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A morte de Élcio Caetano

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Élcio Caetano: “Quero que todos vejam e tenham orgulho de mim” (Foto: David Arioch)

O artesão Élcio Caetano faleceu ontem durante uma cirurgia. O conheci em 2014 e fiz uma matéria contando sua história. Ele ficou paraplégico há mais de dez anos, depois de levar um tiro. Entrou em depressão quando descobriu que não poderia mais andar, mas perseverou e encontrou no artesanato uma forma de superação.

O visitei muitas vezes para saber como ele estava e também para tentar ajudá-lo com o apoio dos amigos João Henrique de Andrade e Luzimar Ciríaco Andrade. Em novembro de 2014, ele foi homenageado na Câmara Municipal de Paranavaí em sessão solene em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra.

Naquela noite, busquei ele em casa. Foi um dos momentos em que o vi mais feliz, sorrindo e empolgado com a possibilidade de ter sua trajetória elogiada por tanta gente. Durante a solenidade, Élcio discursou brevemente, e sua leveza em forma de palavras deixou claro que nem suas limitações físicas o impediam de amar a vida.

Na mesma semana, ele colocou o diploma de personalidade negra de 2014 em um ponto bem visível da parede da sala, para que todos pudessem vê-lo e entender como aquele momento foi significativo em sua vida. “Daí eu não tiro nunca mais. Quero que todos vejam e tenham orgulho de mim”, justificava sorridente.

Élcio gostava de produzir arte com materiais recicláveis e objetos que as pessoas descartavam como se fossem lixo. Também fazia pão para vender, um ofício casual que aprendeu com a mãe. Jamais ficava à toa, mantinha-se sempre ocupado.

“Naquele estado [referindo-se à depressão ao saber que não andaria mais], o ócio é perigoso porque a pessoa acaba tendo muitas ideias que não são saudáveis”, me dizia. O encontrei muitas vezes cruzando ruas e avenidas com sua motoneta adaptada. Com as mãos no guidão e o vento acariciando o rosto, ele se via menos limitado, mais livre.

No ano passado, por problemas burocráticos, ele perdeu o Benefício da Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/LOAS), e o governo ainda exigiu que Élcio devolvesse os R$ 70 mil que recebeu ao longo dos anos. Ele ficou um bom tempo sem receber o seu salário mínimo, sua principal fonte de renda.

E a depressão vencida há muito tempo, retornou quando ele reconheceu que mal tinha o que comer. Como devolveria R$ 70 mil? E mais uma vez, ele contou com o apoio de amigos e de pessoas que realmente se preocupavam com o seu bem-estar.

Quando o governo percebeu que ele era um sujeito honesto, que tinha direito de continuar com o benefício, também foi firmado um compromisso de repassar a ele todos os salários que não recebeu durante o bloqueio do LOAS. Infelizmente, ontem, poucos meses depois, Élcio Caetano faleceu durante uma cirurgia, ainda jovem, crente de que logo estaria de volta para continuar produzindo sua arte.

Saiba Mais

Élcio Caetano era morador do Conjunto Dona Josefa, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná.

Written by David Arioch

January 20th, 2017 at 12:18 pm

“Ô tio, não leva meu pai! Por favor!”

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“Não leva ele hoje. Ele não teve nem tempo de ficar com a gente”

Há um tempinho, após uma entrevista, saí de uma residência no Conjunto Dona Josefa, na periferia de Paranavaí, e lá fora fui abordado por uma criança que morava na casa vizinha. “Ô tio, não leva meu pai! Por favor! Não leva ele hoje. Ele não teve nem tempo de ficar com a gente”, disse o garotinho de quatro anos com olhos marejados.

Enquanto falava, a criança usava sua trêmula mão esquerda para segurar sem jeito dois dedos da minha mão direita. Expliquei a ele que eu não estava atrás do pai dele. “Por favor, tio! Por favor, deixa ele com nós! Hoje é meu aniversário! Juro que nunca mais faço arte na minha vida!”, continuou repetindo. Depois cruzou os dedos indicadores das mãos e os beijou num estalo sem igual fazendo promessa em forma de sinal.

