David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for the ‘Consciência’ tag

Atropelou um gato e partiu

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(Ilustração: Pauline Daclub)

Um motorista, assim como muitos, atropelou um gato e o deixou estirado no asfalto. Não se importou em saber se estava vivo ou morto. Não parecia importante uma vida menor do que os pneus de sua caminhonete.

Talvez partisse da consideração de que vidas são relevantes apenas quando convenientes. As outras, pouco importa, principalmente de criaturas menores que não verbalizam o que sentem.

Mas o gato ainda se movia, deitado à força no chão quente de verão. “Logo morre”, concluiu. Alguém viu e recolheu o animal que, muito ferido, não resistiu. Pela manhã, quando o motorista acordou, ouviu um miado vindo do banheiro.

Gatos não viviam na casa. Procurou, procurou, e os miados não paravam, apenas mudavam de cômodo a cômodo – e nada de encontrar qualquer felino. Desistiu da busca e foi para o trabalho.

No caminho, os miados vinham debaixo do carro. Não entendia como era possível. Ignorou e ligou o som. Miados nos alto-falantes. Ficou irritado, esmurrou o volante e acelerou com violência, até que perdeu o controle da caminhonete.

Atravessou a pista contrária e capotou duas vezes antes de atravessar uma mangueira, invadindo um pasto sem boi. Nenhum veículo parou para socorrê-lo. Era como se fosse invisível ou não estivesse ali.

Preso entre as ferragens, observava pela janela motoristas seguindo suas vidas. Alguns pedestres passaram ao seu lado e seguiram adiante. Ele agonizava dentro da caminhonete, e os miados já inexistiam.

Prestes a desmaiar, ouviu um miado e monologou, quase sem forças: “De novo? Então esse é o fim?” Um gato se aproximou, e miava tão alto que foi como se o tempo tivesse parado. As atenções se voltavam para o felino – veículos e pessoas assistiam.

Assim que o gato lambeu o motorista ferido, os paramédicos e os bombeiros se aproximaram. O homem sobreviveu, e no hospital perguntou pelo gato. “Que gato?”, replicavam a cada repetição da questão. Retornou muitas vezes ao local do acidente, e nenhum sinal felino.

Quando indiferença e desinteresse nos incomodam

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Arte: Pixabay

Se uma pessoa por quem você tem estima o trata com indiferença ou desinteresse, confrontá-la externalizando em palavras agressivas o que você sente não vai melhorar isso ou alterar tal fato. Pode parecer difícil, mas há momentos em que o melhor é não dizer nada e simplesmente seguir adiante. Verbalizar coisas ruins como forma de “remediar” um sentimento ou realidade pode parecer um alívio, ainda que irrefletido, no momento, mas depois restarão apenas estilhaços de uma exaltação momentânea. E neste caso a fragilidade tornar-se veículo imponderado.

É comum desejarmos retribuir ou reprovar o que nos incomoda em relação ao chamado comportamento que depreciamos de alguém em relação a nós, mas se isso tornou-se uma já naturalizada inerência de alguém em relação a você, talvez isso signifique apenas que já não há muito o que frutificar. E forçar qualquer situação creio que não ajudaria.

Se analisarmos brevemente o comportamento das pessoas em relação a nós, não é difícil balizar o que realmente é saudável e o que não é para nós. Então tentar vingar-se ou retribuir sentimento negativo pode ser má ideia, já que dificilmente melhoraria a situação. Acredito que relações humanas devem ser colocadas sobre uma balança, se pende-se pouco para um lado e muito para outro, não há como se sustentar por muito tempo; já que o insustentável desequilíbrio, e derramamento para fora de nós mesmos, é apenas uma questão de tempo.

Podemos sentir-nos incomodados com as pessoas por vários fatores, mas quando isso se torna acumulativo, e realmente faz mal para a saúde emocional e psicológica, é válido considerar que as conexões humanas são tão importantes e inerentes à vida quanto as desconexões. E é possível seguir adiante sem precisar se entregar aos paroxismos sedutores desencadeados por possível frustração – que pode também resultar mais do que ansiamos do que realmente enxergamos em relação aos outros quando bebemos de nossas expectativas.

