Archive for the ‘Consciência’ tag
Atropelou um gato e partiu
Um motorista, assim como muitos, atropelou um gato e o deixou estirado no asfalto. Não se importou em saber se estava vivo ou morto. Não parecia importante uma vida menor do que os pneus de sua caminhonete.
Talvez partisse da consideração de que vidas são relevantes apenas quando convenientes. As outras, pouco importa, principalmente de criaturas menores que não verbalizam o que sentem.
Mas o gato ainda se movia, deitado à força no chão quente de verão. “Logo morre”, concluiu. Alguém viu e recolheu o animal que, muito ferido, não resistiu. Pela manhã, quando o motorista acordou, ouviu um miado vindo do banheiro.
Gatos não viviam na casa. Procurou, procurou, e os miados não paravam, apenas mudavam de cômodo a cômodo – e nada de encontrar qualquer felino. Desistiu da busca e foi para o trabalho.
No caminho, os miados vinham debaixo do carro. Não entendia como era possível. Ignorou e ligou o som. Miados nos alto-falantes. Ficou irritado, esmurrou o volante e acelerou com violência, até que perdeu o controle da caminhonete.
Atravessou a pista contrária e capotou duas vezes antes de atravessar uma mangueira, invadindo um pasto sem boi. Nenhum veículo parou para socorrê-lo. Era como se fosse invisível ou não estivesse ali.
Preso entre as ferragens, observava pela janela motoristas seguindo suas vidas. Alguns pedestres passaram ao seu lado e seguiram adiante. Ele agonizava dentro da caminhonete, e os miados já inexistiam.
Prestes a desmaiar, ouviu um miado e monologou, quase sem forças: “De novo? Então esse é o fim?” Um gato se aproximou, e miava tão alto que foi como se o tempo tivesse parado. As atenções se voltavam para o felino – veículos e pessoas assistiam.
Assim que o gato lambeu o motorista ferido, os paramédicos e os bombeiros se aproximaram. O homem sobreviveu, e no hospital perguntou pelo gato. “Que gato?”, replicavam a cada repetição da questão. Retornou muitas vezes ao local do acidente, e nenhum sinal felino.
Quando indiferença e desinteresse nos incomodam
Se uma pessoa por quem você tem estima o trata com indiferença ou desinteresse, confrontá-la externalizando em palavras agressivas o que você sente não vai melhorar isso ou alterar tal fato. Pode parecer difícil, mas há momentos em que o melhor é não dizer nada e simplesmente seguir adiante. Verbalizar coisas ruins como forma de “remediar” um sentimento ou realidade pode parecer um alívio, ainda que irrefletido, no momento, mas depois restarão apenas estilhaços de uma exaltação momentânea. E neste caso a fragilidade tornar-se veículo imponderado.
É comum desejarmos retribuir ou reprovar o que nos incomoda em relação ao chamado comportamento que depreciamos de alguém em relação a nós, mas se isso tornou-se uma já naturalizada inerência de alguém em relação a você, talvez isso signifique apenas que já não há muito o que frutificar. E forçar qualquer situação creio que não ajudaria.
Se analisarmos brevemente o comportamento das pessoas em relação a nós, não é difícil balizar o que realmente é saudável e o que não é para nós. Então tentar vingar-se ou retribuir sentimento negativo pode ser má ideia, já que dificilmente melhoraria a situação. Acredito que relações humanas devem ser colocadas sobre uma balança, se pende-se pouco para um lado e muito para outro, não há como se sustentar por muito tempo; já que o insustentável desequilíbrio, e derramamento para fora de nós mesmos, é apenas uma questão de tempo.
Podemos sentir-nos incomodados com as pessoas por vários fatores, mas quando isso se torna acumulativo, e realmente faz mal para a saúde emocional e psicológica, é válido considerar que as conexões humanas são tão importantes e inerentes à vida quanto as desconexões. E é possível seguir adiante sem precisar se entregar aos paroxismos sedutores desencadeados por possível frustração – que pode também resultar mais do que ansiamos do que realmente enxergamos em relação aos outros quando bebemos de nossas expectativas.
Veganismo não é sobre perfeição ou pureza
O que há de tão racional em matar um animal para se alimentar de sua carne?
Dono de mercado de peixes desiste de vender um polvo depois de perceber a inteligência do animal
Experiência brincando de “esconde-esconde” com um polvo em Fiji motivou o empresário a libertá-lo
Na semana passada, Giovanni DeGarimore, dono do mercado de peixes Giovanni’s, em Morro Bay, na Califórnia, mudou de ideia sobre a venda de um polvo depois de perceber a inteligência do animal, que provavelmente seria servido no jantar de alguém.
Em entrevista ao San Luis Obispo Tribune, DeGarimore comentou que há pouco tempo estava mergulhando em Fiji quando encontrou um polvo que “brincou com ele de esconde-esconde” por 15 minutos. Giovanni DeGarimore reconheceu que não poderia mais comercializar polvos, seres que qualificou como “magníficos e indiscutivelmente conscientes”.