Só se acalmou quando mostrei meu caderno, meu gravador e minha caneta. O garotinho sentiu um alívio tão grande que seu sorriso se transformou em uma gargalhada. De repente, começou a saltar sobre um pedaço de toco queimado rente ao portão.

Ele estava eufórico e queria dividir isso até com quem não notava sua existência por causa da pequenez. Quando parou de pular, ficou rubro de vergonha e correu para dentro de casa arrastando um par de chinelinhos com elástico junto aos calcanhares. Naquela noite, mais do que uma festinha, ele teria seu pai dormindo em casa.

“Com o artesanato, diminuí 90% do meu consumo de remédios”

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Vítima de bala perdida, Élcio Caetano aprendeu a lidar com a deficiência física por meio da arte

Caetano: "Gosto de trabalhar com produtos recicláveis e transformar o industrializado em artesanato" (Foto: David Arioch)

“Gosto de trabalhar com produtos recicláveis e transformar o industrializado em artesanato” (Foto: David Arioch)

Na próxima segunda-feira, às 23h35, completa dez anos que Élcio Caetano ficou paraplégico por causa de uma bala perdida. À época, passou mais de um mês tentando assimilar o que tinha acontecido. “Demorou pra cair a ficha e tive dificuldade em aceitar o fato de que nunca mais andaria”, diz o morador do Conjunto Dona Josefa, entre a Vila Operária e a Vila Alta, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná.

Ainda em 2004, sem saber que rumo tomar, Caetano aceitou participar de um programa de terapia ocupacional por sugestão de uma vizinha. “Naquele estado, o ócio é perigoso porque a pessoa acaba tendo muitas ideias que não são saudáveis”, comenta Élcio que teve o primeiro contato com o artesanato em um curso para confecção de tapetes com saquinhos de leite. Foi amor à primeira experiência.

Quase dez anos depois, o que começou como uma terapia se transformou em um meio de sobrevivência. Hoje, Caetano é um especialista em aproveitamento e reutilização de materiais. “Gosto de trabalhar com produtos recicláveis e transformar o industrializado em artesanato”, comenta o artista que tem familiares e amigos que o incentivam. A irmã, por exemplo, costuma ir até a rua 25 de Março, em São Paulo, comprar acessórios e adereços para incrementar as peças de Élcio.

Outros parceiros são a Santa Casa de Paranavaí e Clínica Radiológica de Paranavaí que doam radiografias que o artista transforma em belas borboletas. “Também recebo contribuições de uma cooperativa de materiais recicláveis”, declara enquanto exibe algumas peças recém-confeccionadas e de alta qualidade. Élcio Caetano manipula dezenas de matérias-primas, criando peças únicas, tanto utilitárias quanto decorativas. “Faço vaso com cipó e arame, abajour com tampinhas de garrafa, além de coelho e cortina com garrafas pet”, enfatiza, embora tenha predileção pelo trabalho com sementes.

Faz quase dez anos que Élcio descobriu o talento para o artesanato (Foto: David Arioch)

Faz quase dez anos que Caetano descobriu o talento para o artesanato (Foto: David Arioch)

Com base na demanda, Élcio produz levando em conta as mudanças de clima e tempo. No frio, confecciona toucas, cachecóis, boinas e polainas. No calor, se dedica a fazer colares, pulseiras, arranjos de flores, cortinas e bolsas. “Tem muita gente que deveria experimentar uma atividade como essa. Dá uma satisfação imensa. Com o artesanato, diminuí 90% do meu consumo de remédios. E olha que quem tem paraplegia precisa tomar remédio até pra acordar, comer e dormir”, afirma, sem esconder a satisfação e a alegria de estar vivo e fazendo o que gosta.

Sobre a concorrência com produtos industrializados, o artista que trabalha até a hora de dormir não vê motivos para preocupação. “Existe espaço pra todo mundo. A vantagem do artesanato é que as peças são únicas. Uma nunca sai igual a outra. Então atrai quem busca um diferencial nesse sentido”, esclarece. Interessados em encomendar peças ou conhecer melhor o trabalho de Élcio Caetano, podem ligar para (44) 9725-2450.