Veganismo não é sobre perfeição ou pureza

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O que há de tão racional em matar um animal para se alimentar de sua carne?

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Dono de mercado de peixes desiste de vender um polvo depois de perceber a inteligência do animal

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Experiência brincando de “esconde-esconde” com um polvo em Fiji motivou o empresário a libertá-lo

Polvo que recebeu o nome de Fred foi devolvido à natureza na semana passada (Foto: Giovanni’s Fish Market)

Na semana passada, Giovanni DeGarimore, dono do mercado de peixes Giovanni’s, em Morro Bay, na Califórnia, mudou de ideia sobre a venda de um polvo depois de perceber a inteligência do animal, que provavelmente seria servido no jantar de alguém.

Em entrevista ao San Luis Obispo Tribune, DeGarimore comentou que há pouco tempo estava mergulhando em Fiji quando encontrou um polvo que “brincou com ele de esconde-esconde” por 15 minutos. Giovanni DeGarimore reconheceu que não poderia mais comercializar polvos, seres que qualificou como “magníficos e indiscutivelmente conscientes”.

O polvo de mais de 31 quilos chegou ao Giovanni’s em 14 de maio, recebeu o nome de Fred e passou alguns dias em um tanque antes de ser devolvido à natureza, um local seguro onde não corre o risco de ser capturado novamente.

Há anos a senciência e a inteligência dos polvos deixou de ser uma novidade. Em 2009, a Scientific American publicou o artigo “Are Octopus Smart?”, em que a pesquisadora e especialista em polvos Jennifer Mather explicou que polvos são seres inteligentes com capacidade de assimilar novas informações e usá-las em seu benefício.

“Os polvos participam de brincadeiras e têm personalidades distintas. O complexo ambiente dos recifes tropicais provavelmente ajudou a estimular sua inteligência. Há uma enorme variedade de situações, muitos tipos de presas, muitos predadores e, se você não for blindado, é melhor ser esperto”, informou Jennifer.

Quem sabe, no futuro Giovanni DeGarimore estenda essa empatia aos outros animais comercializados no Giovanni’s, quando descobrir que peixes também são seres sencientes, inteligentes e sociáveis, de acordo com a pesquisa “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, do professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, publicada recentemente na revista Animal Cognition; e com o livro “Do Fish Feel Pain?” da bióloga Victoria Braithwaite, professora da Universidade Estadual da Pensilvânia.





 

Animais que produzem medicamentos a partir de plantas podem despertar novas discussões sobre a senciência e a inteligência animal

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A medicina não é exclusivamente uma invenção humana, e muitos outros animais são conhecidos por se automedicarem com plantas e minerais

Orangotangos transformaram o extrato de uma planta da ilha de Bornéu em um analgésico tópico (Foto: Getty Images)

Este mês, a Scientific American, uma das revistas científicas mais prestigiadas dos Estados Unidos, publicou um artigo intitulado “Orangutans use plant extracts to treat pain”. Ou seja, “Orangotangos usam extratos de planta para tratar a dor”. No artigo, o autor Doug Main, afirma que a medicina não é exclusivamente uma invenção humana, e que muitos outros animais; como insetos, aves e primatas não humanos, são especialmente conhecidos no meio científico por se automedicarem com plantas e minerais – principalmente para tratar infecções e outras enfermidades. O que por si só já é um indicativo claro não apenas dos níveis de consciência animal, mas também de inteligência.

Mas o que mais chama a atenção no artigo, que pode despertar novas discussões sobre a inteligência animal e a senciência, ou seja, a capacidade de sentir dor, é que a pesquisadora e ecologista comportamental Helen Morrogh-Bernard, que há décadas estuda o comportamento dos orangotangos na ilha de Bornéu, encontrou evidências de que orangotangos têm produzido medicamentos de forma inédita a partir de plantas.

Helen, que trabalha para a Borneo Nature Foundation, passou mais de 20 mil horas realizando observação formal do comportamento desses animais, e constatou que ocasionalmente eles mastigam especificamente uma planta que não faz parte de suas dietas. Os orangotangos a mastigam até formar uma espuma e então a esfregam na pele. As massagens com o medicamento natural duram até 45 minutos, e normalmente o extrato é usado nas pernas e nos braços. Os pesquisadores acreditam que esse é o primeiro exemplo conhecido de um animal não humano usando um analgésico tópico fabricado por ele mesmo.

