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Quando a Brasileira entrou em decadência
Na década de 1930, o progresso de Paranavaí foi comprometido pelo esvaziamento populacional
Decreto criado pelo Governo do Paraná em 1931, limitando a quantidade de terras a 200 hectares por pessoa ou família, desestimulou colonizadores a ficarem na Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Alguns deixaram o povoado quando souberam que a colonização seria supervisionada pelo governo estadual. Para os oportunistas, era algo que poderia comprometer a exploração da mão de obra barata. Por isso, vários contratantes convenceram muitos colonos a partirem. A consequência foi o esvaziamento populacional.
Em 8 de abril de 1931, o interventor e general Mário Tourinho, ciente da onda de crimes na Fazenda Brasileira, assinou decreto retomando as terras da localidade para o Estado e autorizando o início dos loteamentos da então futura Paranavaí. Por essa atitude há quem responsabilize Tourinho pelo início da decadência da Brasileira, já que as terras sob controle do governo estadual trouxeram a Paranavaí uma enorme burocracia. Pioneiros afirmam que a morosidade para se conseguir um terreno fez muitos moradores irem embora para outros povoados, locais onde o acesso à terra era mais fácil.
Outros defendem que o decreto afastou muitos colonizadores porque estes viviam da exploração dos colonos nordestinos, vistos como mão de obra barata pelos pioneiros do Sul e Sudeste. “A informação de que o governo acompanharia de perto tudo que acontecia na colônia intimidou muita gente”, relata o pioneiro cearense João Mariano. Alguns proprietários rurais tentaram convencer os colonos a irem embora com eles, fazendo promessas de melhor remuneração e também de boas condições de trabalho.
A situação era tão ruim que muitos colonos trabalhavam apenas para comer e ainda assim ficavam endividados. “Quando o sujeito ia até a venda acertar as contas era informado que estava em débito, então além de não ter condições de viver com dignidade, ele não podia ir embora porque corria risco, já que estava devendo. O patrão sempre dava um jeito de endividar o empregado”, relata Mariano.
Em 1933, o interventor Manoel Ribas visitou a Fazenda Brasileira. Naquele tempo, o acesso ao povoado só era possível por uma estrada que findava no Rio Paranapanema. Para facilitar o contato com as outras colônias e cidades do Paraná, além de diminuir a influência paulista na localidade, Ribas pediu que o engenheiro Francisco Natel de Camargo iniciasse a abertura de uma nova estrada que começava em Arapongas, no Norte Central Paranaense.
Mesmo assim, nada impediu que a Brasileira sofresse um esvaziamento populacional, o que também comprometeu o progresso local. De um total de aproximadamente seis mil habitantes que viviam aqui em 1930, não restaram nem 500 para dar conta dos mil alqueires de pés de café.
Período obscuro perdurou até 1944
A falta de mão de obra estimulou outros a irem embora, e logo parte do cafezal foi coberto pelo mato. Aqueles que continuaram aqui aproveitavam para colher o que podiam. Transportavam até Presidente Prudente, onde o produto era comercializado. Muitos cafeeiros foram plantados onde estão localizados o Cemitério Municipal (ao lado do Colégio Unidade Polo), Colégio Estadual de Paranavaí (CEP) e Jardim Ipê.
À época, havia centenas de casas no Jardim Ouro Branco, mas muitas foram abandonadas com o passar dos anos. A situação piorou com o início da Segunda Guerra Mundial e as sanções que o Governo do Paraná impôs às colônias, inclusive com relação ao transporte de pessoas, cargas e animais.
Em 1939, o capitão Telmo Ribeiro, que chegou ao povoado por intermédio do interventor Manoel Ribas, tentou atrair migrantes para a Fazenda Brasileira. A estratégia do capitão foi ordenar a manutenção da estrada aberta por Camargo. O resultado não foi o esperado. Apesar disso, o caminho se tornou atrativo para moradores de Guarapuava e Campo Mourão que percorriam longas distâncias a procura de gado abandonado.
Aqui foram arrebanhados centenas de animais, o que justifica o nome “Estrada Boiadeira”. Tudo isso aconteceu quando Paranavaí contava com mais de 300 alqueires só de pastagens, por onde o gado circulava com total liberdade. Em 1943, dez anos depois do Estado assumir a Inspetoria de Terras, não havia mais que 80 casas na Brasileira e o total de habitantes mal chegava a 500. Foi um período obscuro e de pouca produtividade que perdurou até 1944.
Ninguém podia deixar a Fazenda Brasileira
Quem abandonava o povoado era assassinado a tiros às margens do Paranapanema
Na década de 1930, a Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era conhecida como terra sem lei. Os migrantes que vinham para cá em busca de melhores condições de vida não podiam abandonar o povoado. Quem se arriscava a fugir era assassinado a tiros às margens do Rio Paranapanema, com a conivência dos colonizadores.
