David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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A recompensa e o medo da danação

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“E se as pessoas soubessem que não ganhariam nada por serem boas?”

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Representação do inferno criada pelo pintor italiano Sandro Botticelli

Ao longo da minha vida, tive contato com diversas religiões e algumas antagônicas em certos aspectos. Fiz catequese e participei de escolas dominicais na minha infância e nos primeiros anos da adolescência. Até para minha surpresa, eu costumava estar entre os melhores alunos, embora minhas dúvidas soassem acéticas ou dignas de um infiel para alguns ou muitos. Ainda assim, eu não hesitava em refletir profundamente sobre o que lia e ouvia. Mesmo pequeno, não tinha facilidade em absorver qualquer coisa como verdade inquestionável.

O comportamento humano já me intrigava naquele tempo porque para além das cortinas de fé eu percebia algo nas pessoas que me parecia estranho e paradoxal. “Seja um bom menino que mais cedo ou mais tarde a recompensa aparece”, me diziam muitos quando eu ainda era criança. E esse discurso se repetiu muitas outras vezes e das mais variadas formas. As palavras mudavam, mas não deixavam de transmitir a mesma mensagem. Até que um dia eu comecei a me questionar.

“E se as pessoas soubessem que não ganhariam nada por serem boas? Se descobrissem que se trata de um dever como ser humano e simplesmente isso? E se após a morte lhe fosse reservado um lugar ao lado daqueles que você considera descrentes, ruins e degenerados? Você ainda faria tudo que fez? Seria realmente a mesma pessoa? E se não houver recompensa, não há motivo para ser bom ou justo?”

Me deparo todos os dias com pessoas que sustentam a própria fé e a ideia de fazer o bem como uma moeda de troca para ser beneficiado no futuro ou no pós-morte, como se Deus tivesse assinado algum termo de responsabilidade ou de indenização pela vida terrena que muitos depreciam na ânsia pelo paraíso. Como não encarar isso como uma forma de mercantilização da bondade? Por que não ser bom porque é sensato e condiz com a natureza humana quando ela não é subtraída da própria essência?

Acredito de fato que o ser humano é naturalmente benevolente, quando não o é significa que em algum momento suas características naturais foram corrompidas. Também penso que o justo nem sempre é verdadeiramente justo por um senso moral, por um senso altruísta. Muitas vezes a bondade nasce do medo da punição, da danação, de ser relegado à escuridão eterna. “Foi tarde. Tá ardendo no inferno, no colo do capeta”, já ouvi copiosamente. E que autoridade tem alguém em afirmar isso? Ou até mesmo desejar o mal a alguém? Quem somos nós para definir o que as pessoas merecem?

Diversas religiões falam que o fiel, o bom, ganhará os céus. Mas ser devoto de uma religião não significa ser bom e vice-versa. A bondade, como a caridade, independe de religião. Ela precisa fluir sempre de dentro do ser humano para fora, e mesmo distante de uma igreja há quem faça ela prevalecer até mais do que a de um suposto fiel. Crer que é melhor por ter uma religião reafirma apenas uma posição de devoto de ocasião.

Muitas vezes também li e ouvi pessoas afirmando que Deus há de punir seus desafetos porque ninguém “mexe com um servo ou serva de Deus”. Aí então surge uma curiosa distorção de crenças em que o religioso se coloca numa posição de deidade enquanto a Deus é delegada a função de subserviência, como um servo que deve atender aos caprichos de alguém com uma visão distorcida e particularista de justiça. Assim há seres humanos que não apenas se veem como merecedores de recompensa, mas vão muito além – eles a exigem em retribuição à fé que afirmam possuir incondicionalmente.

Benzedeira já foi presenteada com carro zero-quilômetro

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Pela cura de graves enfermidades, mãe-de-santo ganhou três automóveis novos

Mãe-de-Santo segue a umbanda há mais de 40 anos

A benzedeira baiana Clarice Pereira Eurinice é umbandista em Paranavaí há mais de 40 anos. Ao longo da carreira, a médium foi presenteada com três carros zero-quilômetro em retribuição pela cura de enfermidades.