A planta, que tem o nome de Dracaena cantleyi, é um arbusto de aparência incomum com folhas riscadas, e é muito eficaz no tratamento de dores. A química do analgésico dos orangotangos da ilha de Bornéu foi estudada na Academia Tcheca de Ciências, na Universidade Palacký (em Oromouc, na República Tcheca) e na Universidade Médica de Viena.

Os pesquisadores dessas instituições, parceiros da Borneo Nature Foundation, adicionaram extratos às células humanas que foram cultivadas em um prato e as estimularam artificialmente para produzir citocinas – uma resposta do sistema imunológico que causa inflamação e desconforto. Os cientistas envolvidos na pesquisa relataram à revista acadêmica Scientific Reports que o extrato vegetal da Dracaena cantleyi reduziu a produção de vários tipos de citocinas.

Segundo o biólogo Jacobus de Roode, da Universidade Emory, sediada em Atlanta, nos Estados Unidos, o resultado realmente sugere que os orangotangos usam a planta para reduzir a inflamação e tratar a dor. Descobertas como essa ajudam a identificar plantas e substâncias químicas que podem ser úteis na fabricação de medicamentos de uso humano.

De acordo com o artigo “Orangutans use plant extracts to treat pain”, publicado pela Scientific American, em criaturas como insetos, a capacidade de se automedicar é quase certamente inata; as lagartas do tipo urso lanoso infectadas com moscas parasitas procuram e comem substâncias vegetais que são tóxicas para as moscas. Mas animais mais complexos podem aprender tais truques após uma descoberta inicial por um membro de seu grupo.

“Por exemplo, um orangotango pode ter esfregado a planta em sua pele para tentar lidar com parasitas e percebeu que ela também causava um agradável efeito analgésico”, disse Michael Huffman, primatologista da Universidade de Kyoto, no Japão. Esse comportamento pode então ter sido passado para outros orangotangos.

Aparentemente, não há registros desse tipo de automedicação fora do centro-sul de Bornéu, o que significa que a descoberta tem grande valor científico. E claro, tudo isso ajuda a endossar o fato de que não temos razão para subestimar a senciência e a inteligência animal não humana quando, cada vez mais, eles nos dão mostras de que ainda temos muito a aprender, e principalmente em relação às suas lições e ao valor da vida não humana – incluindo sua capacidade de sentir dor.





Alguém diz: “Não quero mais ser chamado de vegano”

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Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals

Alguém diz: “Não quero mais ser chamado de vegano por causa das pessoas, por causa da indiferença de alguns, ações com as quais não concordo, ódio de outros e por causa dos rumos do movimento.”
 
Serei bem honesto. Não sou vegano pelo que as pessoas acham ou deixam de achar. Sei o significado do veganismo e isso me basta. Sim, me identifico como vegano, mas não vejo o veganismo como um grupo, e sim um movimento com pessoas com opiniões e linhas de ações diferentes em inúmeros aspectos. Sim, há falhas nesse meio, porém não são nequices do veganismo, mas sim das pessoas, e isso pode ser corrigido.
 
E se não for, também não significa que essas paráclases irão implodir ou manducar visceralmente ações em prol de um bem maior, ou pelo menos impedir que as pessoas entendam que a mensagem é a de que os animais não devem ser vistos como objetos, comida, mão de obra, entretenimento; enfim, meios para um fim; e que podemos contribuir e fortalecer um conceito de unidade. Não tenho motivo para desacreditar figadalmente no veganismo.
 
Porém, como se trata de um movimento baseado em pessoas, logo variegado, as divergências sempre existirão, e cabe a nós estarmos preparados para lidarmos com elas. Buscar uma normatização ou uniformidade nesse sentido não é apenas utópico como talvez até mesmo sem sentido quando falamos de algo de proporção mundial, e que perpassa naturalmente por diferenças culturais.
 