A história da colonização de Paranavaí é marcada por muita luta e perseverança, principalmente dos colonos. No entanto, o que a maioria da população desconhece até hoje é que em 1930 as regras já eram ditadas por colonizadores e jagunços que se colocavam acima da lei.
No ano em que Getúlio Vargas assumiu como presidente do Brasil, o Paraná ainda preservava 87% de vegetação primitiva. O novo governo federal tinha grande interesse na quase inabitada Vila Montoya, no Noroeste, que pertencia a Tibagi, no Centro Oriental Paranaense. A área então, que era da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), foi repassada ao jornalista e político gaúcho Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello), um dos participantes da Revolução de 1930.
No mesmo ano, foram trazidas à Brasileira cerca de 1,2 mil famílias de migrantes, principalmente do Sudeste e Nordeste, para trabalharem na lavoura de café sob regime de colonato. Naquele tempo, já vivia aqui, desde 1929, época do Distrito de Montoya, o falecido pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales, das primeiras levas de migrantes trazidos pelo engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros.
Sales é sempre apontado como o pioneiro que vivenciou o período mais obscuro da história de Paranavaí, embora sempre evitasse falar a respeito. Preferia assuntos maleáveis, os mais simples e triviais. “Em 1930, ele era o responsável pelo transporte de café, sabia de muitas coisas, mas para não comprometer a si mesmo e a terceiros sempre fugia de temas polêmicos, principalmente quando alguém perguntava sobre os crimes do passado”, declara o pioneiro mineiro Sátiro Dias de Melo que foi muito amigo de Frutuoso.
No ano em que Sales era responsável pelas cargas que entravam e saíam da Fazenda Brasileira, inúmeras famílias insatisfeitas com as condições de trabalho decidiram partir. Com o consentimento do contratante, os colonos recebiam os vencimentos, recolhiam os pertences e eram acompanhados até as margens do Rio Paranapanema, de onde sempre partia alguma balsa com destino ao Estado de São Paulo.
Antes da travessia, colonos e familiares eram assassinados a tiros por jagunços que trabalhavam para os colonizadores. Alguns eram mortos às margens do rio, já outros, abatidos quando estavam de costas, durante a travessia. Segundo relatos de pioneiros, os capangas abriam os corpos das vítimas, extraíam todas as vísceras, enchiam de pedras, costuravam e jogavam no Paranapanema, conhecido pelo enorme cardume de piranhas. As histórias sobre os crimes praticados contra os colonos impediram que muita gente fosse embora da Fazenda Brasileira. Os fatos disseminavam terror e medo.
A morte à espreita no Rio Paranapanema
De vez em quando, alguns migrantes, mesmo cientes do risco, preferiam se aventurar na fuga, o que dá uma ideia da dimensão do padrão de vida subumano imposto aos colonos na Fazenda Brasileira. O pioneiro Natal Francisco viu isso de perto quando deixou Presidente Prudente, em São Paulo, para conhecer o Noroeste do Paraná. Acompanhado pelo irmão José Francisco, guiou um Ford movido a gasogênio até o Porto Ceará, às margens do Rio Paranapanema.
Lá, perguntaram ao balseiro sobre a Brasileira. O rapaz os alertou que deveriam deixar o veículo, caso não quisessem perdê-lo. “Disse também que a gente corria risco de morte vindo pra cá”, informou Natal Francisco em entrevista concedida ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Muitos migrantes chegavam à Fazenda Brasileira partindo de uma estrada que ligava Presidente Prudente, Porto Ceará, Povoado de Cristo Rei, Gleba-1, Piracema e Porto São José.
Depois de oito dias na Brasileira, os irmãos Francisco estavam retornando ao Porto Ceará quando ouviram o som de um acordeão. Surpresos, mas curiosos, adentraram a mata. Antes que vissem qualquer coisa, uma mulher gritou. “Pelo amor de Deus, não mata nóis. Tamo fugindo, mas tamo quase morto.” Mesmo assustados, Natal e o irmão ligaram as lanternas para ver se tinha mais alguém ali. O marido da moça estava caído no chão com a roupa rasgada e uma sanfona sobre o peito todo ensanguentado.
O casal de colonos enganou os jagunços e fugiu da Fazenda Brasileira. Às margens do Rio Paranapanema, improvisaram uma jangada para navegar até o Porto Ceará. Enquanto isso, alguns capangas chegaram até a beira do rio. De lá, atiraram e acertaram o rapaz que sobreviveu com a ajuda dos irmãos Francisco.
Curiosidade
Em abril de 1931, quando o interventor e general Mário Tourinho retomou as terras do Noroeste para o Governo do Estado do Paraná, o interventor estabeleceu por decreto que nenhuma pessoa ou família poderia ter títulos de propriedade que ultrapassassem 200 hectares, iniciando assim uma nova ordem na Fazenda Brasileira.