Archive for the ‘Confusão’ tag
Ele amou a morte da minha mãe!
A mãe de um amigo faleceu. Cliquei sem querer na reação “amei” do Facebook e houve um blecaute. Não tive tempo de corrigir. Sozinho em casa, peguei o celular. Bateria descarregada, desespero, olhos fumegantes. 15 minutos depois gritaram na calçada.
— Chega aí, mano. Quero falar com você.
— E aí, irmão. Tudo bem?
— Como assim tudo bem, cara? Você amou a morte da minha mãe. Nem acreditei quando vi. O que tem de errado contigo? Te fiz alguma coisa?
Berros, palavras inintelígiveis na calçada e dedo apontado em minha direção. Vizinhos observando.
— Você é mau, cara. Você é muito mau!
— Não sou não!
— É sim! Nunca vou esquecer que você amou a morte da minha mãe.
— Nunca faria isso. Foi um equívoco. Perdão.
— Não perdoo!
— Perdoa sim!
— Perdoo não!
Sentou no meio-fio e chorou. Olhos avermelhados, boca entreaberta e cabelos desgrenhados. Alguém chamou a polícia.
— O que tá acontecendo aqui? — Perguntou o policial.
— Ele amou a morte da minha mãe!
— Não amei não.
— Como assim ele amou a morte da sua mãe?
— Ele amou! Amou! Amou! É um amante de mortes!
Olhos coçando, barba pinicando e cachorros uivando.
— Isso não é verdade. Eu soube da morte da mãe dele e sem querer cliquei em “amei” no Facebook. Quando tentei corrigir houve um blecaute.
— Isso é muito triste. Entendo a sua dor, meu amigo. Tome cuidado com isso aí, cara. Olhe como você deixou seu amigo.
— Po, como assim? Apenas fui traído pelo mouse.
— Traído pelo mouse? Vai culpar mesmo o mouse?
— É, você tem razão. Isso seria especismo.
— Quê?
— Nada não…
Caminhão de lixo passando, gatos miando e duas testemunhas de Jeová me olhando torto e panfletando.
— Quer dar queixa?
— Como assim dar queixa? Não fiz nada. E não existe queixa para esse tipo de situação. O que seria isso, uma queixa de emoticons?
— Está me gozando? É isso?
— Eu não…
— Sei…
— Quer dar queixa, amigo?
— Hum…não sei.
— Pense bem.
— Ah, deixa pra lá.
— Você que sabe.
— E, você, amigo, cuidado com esses dedos aí.
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Por que você fez isso?
No mercado, enquanto eu lia cuidadosamente o rótulo de um produto, notei uma mulher bem perto de mim. Muito perto mesmo, tanto que por pouco não senti a respiração dela junto do meu pescoço. Então me afastei um pouco e continuei lendo. Ela se aproximou mais uma vez. Achei melhor caminhar até o outro corredor. Impossível. Levei um beliscão na bunda.
— Que isso? O que foi isso?
— Conheço essa barba, esse bumbum, esse corpão, de longe.
— Como é? Quem é você?
— Ah, vai fingir agora, é? Vai ficar de brincadeirinha?
— Nem te conheço, moça. Por que você fez isso?
— Ah, para, né? No ano passado você gostou.
— Nunca te vi, como tu diz uma coisa dessas?
— Ah, nem vem. Aquela vez você gostou e muito.
— Moça, creio que você está me confundindo com alguém.
— Não estou não…
— Tem certeza? Então diga qual é o meu nome.
— Ah, para, né, Yusuf?
— Yusuf? Quem é Yusuf aqui? Meu nome é David.
— Vai mentir o nome agora?
Tirei a minha CNH da carteira e mostrei meu nome. Pensei: “Agora tudo se resolve!“
— Então por que no ano passado você disse que seu nome era Yusuf?
— Quê? Eu nunca disse isso. Nunca disse porque realmente nunca a vi.
— Olha, cara, sei que faz tempo, que depois a gente não se viu mais, mas vamos parar de sacanagem.
— Como assim? Você beliscou a minha bunda e eu que estou de sacanagem?
De repente, uma amiga dela se aproximou.
— Berta, olha quem eu encontrei aqui. É o Yusuf, lembra dele?
— Paula, esse não é o Yusuf. O Yusuf está morando em Ankara, na Turquia.
— Tá de brincadeira comigo?
— Claro que não.
— Sério mesmo?
— Claro que sim.
— Desde quando?
— Desde o ano passado.
— Hummm…
— Olha, moço, nem sei o que dizer, só sentir. Mil perdões pela confusão…
— Moço, desculpe a minha amiga. Ela não é muito boa com fisionomias.
— Tudo bem…
— Mas toma cuidado, viu? Tem mais gente que pode te confundir com o Yusuf.
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A ilusão do highlander
Sempre que vejo pessoas na rua arrumando confusão, seja no trânsito ou em qualquer outro lugar, ou se colocando em situações desnecessárias de perigo, me recordo de quando eu era criança e assisti Highlander pela primeira vez. Eu realmente sonhava com a imortalidade. Afinal, quem iria contestar uma criança, tirar dela o direito de sonhar?
Claro que isso não durou muito tempo, porque a maturidade se encarregou de desfazer esse sonho, de mostrar que a finitude não existe só para os outros, mas também para mim. Porém, quando vejo pessoas arriscando a própria vida por nada, penso que provavelmente elas se veem como highlanders.
O banheiro
Eu e uma garota fomos até uma pizzaria, mas naquela pizzaria só havia um banheiro. Para não parecer grosseiro, sugeri que ela usasse primeiro e fiquei esperando a minha vez. Abri a porta, ela entrou e continuei ali, trançando as pernas de vontade de urinar. Nos primeiros minutos, chegou um rapaz e avisei que havia uma garota usando o banheiro. Ele me ignorou completamente e começou a gritar enquanto esmurrava a porta:
“Meu Deus! Quem tá aí dentro? Eu preciso entrar! Ande! Vamos! Eu quero usar! Saia logo daí, senão vou mijar na porta, cacete!” Incomodado com tamanha falta de educação, pedi ao sujeito que se retirasse e ameacei chamar o gerente. Surpreso, ele se afastou, levantou as mãos, fez um V com os dedos, em sinal de paz e amor, e foi embora.
Não passou mais de 30 segundos, a porta abriu e ela gritou comigo: “Qual é a sua, cara? Tem problema de raiva?” Ruborizado, tentei explicar o que aconteceu. Ela simplesmente riu. Claro, um daqueles risos vis de quem quer esfaqueá-lo vagarosamente. “Por acaso esse outro cara tem a mesma voz que a sua? Me mostre onde ele está! Agora eu quero ver!”, interpelou.
Respondi que era tarde demais, e provavelmente ele já tinha ido embora da pizzaria. Ainda irritada e descrente, esbravejou: “Vai lá, cara! Despeja tudo que você tem aí, porque pela forma como você falou não tenho dúvida alguma de que seu pirulito vai explodir.” Sem pensar duas vezes, corri para dentro do banheiro. Quando saí, já aliviado, ela tinha sumido.