O polvo de mais de 31 quilos chegou ao Giovanni’s em 14 de maio, recebeu o nome de Fred e passou alguns dias em um tanque antes de ser devolvido à natureza, um local seguro onde não corre o risco de ser capturado novamente.
Há anos a senciência e a inteligência dos polvos deixou de ser uma novidade. Em 2009, a Scientific American publicou o artigo “Are Octopus Smart?”, em que a pesquisadora e especialista em polvos Jennifer Mather explicou que polvos são seres inteligentes com capacidade de assimilar novas informações e usá-las em seu benefício.
“Os polvos participam de brincadeiras e têm personalidades distintas. O complexo ambiente dos recifes tropicais provavelmente ajudou a estimular sua inteligência. Há uma enorme variedade de situações, muitos tipos de presas, muitos predadores e, se você não for blindado, é melhor ser esperto”, informou Jennifer.
Quem sabe, no futuro Giovanni DeGarimore estenda essa empatia aos outros animais comercializados no Giovanni’s, quando descobrir que peixes também são seres sencientes, inteligentes e sociáveis, de acordo com a pesquisa “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, do professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, publicada recentemente na revista Animal Cognition; e com o livro “Do Fish Feel Pain?” da bióloga Victoria Braithwaite, professora da Universidade Estadual da Pensilvânia.
Animais que produzem medicamentos a partir de plantas podem despertar novas discussões sobre a senciência e a inteligência animal
A medicina não é exclusivamente uma invenção humana, e muitos outros animais são conhecidos por se automedicarem com plantas e minerais
Este mês, a Scientific American, uma das revistas científicas mais prestigiadas dos Estados Unidos, publicou um artigo intitulado “Orangutans use plant extracts to treat pain”. Ou seja, “Orangotangos usam extratos de planta para tratar a dor”. No artigo, o autor Doug Main, afirma que a medicina não é exclusivamente uma invenção humana, e que muitos outros animais; como insetos, aves e primatas não humanos, são especialmente conhecidos no meio científico por se automedicarem com plantas e minerais – principalmente para tratar infecções e outras enfermidades. O que por si só já é um indicativo claro não apenas dos níveis de consciência animal, mas também de inteligência.
Mas o que mais chama a atenção no artigo, que pode despertar novas discussões sobre a inteligência animal e a senciência, ou seja, a capacidade de sentir dor, é que a pesquisadora e ecologista comportamental Helen Morrogh-Bernard, que há décadas estuda o comportamento dos orangotangos na ilha de Bornéu, encontrou evidências de que orangotangos têm produzido medicamentos de forma inédita a partir de plantas.
Helen, que trabalha para a Borneo Nature Foundation, passou mais de 20 mil horas realizando observação formal do comportamento desses animais, e constatou que ocasionalmente eles mastigam especificamente uma planta que não faz parte de suas dietas. Os orangotangos a mastigam até formar uma espuma e então a esfregam na pele. As massagens com o medicamento natural duram até 45 minutos, e normalmente o extrato é usado nas pernas e nos braços. Os pesquisadores acreditam que esse é o primeiro exemplo conhecido de um animal não humano usando um analgésico tópico fabricado por ele mesmo.
A planta, que tem o nome de Dracaena cantleyi, é um arbusto de aparência incomum com folhas riscadas, e é muito eficaz no tratamento de dores. A química do analgésico dos orangotangos da ilha de Bornéu foi estudada na Academia Tcheca de Ciências, na Universidade Palacký (em Oromouc, na República Tcheca) e na Universidade Médica de Viena.
Os pesquisadores dessas instituições, parceiros da Borneo Nature Foundation, adicionaram extratos às células humanas que foram cultivadas em um prato e as estimularam artificialmente para produzir citocinas – uma resposta do sistema imunológico que causa inflamação e desconforto. Os cientistas envolvidos na pesquisa relataram à revista acadêmica Scientific Reports que o extrato vegetal da Dracaena cantleyi reduziu a produção de vários tipos de citocinas.
Segundo o biólogo Jacobus de Roode, da Universidade Emory, sediada em Atlanta, nos Estados Unidos, o resultado realmente sugere que os orangotangos usam a planta para reduzir a inflamação e tratar a dor. Descobertas como essa ajudam a identificar plantas e substâncias químicas que podem ser úteis na fabricação de medicamentos de uso humano.
De acordo com o artigo “Orangutans use plant extracts to treat pain”, publicado pela Scientific American, em criaturas como insetos, a capacidade de se automedicar é quase certamente inata; as lagartas do tipo urso lanoso infectadas com moscas parasitas procuram e comem substâncias vegetais que são tóxicas para as moscas. Mas animais mais complexos podem aprender tais truques após uma descoberta inicial por um membro de seu grupo.