No meu entendimento, o mais importante é as pessoas terem consciência do que estão fazendo, entenderem o veganismo e serem veganas pelos motivos certos. Se alguém quiser falar que não sou vegano, não vejo problema também. Mas o que acho interessante em divulgar o veganismo, e no fato das pessoas se colocarem como veganas, quando o fazem pelos motivos certos, que é a luta pelos direitos animais e pelo abolicionismo animal, é que permite que os outros logo façam uma rápida associação com o significado dessa filosofia de vida, e assim entendam cada vez mais o seu significado primordial e real.
 
Acho que poderíamos parar de querer ou exigir que todos os veganos sejam iguais. Porque nada na vida funciona dessa forma, e com o veganismo não seria diferente. Tenho sempre o cuidado de não achar que o que faço também deve ser feito pelos outros. Este sou eu explorando o que encaro como minhas potencialidades. A do outro podem não ser as mesmas, e devo respeitar isso. Apontar o dedo para o outro sem conhecer a sua real contribuição ou se negar a reconhecê-la me parece sempre um erro e que poderia ser evitado com a clássica razoabilidade.
 
Há quem critique quem não faz ativismo de rua, quem não tutela ou resgata animais, entre outras coisas. Parece que há sempre motivos para desmerecer o outro em vez de incentivá-lo, motivá-lo. Mas será que conhecemos ou entendemos a luta do outro o suficiente para criticá-lo ou menosprezá-lo? Esses conflitos não podem ser também um indicativo do ser humano se colocando novamente acima dos outros? E colocar-se acima dos outros será que combina com o veganismo?
 
Será que o outro não faz algo que eu ou você não fazemos? No mais, o veganismo tem um conceito que tem se fortalecido cada vez mais, e cada dia que passa mais pessoas ficam sabendo, mesmo que seja vagamente, o que é um vegano, e isso é bom porque é uma evidência de uma nova consciência em relação à forma como tratamos e devemos tratar os animais. Na minha opinião, o equilíbrio e a ponderação são capitais – absorver o que vale a pena e descartar o que não vale.

 

 

 





 

Será que realmente é possível ser vegano?

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Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals

Considero o veganismo algo bem simples. Uma pessoa rejeita a ideia de consumir animais e faz o possível para não tomar parte nesse tipo de exploração. E, se possível, motiva outras pessoas a fazerem o mesmo. Mas então alguém aponta que isso é uma incoerência porque de algum modo a pessoa ainda continua endossando outras formas de exploração. Ou então aponta que o consumo de carne ainda é muito elevado. Sim, o consumo de carne ainda é elevado, levando em conta que vegetarianos e veganos ainda são minoria, mas isso está longe de significar algo que não seja um ascendente. O próprio CEO da Tyson Foods, uma das maiores “produtoras de carne” do mundo, reconheceu que a proteína vegetal é a proteína do futuro. Ademais, escândalos, crises econômicas, associações de conglomerados e frigoríficos com sonegação, exploração, corrupção e violência têm feito as pessoas refletirem como nunca fizeram antes.

Compare por exemplo com a realidade brasileira da década passada, ou então com a realidade da década de 1990. Pela primeira vez no Brasil qualquer pessoa com acesso à internet tem recebido nem que seja fortuitamente algum tipo de informação revelando mazelas associadas ao consumo de carne, laticínios e ovos. Admito que tenho visto um cenário bastante positivo e propício para a redução do consumo de produtos de origem animal e para o crescimento do vegetarianismo e do veganismo. Não preciso nem mesmo usar gráficos para reforçar isso. A realidade está aí para quem quiser analisá-la.
 
Gilles Lipovetsky escreveu na década passada que a pós-história seria marcada por um tempo de maior consciência por parcela significativa da população, e tudo isso graças à democratização da informação, que faria, e realmente tem feito, com que as pessoas se preocupem de fato em abandonar hábitos culturais nocivos. E essas pessoas têm condições axiomáticas de motivar outras pessoas.
 
Mas então alguém pode dizer que é insuficiente, que na realidade o que estamos fazendo é simplesmente substituição de produtos. Ou seja, as pessoas deixarão de consumir alimentos de origem animal, mas o sistema há de perseverar se adaptando a uma nova realidade exploratória. Há quem fale inclusive em um tipo de veganismo que atende aos piores interesses do capitalismo.
 