A mãe-de-santo Clarice Pereira Eurinice adotou a umbanda como religião antes de sair da Bahia para vir ao Paraná. “Desde então eu olho o tarô, jogo os búzios, benzo e resolvo problemas espirituais e materiais. O nome do meu terreiro é Senhor O Bom Jesus de Nazaré e a minha guia é a Mãe Regina de Aruanda”, explica. O guia é o espírito que a ajuda a resolver os problemas daqueles que a procuram.

Para benzer, Clarice informa que não cobra. “Sempre benzo de graça. Cobro apenas quando querem que eu faça algum trabalho que exige despesas”, conta, acrescentando que por muito tempo sofreu pelo fato das pessoas verem a umbanda como uma prática maligna.

Idéias equivocadas já levaram pessoas com propósitos criminosos a procurarem a mãe-de-santo. “Queriam que eu fizesse trabalhos para assassinar inimigos, algo que vai contra os princípios da umbanda que é fazer o bem”, frisa. Por curar graves enfermidades, a mãe-de-santo já foi presenteada com três automóveis zero-quilômetro.

Clarice Eurinice: "O princípio da umbanda é fazer o bem"

“Ganhei esses carros de pessoas que foram desenganadas pelos médicos, a enfermidade deles não era física, mas sim espiritual. Quando o problema é apenas físico, só a medicina pode resolver”, enfatiza Clarice.

A mãe-de-santo também se destaca pela habilidade em qualificar médiuns. A umbandista já formou 80. A maior parte dos discípulos exerce a atividade em outros estados e países, principalmente nos Estados Unidos.

Anualmente a benzedeira realiza doze festas que atraem aproximadamente 400 pessoas de Paranavaí e região. “Faço tudo no meu terreiro mesmo com a contribuição da comunidade. Dia 8 de dezembro sempre fazemos uma homenagem a Nossa Senhora da Conceição”, completa.

Clarice já atendeu pessoas de diversas regiões do Brasil

Clarice já atendeu pessoas de Londrina, Umuarama, Campo Mourão, Apucarana, Cianorte, Jandaia do Sul, Maringá, Nova Esperança, Alto Paraná e muitas outras cidades do Paraná. “Também já fiz trabalho para muitos de São Paulo, Cuiabá, Campo Grande, Dourados e até norte-americanos”, afirma a mãe-de-santo que obteve até reconhecimento do poder público. Há alguns anos, Clarice foi convidada a apresentar a umbanda em eventos do município.

Em dias de grande movimentação, a benzedeira atende até 20 pessoas. Caso o trabalho tenha relação com a luz branca, Clarice cobra cerca de R$ 10 por consulta, se necessário. “Se for de esquerda, não cobro menos de R$ 50. Nestes casos, sou procurada para desfazer trabalhos errados ou mandingas”, ressalta.

Toda última quinta-feira do mês, Clarice trabalha gratuitamente. “É o dia em que faço qualquer caridade, independente da dificuldade”, assinala. Nos outros dias, o preço do trabalho pode custar até R$ 3 mil. Segundo a benzedeira, para preparar um santo é exigido muito tempo e inúmeros médiuns, o que para ela justifica o valor. Para quem tem interesse em seguir a mediunidade, Clarice informa: “O primeiro passo é receber as ordens dos guias para preparar a vestimenta. Então depois de oito meses na corrente é feito o batismo e o juramento”, pontua.

Umbanda X Preconceito

A benzedeira Clarice Eurinice conta que aos 23 anos trabalhava em uma fazenda local quando foi mandada embora por ser umbandista. “Eu e minha família pegamos todos os nossos bens e fomos pra outra fazenda. Ao chegar lá também não nos aceitaram. Eu, meu marido e filhos ficamos sem ter pra onde ir”, relembra a benzedeira que mais tarde conseguiu abrigo em uma propriedade rural próxima ao Aeroporto Edu Chaves.

Segundo Clarice, foi com a renda do novo trabalho que conseguiu guardar dinheiro para comprar o terreno onde atualmente está construída a residência da família e o terreiro. “No início, era pequenininho e de madeira”, relata. Antes de ingressar na umbanda, o marido de Clarice era alcoólatra, porém, por influência da benzedeira o homem mudou de vida. “Se tornou um pai-de-santo de muita fé”, assegura. Hoje em dia, a família toda de Clarice segue a umbanda. São 14 pessoas ligadas a religião.