“Por exemplo, um orangotango pode ter esfregado a planta em sua pele para tentar lidar com parasitas e percebeu que ela também causava um agradável efeito analgésico”, disse Michael Huffman, primatologista da Universidade de Kyoto, no Japão. Esse comportamento pode então ter sido passado para outros orangotangos.
Aparentemente, não há registros desse tipo de automedicação fora do centro-sul de Bornéu, o que significa que a descoberta tem grande valor científico. E claro, tudo isso ajuda a endossar o fato de que não temos razão para subestimar a senciência e a inteligência animal não humana quando, cada vez mais, eles nos dão mostras de que ainda temos muito a aprender, e principalmente em relação às suas lições e ao valor da vida não humana – incluindo sua capacidade de sentir dor.
Alguém diz: “Não quero mais ser chamado de vegano”
Será que realmente é possível ser vegano?
Considero o veganismo algo bem simples. Uma pessoa rejeita a ideia de consumir animais e faz o possível para não tomar parte nesse tipo de exploração. E, se possível, motiva outras pessoas a fazerem o mesmo. Mas então alguém aponta que isso é uma incoerência porque de algum modo a pessoa ainda continua endossando outras formas de exploração. Ou então aponta que o consumo de carne ainda é muito elevado. Sim, o consumo de carne ainda é elevado, levando em conta que vegetarianos e veganos ainda são minoria, mas isso está longe de significar algo que não seja um ascendente. O próprio CEO da Tyson Foods, uma das maiores “produtoras de carne” do mundo, reconheceu que a proteína vegetal é a proteína do futuro. Ademais, escândalos, crises econômicas, associações de conglomerados e frigoríficos com sonegação, exploração, corrupção e violência têm feito as pessoas refletirem como nunca fizeram antes.
Carne de boi ou cavalo
Consumidores ficaram chocados ao saberem que a carne que estavam consumindo era de cavalo, não de boi. Então está tudo certo em comer gado, mas não cavalo? Agora disserte para mim sobre a diferença dos níveis de senciência e consciência de um cavalo para um boi. O que torna um deles mais digno de viver do que o outro? Qual é a fundamentação dessa baliza moral?
Será que o bacalhau sofre antes de morrer? Com certeza!
Outro animal que costuma compor a ceia de Natal é o bacalhau, que por ser um peixe é subestimado enquanto ser senciente. Afinal, será que ele sofre antes de morrer? Com certeza. Assim como outros peixes, o bacalhau agoniza fora da água e morre asfixiado. E claro, ele não se entrega de bom gosto. O peixe luta pela vida o máximo que pode, assim como qualquer um de nós faríamos na iminência da morte.
A espécie mais tradicional de bacalhau, o bacalhau-do-atlântico ou gadus morhua, tem uma expectativa de vida de 25 anos. Porém, devido à intervenção humana, dificilmente ele passa dos primeiros anos de vida. Depois de capturado, se estiver dentro do peso almejado, o bacalhau é degolado e tem sua barriga aberta. Após a retirada das vísceras e guelras, o animal é decapitado.
Então o abrem ao meio, retiram parte da espinha dorsal, o lavam e o cobrem com sal antes de expô-lo ao sol. Depois de passar por uma desidratação de mais de 50%, o peixe é comercializado e consumido. Embora cientistas não possam dar uma resposta definitiva sobre os níveis de consciência dos peixes, tudo indica que, além da senciência semelhante a dos mamíferos, o bacalhau tem uma singular sofisticação comportamental e cognitiva.
Mas, claro, são fatores pouco divulgados e costumeiramente ignorados. O bacalhau costuma ser visto apenas como uma “iguaria” a ser servida frita, assada, cozida ou grelhada, e sempre em pedaços, sem qualquer enfática associação com um animal. A maior prova disso é que a maioria das pessoas que consome o bacalhau não sabe citar quais espécies marinhas que lhe deram origem.
A maioria também desconhece o fato de que o gadus morhua, o melanogrammus, o micromesistius e o pollachius, espécies identificadas como “bacalhau” estão na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN). Ou seja, consumir bacalhau é também uma forma de aproximar essas espécies da extinção.
Isso não é fato recente. Segundo a revista científica The Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences, as populações de bacalhau começaram a entrar em colapso na década de 1990. Outro ponto crítico é que há muito tempo o bacalhau é capturado e condicionado a viver em cativeiro por até dois anos, ou seja, distante do seu habitat, simplesmente engordando até o momento do abate.
No artigo “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, publicado na revista Animal Cognition, o professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sidney, na Austrália, escreveu que peixes como o bacalhau têm suas próprias tradições, inteligência sofisticada e capacidade de cooperação e reconciliação, além de facilidade em reconhecer uns aos outros.
“O nível de complexidade mental deles está no mesmo nível de outros vertebrados, e há evidências de que eles podem sentir dor de maneira semelhante aos seres humanos”, registrou. Será que não deveríamos incluí-lo no nosso círculo moral? Ou seja, não faltam motivos para reconhecer que o bacalhau é um peixe que também tem direito à vida e não merece ser reduzido a alimento.