Desculpe-me, mas não acredito nisso, porque não vejo como não associar o veganismo com o consumo consciente em algum nível. Claro que temos divergências hoje em dia, como por exemplo a questão do consumo de transgênicos, de produtos da Unilever e de outros conglomerados. Alguns apontam a acessibilidade como vantagem, e outros apontam essa acessibilidade como a perpetuação da manipulação de uma massa consciente, mas ainda incapaz de não cair na capciosidade do mercado. Em situações como essa, recorra a sua consciência, será que estou fazendo tudo que eu poderia fazer? Ou será que eu poderia ir além? E decida por si mesmo.
 
Parto de uma reflexão bem simples. Empresas precisam de consumidores, e conforme esses consumidores se tornam mais críticos elas são obrigadas a reverem não apenas a elaboração de seus produtos, mas também suas políticas de trabalho, de impacto e de transparência em relação ao consumidor. Como isso pode não ser um avanço? Claro que um cenário ideal seria que não tivéssemos empresas engolindo empresas o tempo todo e se expandindo com dezenas de ramificações sob outros nomes. No entanto, precisamos partir de algum lugar se quisermos de fato alguma mudança. De certo, não será a anuência a essas práticas ou a desconsideração ao veganismo que mudará isso positivamente.
 
Não me exalto tanto com essas questões pirrônicas em relação ao veganismo porque acredito que o tempo descortinará realidades e trará novas verdades. Me chamem de iludido, mas vejo um futuro promissor. O veganismo tem se desenvolvido bem nos últimos anos e isso tem despertado dúvidas, conflitos e críticas; mas nada disso até hoje fez com que eu olhasse para o veganismo como uma impossibilidade ou uma filosofia de vida falha. Afinal, como reconhecer que os animais têm direito à vida pode não ser algo positivo? E um caminho para um futuro mais justo?
 
Como a ideia de querer um animal ao nosso lado e não no nosso prato pode não ser um símbolo alvissareiro? Sim, há um longo caminho a ser trilhado, mas tenho certeza que quanto mais pessoas aderirem ao veganismo maiores serão nossas possibilidades de nos livrarmos dessa miríade de tentáculos que envolve as mais diferentes formas de exploração animal. E à medida que as pessoas questionam uma forma de exploração, acredito que suas mentes, seja hoje, amanhã ou daqui um ano, se abrirão para uma nova consciência.
 
Fique à vontade para discordar, mas acredito piamente que o veganismo é possível para qualquer pessoa. Sim, conheço de perto a realidade de comunidades pobres e marginalizadas, inclusive pretendo colocar em prática um projeto provando que qualquer pessoa pode ser vegana, não interessando onde ela more, como é a sua rotina ou quanto ganhe. Vejo inclusive as comunidades marginalizadas como as mais vulneráveis levando em conta que estão entre aquelas com pessoas que mais se alimentam mal, e não apenas por limitações financeiras, mas principalmente por falta de instrução e informação. No entanto, quem tem a informação pode contribuir de alguma forma com aqueles que não a têm.
 
Então alguém pode perguntar: “Mas e o tiozinho que só tem a grana para comprar a linguiça ou o salsichão do almoço?” Então, em vez de incentivá-lo a comer algo que pode debilitar a sua saúde, que tal mostrar que esses alimentos podem ser responsáveis por fazer com que ele desenvolva doenças cardiovasculares ou câncer? Por que não descartar isso? Compensa até mesmo ficar apenas no básico arroz e feijão. Afinal, a tal da “mistura” nada mais é do que um condicionamento cultural.
 
“Ah, mas tem vegano que compra produtos que não são testados em animais, mas que são de empresas que também fabricam alimentos baseados em laticínios, por exemplo.” Sim, você tem razão, até porque ainda não há tantas empresas veganas no Brasil se considerarmos dimensão territorial e densidade demográfica. Logo realmente a oferta ainda não é proporcional à demanda; e o ideal, claro, seria a redução no consumo de industrializados, ou pelo menos uma grande diversificação, até para não esbarrarmos no problema que é a oferta de produtos por poucas, mas grandes empresas.
 
Sim, na atualidade, as pessoas acabam considerando suas possibilidades em um contexto de acessibilidade e até mesmo de custo-benefício. Sendo assim, sou da opinião de que só a desaceleração no consumo de produtos de origem animal pode favorecer esse cenário em um primeiro momento, e realmente há que se ter o cuidado com outras esparrelas. Porém, tenho uma perspectiva positiva em relação a isso porque sei que a consciência de hoje já não é a de ontem. E isso deve melhorar.
 
