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“O pessoal dizia é meu e era mesmo”
Pioneiros falam sobre a grilagem de terras nos anos 1940 e 1950
Em 1946, o mineiro Enéias Tirapeli passou por uma situação vivida por muitos outros pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, entre as décadas de 1940 e 1950: teve as terras griladas durante uma viagem de visita aos familiares.
Tirapeli contou que quando chegou a Paranavaí a colônia era administrada pelo marceneiro curitibano Hugo Doubek, também responsável por emitir documentações de imóveis que asseguravam o direito de posse. “Naquele tempo, quando um lote não custava nada, levava de um a dois anos para cortarem o terreno”, garantiu o pioneiro mineiro.
Certa vez, Tirapeli viajou até São Paulo para visitar a sogra e quando retornou a Paranavaí tinham grilado seus oito imóveis. “Perdi até as mandiocas que tinha plantado. O pessoal dizia é meu e era mesmo. Ninguém contrariava. Já tinha polícia aqui, mas não adiantava porque o costume era o sujeito construir em cima e se declarar dono”, afirmou o mineiro.
De acordo com a pioneira paulista Isabel Andreo Machado, era muito comum nas décadas de 1940 e 1950, as pessoas assumirem propriedades de terras sem terem qualquer documentação. “Havia muita briga e morte. Eu cheguei a ver o assassinato do sogro do Mauro Valério em frente à Caixa Econômica Federal por causa disso”, revelou a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger.
Conforme palavras do pioneiro cearense João Mariano, o período mais intenso de crimes motivados pela posse de terras perdurou por mais de dez anos, de 1945 até 1956. “A partir de 1957 que a coisa começou a melhorar porque já havia uma boa força policial na cidade. Antes disso, Paranavaí era uma terra onde cada um fazia o que bem entendia. Quando o crime era causado por gente graúda a polícia não ousava interferir”, enfatizou Mariano que viu muita gente conhecida morrer em conflitos com grileiros por não querer abrir mão de um terreno.
O cearense ainda declarou que em Paranavaí há pessoas que fizeram fortuna sobre a infelicidade alheia. “Algumas riquezas nasceram do sangue derramado na época da colonização. Mas cada um tem a sua consciência e sabe o que fez para chegar onde chegou. É uma justiça que não cabe aos homens colocar em prática”, comentou, acrescentando que alguns grileiros tinham amizade até mesmo com governadores e outras autoridades.
João Mariano frisou que sobreviveu ao período da grilagem de terras porque nunca se envolveu em conflitos de posses. “A vida vale mais que um pedaço de chão, ainda mais quando você tem uma família pra sustentar”, salientou. Em 1950, querer fazer justiça com as próprias mãos, bancar o corajoso e enfrentar tudo de “peito aberto” era quase um chamado para a morte. “Muitos grileiros nem sujavam as mãos, andavam rodeados de capangas que faziam o serviço por eles. Alguns a gente nunca soube quem eram. Os jagunços de quem se ouve falar eram como os laranjas do tráfico de drogas, ou seja, mesmo que morressem, isso não mudaria a realidade porque pois tinha gente grande por trás” disse Mariano.
O cearense lembrou um episódio chocante vivido por uma família que morava na zona rural de Paranavaí em setembro de 1953. Para evitar problemas, preferiu não citar nomes. “Eram meus vizinhos, sete pessoas, dois adultos e cinco crianças que trabalhavam como colonos numa roça perto de Alto Paraná. O homem tinha conseguido juntar um dinheirinho ao longo de anos pra comprar uma chácara perto da cidade”, relatou. Uma semana depois da negociação, a família foi surpreendida por três capangas que tentaram expulsá-los de suas terras.
Como a visita inesperada aconteceu à tarde e havia vizinhos observando, inclusive o pioneiro João Mariano, os homens foram embora e retornaram de madrugada. Invadiram o casebre e assassinaram a tiros toda a família, deixando rastros de sangue pela casa. “Não pouparam nem as crianças que tinham entre cinco e doze anos. Me falaram que uma delas estava segurando uma bonequinha de espiga de milho toda ensanguentada. Teve gente que entrou lá pra ver, mas eu não tive coragem. A polícia só apareceu no local dois dias depois do crime”, reclamou João Mariano, confidenciando que jamais esqueceu o “cheiro” de tantas mortes.
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O pioneirismo de um curitibano em Paranavaí
Aldo Silva viabilizou a construção do Cemitério Municipal de Paranavaí
O advogado Aldo Silva que chegou a Paranavaí nos anos 1940, além de atuar na promotoria pública, se elegeu vereador por quatro mandatos consecutivos. Como presidente da Câmara Municipal foi o responsável pela viabilização da construção do Cemitério Municipal.
O curitibano Aldo Silva se mudou para Paranavaí em 20 de maio de 1948. Com 34 anos, terminava o mandato como deputado estadual. “Quando cheguei à colônia havia cerca de 300 moradores. Me hospedei na pensão de Artur de Melo, perto da hospedaria do “Seu Rodrigo” [Rodrigo Ayres de Oliveira]. Passei uma noite horrível porque estava muito frio e o vento entrava pelas frestas na parede de pau-a-pique”, relatou Silva.
