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Inferno sobre rodas na “América” pós-Guerra da Secessão
Série Hell On Wheels instiga discussão sobre a História dos EUA
Estou acompanhando a série estadunidense Hell On Wheels, da Endemol USA, exibida pela AMC, que se passa nos Estados Unidos de 1865 com um enredo muito interessante. Tem como foco a construção da primeira ferrovia transcontinental do país pela Union Pacific Railroad. Em meio à revolução industrial, são levantadas inúmeras controvérsias sobre a xenofobia e a segregação racial na “América Pós-Confederada” ou Pós-Guerra da Secessão, como preferirem.
Na série, o telespectador se depara com uma nação até então marcada pela defesa dos latifúndios, escravidão e benesses aristocráticas. A obra mostra também pontos conflitantes, como yankees agindo como dixies e vice-versa, dando uma ideia de que as diferenças entre os “estadunidenses civilizados” do Norte e do Sul na época não eram tão aberrantes quanto registra a História Oficial daquele país. Funcionários de companhias, camponeses, ex-escravos, ex-soldados, prostitutas, mercenários e aventureiros sintetizam a pequena, mas heterogênea aldeia social de Hell On Wheels, uma pequena colônia situada em território nativo.
Pra mim, das cenas mais emblemáticas da série até o momento, destaco a disputa entre um índio cheyenne e um trem. A derrota do nativo que disputa a corrida com a máquina sobre um cavalo é simbólica e marca o surgimento de um novo tempo que trouxe a modernidade ao preço do genocídio indígena.Outra cena interessante é o momento em que o personagem Elam Ferguson, interpretado pelo rapper Common, um ex-escravo negro, é preparado para ser enforcado por um grupo liderado pelo irlandês O’Toole. Instantes antes do início da execução, o homem revela à vítima: “Nós irlandeses somos os crioulos do Reino da Grã-Bretanha”, o que deixa subentendido que a questão racial em âmbito social já amargava uma intransigência quase hierárquica.
Em um dos episódios da primeira temporada, há um momento elementar em que o presidente da Union Pacific, Thomas Durant, e um senador afirmam que as terras que os índios habitam pertencem ao Governo dos EUA. O chefe cheyenne retruca: “Eles compraram? Trocaram por algo? Não? Então não pertence a eles”. É uma série muito boa em que o maniqueísmo confronta seu antagonismo e desnuda a natureza humana, suas qualidades, dúvidas e falhas, independente de etnia, raça e credo. Hell On Wheels, como o próprio nome diz é o Inferno, mas também tem momentos de Céu e Purgatório.
Uma das cenas mais marcantes que me recordo é do sétimo episódio da primeira temporada. É um diálogo entre o protagonista, ex-soldado confederado Cullen Bohannon, interpretado por Anson Mount, e Ferguson. Bohannon explica que quando os nortistas invadiram sua propriedade, deixando-a em chamas, ele foi procurar o filho no celeiro. O encontrou sobre o palheiro todo encolhido, abraçando os joelhos contra o peito, e com o corpo todo queimado envolvido por Bethel, a escrava negra que criou Bohannon. Estava tentando proteger o garotinho das chamas. Infelizmente, era tarde demais, e os dois corpos pareciam fundidos, como se fossem um. Foi quando o ex-soldado concluiu que na finitude todos são iguais.