Enfim, creio que o mais é importante agora é trabalharmos com as ferramentas que temos, disseminar informação e mostrar para as pessoas que todo mundo tem condições de fazer alguma diferença. Até porque não é novidade que onde há exploração animal também há outras formas de impacto negativo em oposição à justiça social. E claro, isso acontece também fora do contexto da exploração animal. Porém, se ainda não podemos abraçar o mundo, podemos pelo menos tentar abraçar aquele que já está ao nosso alcance.




 

Carne de boi ou cavalo

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O que torna um deles mais digno de viver do que o outro?

Consumidores ficaram chocados ao saberem que a carne que estavam consumindo era de cavalo, não de boi. Então está tudo certo em comer gado, mas não cavalo? Agora disserte para mim sobre a diferença dos níveis de senciência e consciência de um cavalo para um boi. O que torna um deles mais digno de viver do que o outro? Qual é a fundamentação dessa baliza moral?

Written by David Arioch

November 24th, 2017 at 12:51 am

Será que o bacalhau sofre antes de morrer? Com certeza!

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Por ser um peixe, é subestimado enquanto ser senciente

Outro animal que costuma compor a ceia de Natal é o bacalhau, que por ser um peixe é subestimado enquanto ser senciente. Afinal, será que ele sofre antes de morrer? Com certeza. Assim como outros peixes, o bacalhau agoniza fora da água e morre asfixiado. E claro, ele não se entrega de bom gosto. O peixe luta pela vida o máximo que pode, assim como qualquer um de nós faríamos na iminência da morte.

A espécie mais tradicional de bacalhau, o bacalhau-do-atlântico ou gadus morhua, tem uma expectativa de vida de 25 anos. Porém, devido à intervenção humana, dificilmente ele passa dos primeiros anos de vida. Depois de capturado, se estiver dentro do peso almejado, o bacalhau é degolado e tem sua barriga aberta. Após a retirada das vísceras e guelras, o animal é decapitado.

Então o abrem ao meio, retiram parte da espinha dorsal, o lavam e o cobrem com sal antes de expô-lo ao sol. Depois de passar por uma desidratação de mais de 50%, o peixe é comercializado e consumido. Embora cientistas não possam dar uma resposta definitiva sobre os níveis de consciência dos peixes, tudo indica que, além da senciência semelhante a dos mamíferos, o bacalhau tem uma singular sofisticação comportamental e cognitiva.

Mas, claro, são fatores pouco divulgados e costumeiramente ignorados. O bacalhau costuma ser visto apenas como uma “iguaria” a ser servida frita, assada, cozida ou grelhada, e sempre em pedaços, sem qualquer enfática associação com um animal. A maior prova disso é que a maioria das pessoas que consome o bacalhau não sabe citar quais espécies marinhas que lhe deram origem.

A maioria também desconhece o fato de que o gadus morhua, o melanogrammus, o micromesistius e o pollachius, espécies identificadas como “bacalhau” estão na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Ou seja, consumir bacalhau é também uma forma de aproximar essas espécies da extinção.

Isso não é fato recente. Segundo a revista científica The Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences, as populações de bacalhau começaram a entrar em colapso na década de 1990. Outro ponto crítico é que há muito tempo o bacalhau é capturado e condicionado a viver em cativeiro por até dois anos, ou seja, distante do seu habitat, simplesmente engordando até o momento do abate.

No artigo “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, publicado na revista Animal Cognition, o professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, na Austrália, escreveu que peixes como o bacalhau têm suas próprias tradições, inteligência sofisticada e capacidade de cooperação e reconciliação, além de facilidade em reconhecer uns aos outros.

“O nível de complexidade mental deles está no mesmo nível de outros vertebrados, e há evidências de que eles podem sentir dor de maneira semelhante aos seres humanos”, registrou. Será que não deveríamos incluí-lo no nosso círculo moral? Ou seja, não faltam motivos para reconhecer que o bacalhau é um peixe que também tem direito à vida e não merece ser reduzido a alimento.