Em Paranavaí, Silva logo conheceu diversos personagens que fazem parte do pioneirismo local, como Rodrigo Ayres de Oliveira, Família Palmiano, Zé Peão, José Cândido de Freitas, Manoel Paulino e Ulisses Faria Bandeira. “Este último veio pra cá ainda muito menino”, comentou o advogado que foi transferido a Paranavaí para exercer a função de promotor de justiça, cargo que lhe rendeu boa popularidade, além de estar sempre em contato com a política local.
Não são poucos os que apontam Aldo Silva como uma das pessoas mais influentes da história de Paranavaí. Ainda assim, o advogado jamais se considerou pioneiro. “Não fui um dos desbravadores, mas sim um dos primeiros que vieram para cá quando aqui passou realmente a existir como Paranavaí. Foi um tempo de afluxo muito grande de gente”, destacou, acrescentando que pessoas de vários países e de todos os estados do Brasil fixavam residência na colônia.
Em 1952, Aldo Silva foi eleito vereador e no ano seguinte assumiu como presidente da Câmara Municipal. No dia 16 de novembro de 1953, assinou um decreto que viabilizou a construção do Cemitério Municipal. O bom trabalho desempenhado pelo advogado lhe rendeu a reeleição. Em 1956, o candidato do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) se elegeu com 727 votos. E não parou por aí. Aldo Silva garantiu uma vaga na Câmara de Vereadores até 1968. Foram 16 anos dedicados à política municipal.
As curiosidades do passado
Entre os fatos mais curiosos lembrados pelo pioneiro Aldo Silva está um que envolve o primeiro prédio da administração pública. “O local onde funciona hoje a Prefeitura de Paranavaí já era usado com essa finalidade naquela época, a diferença é que era maior e abrigava todos os serviços públicos, inclusive estaduais”, frisou Aldo Silva, acrescentando que antes o espaço servia como hospedaria.
O vereador conheceu o primeiro advogado de Paranavaí, Dalio Zippin Grinspun, de origem polonesa, que anos depois se mudou para Curitiba. “Era um sujeito que dormia de dia e de noite, em pé, sentado, até conversando com a gente”, disse. Outra personalidade da história local com quem o vereador teve bastante contato foi Oscarlino Carvalho Duarte, apontado como o pioneiro que desbravou a região de Santa Isabel do Ivaí. “Ele foi o primeiro a ter geladeira, fogão, automóvel de luxo e também a construir um sobrado em Paranavaí”, revelou o advogado que em suas viagens pelo Noroeste do Paraná se deparou com fatos inimagináveis.
Nas imediações do Rio Paranapanema, Aldo Silva teve a oportunidade de conhecer o “Ranchão de Zinco”, um local que nos anos 1940 e 1950 ficou conhecido como “cemitério de veículos”. “Lá, havia muitos caminhões e automóveis deteriorados que foram abandonados. Os que vieram pra cá no início, sempre passavam pelo Paranapanema”, justificou. Segundo pioneiros, era comum os migrantes abandonarem veículos nas estradas e jamais retornarem para buscar, então surgiu a iniciativa de remanejá-los para uma área que depois recebeu o nome de “Ranchão de Zinco”. No local, o que surpreendia é que havia automóveis e jipes com a lataria em ótimo estado de conservação.
Saiba Mais
O curitibano Aldo Silva nasceu em 1914 e faleceu no dia 7 de junho de 1977 em Paranavaí.
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O primeiro administrador de Paranavaí
Hugo Doubek, o marceneiro que cuidou dos enfermos e tentou promover a paz na colônia
O curitibano Hugo Doubek foi o primeiro administrador de Paranavaí e mesmo tendo deixado o distrito em 1948 fez muito pela população local ao longo de cinco anos.
A viagem
Em 1943, o marceneiro Hugo Doubek estava participando de uma exposição de artes em Curitiba quando conheceu o diretor do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) do Governo do Paraná, Antonio Batista Ribas. O diretor convidou Doubek para ser o administrador geral da Fazenda Velha Brasileira, então o marceneiro aceitou. Hugo Doubek já conhecia a Brasileira, onde trabalhou desmanchando casas em algumas áreas para reconstruí-las em outros pontos.
Acompanhado da mulher e de cinco filhos, o marceneiro viajou de trem até Marques dos Reis, distrito de Jacarezinho, no Norte Pioneiro Paranaense. “Lá, pegamos um trem até Londrina, onde ficamos hospedados na casa do inspetor de terras”, relatou Hugo Doubek em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. Por causa de uma grave sinusite, o marceneiro teve de passar por uma cirurgia de emergência.
Dias depois, já recuperado, seguiram viagem de caminhão até Maringá, distrito de Mandaguari, onde pararam em um barracão para descanso de viajantes. Levaram mais de três horas para achar a saída do distrito, quase um labirinto por causa da mata primitiva que cercava o povoado. “A próxima parada foi em Cala Boca [atual Mandaguaçu], onde a estrada parecia um campo de batalha cheio de trincheiras”, avaliou o pioneiro, acrescentando que em alguns trechos, as rodas desapareciam, cobertas pelo solo arenoso.
