virtual de trip-rock Gorillaz, lançado em 2001. “Gritei que queria fazer aquilo. Como em Paranavaí não havia cursos da área, anos depois decidi fazer cursos com profissionais de fora. Eu não precisava aprender a desenhar, mas sim a usar as ferramentas. Então descobri que alguns softwares fariam toda a diferença. Desde o início, minha intenção era jogar a minha pintura. Cara, pinto desde os sete anos, pintei a vida toda. Meu sonho era ver meu trabalho se transformando em animação”, confidencia.
A sua primeira escola, segundo ele, onde teve a oportunidade de começar a colocar seus projetos autorais em prática, tanto com desenho e pintura quanto com animação, foi o Centro de Atendimento Especial à Criança e ao Adolescente (Cecap), onde Henrique coordenava uma oficina de arte. “A diretora Líria Balestieri foi um anjo na minha vida, uma pessoa incrível a quem devo muito. Daquela oficina saiu o Gabriel Araújo que foi meu ajudante”, relata.
A ideia do nome Raspa Língua surgiu em Santa Catarina, quando Moura estava viajando com dois amigos. “A gente estava numa serra e ele falou pra eu tomar cuidado com o raspa-língua, uma planta que gruda na pele e esfola. Pedi pra ele me mostrar que planta era aquela. Aí pensei: ‘Que nome interessante! Pode ser algo que tira a sujeira de um lugar para colocar em outro. É isso que costuma acontecer com a sujeira, ela acaba indo pra outro lugar, não desaparece.’ Associei isso com a ideia do meu personagem Predo Bandeira, alguém que raspa a língua de tanto falar, alguém que solta sujeira quando fala, mas uma sujeira limpa”, revela.
Com o Raspa Língua e seus personagens peculiares, Henrique Moura busca enaltecer a diversidade humana e ao mesmo tempo a sinceridade de Predo em um mundo cada vez mais despersonalizado. “Hoje em dia, as pessoas se apagam muito por causa dos outros. Isso é triste. Já passei por isso e posso dizer que consegui redescobrir minha identidade com o Raspa Língua”, assegura o artista que também conta com a parceria de Luciana Moraes e da contabilista Andrea Marques.
Frases de Henrique Moura
“Predo é um cara sem papas na língua, contra o politicamente correto. É um cara que não suporta a hipocrisia. Tem dia que acordo e penso: ‘Hoje tô meio Predo.’ Creio que muita gente se identifica com isso.”
“As pessoas não sabem do Predo hoje, mas elas vão saber. Pode ser que isso aconteça quando eu estiver com 40 anos, mas ela farão uma ligação se eu continuar nesse ritmo intenso de trabalho. Elas vão viajar pra longe e lá vai ter alguma coisa que as faça lembrar de Predo Bandeira.”
“É legal ir num lugar, tirar foto com um cara que atrai mais clientes, o cara com sua camiseta, com boné do Raspa Língua. Que legal, tá em movimento o bagulho!”
“Lembro quando minhas charges do Predo saíam em uma coluna no Jornal do Bairro. Hoje, ele é meu carro-chefe, está nas camisetas do Raspa Língua, em tudo.”
Saiba Mais
Para assistir aos vídeos da Oficina Raspa Língua, acesse: http://raspalingua.com
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