Muitas vezes, Doubek teve de descer do caminhão e procurar galhos para desenterrar as rodas. E para piorar a situação, não havia nenhuma moradia na estrada. “Nem riacho para mitigar nossa sede”, comentou. Chegaram à Brasileira em dia chuvoso e se instalaram em um barracão que se tornaria sede administrativa da colônia. “Onde hoje está Paranavaí, quando cheguei aqui era só um capoeirão, uma densa mata cheia de rastros de onça”, destacou Hugo Doubek.
Os conflitos
Quando se mudou para Paranavaí, o pioneiro tomou algumas precauções. Trouxe uma espingarda de calibre 16 e dois revólveres: um winchester e um H.O., de calibre 38, para garantir a própria segurança e a dos familiares. Na colônia, o administrador teve de resolver conflitos de grilagem de terras.
Sobre o assunto, há algumas décadas, o pioneiro admitiu que no início cometeu injustiças por acreditar que o reclamante sempre tinha razão. A situação só melhorou quando Doubek ponderou que seria melhor ouvir todos os envolvidos antes de tomar uma decisão. Em casos mais graves, o administrador contava com o apoio do sargento Marcelino, o chefe de polícia do povoado. “Naquele tempo, isso aqui parecia um acampamento de ciganos. Era feliz quem tinha uma lona e podia armar uma barraca”, enfatizou o administrador.
Na época em que a colônia era dividida em glebas e cada uma somava 15 mil alqueires, Hugo Doubek foi designado a percorrer o povoado a pé até as margens dos rios para localizar todos os moradores. ”Lembro que a 2ª Gleba começava a 10 quilômetros da área urbana e tive que percorrer 20 quilômetros para achar os primeiros colonos”, revelou.
Os enfermos
Ao assumir a administração da colônia, Doubek teve de lidar com a falta de assistência médica. O marceneiro costumava cuidar dos enfermos com chás de ervas, álcool, água oxigenada, pomada Riclei e ataduras que trouxe de Curitiba.
Certa vez, o administrador atendeu um rapaz com um ferimento de oito centímetros causado por um galho. A ferida estava cheia de pus e tinha odor de carne em decomposição. “Havia sido infeccionada por mosca varejeira”, explicou o marceneiro que submeteu o rapaz a um tratamento a base de creolina. Em um mês, o ferimento cicatrizou.
Outro caso nunca esquecido por Hugo Doubek foi de um jovem que carregava um machado sobre o ombro quando estava atravessando um tronco sobre um riacho (pinguela). “O rapaz caiu e se feriu. Como sangrava muito, seus companheiros queimaram um chapéu de feltro e colocaram o chumaço sobre o ferimento, parando o sangue”, disse o pioneiro.
Doubek fez curativos no ferimento do rapaz todos os dias até ele se curar. Segundo o marceneiro, para não desanimar ninguém era preciso fazer semblante doce mordendo maçã azeda. Muitas pessoas foram tratadas pelo pioneiro, principalmente moradores que contraíam doenças, como malária e leishmaniose, além de peões que se machucavam na derrubada de árvores.
A partida
Hugo Doubek deixou Paranavaí com a família em 1948, quando, por motivos nunca declarados, pediu transferência para Curitiba. Alguns pioneiros supõem que a partida do marceneiro foi motivada por pressão política do capitão Telmo Ribeiro, que era o líder local do Partido Social Democrata (PSD). “Aqui houve muita alegria, mas depois que começou a política, eu desgostei muito. Tive muita tristeza e até medo”, ressaltou a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger.
Em apenas dois anos morando na colônia, Hugo Doubek viveu a transição da Fazenda Velha Brasileira para Paranavaí. De acordo com pioneiros, um nome que ajudou a escolher. Além disso, o marceneiro tentou promover a paz na colônia, realizando acordos entre os moradores e também salvando muitas vidas quando ainda não havia nenhum médico em Paranavaí.
Curiosidade
O pioneiro era o responsável por investigar as causas das mortes que aconteciam na colônia.
Hugo Doubek foi o primeiro inspetor de terras de Paranavaí, depois substituído por Ulisses Faria Bandeira.
Frases dos pioneiros sobre Hugo Doubek
Enéias Tirapeli
“A maior autoridade aqui era o Hugo Doubek.”
“Para conseguir terra tinha que ligar na casa do Hugo e esperar um tempo para eles cortarem o terreno.”
Izabel Andreo Machado
“Quando cheguei aqui só tinha umas três ou quatro casas, e uma era do chefe da colônia, o Hugo Doubek.”
José Alves de Oliveira (Zé do Bar)
“Acho que foi o Hugo Doubek e o Ulisses Faria Bandeira que colocaram o nome de Paranavaí.”
“Quando a gente fazia o requerimento de terras para o Hugo Doubek, ele dava mais ou menos 42 alqueires para cada famíllia.”