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Quando o bodybuilding conquistou o cinema em 1948
Muscle Beach, o pioneiro dos filmes sobre fisiculturismo
Nem sempre o fisiculturismo foi pouco respeitado pela sociedade e menos valorizado por meios de comunicação. Se hoje vivemos um tempo em que o bodybuilding é distorcido para as massas, visando intensificar a desinformação e o preconceito ao diferente, é importante entender que nos anos 1940 a modalidade era tão admirada nos Estados Unidos que tinha status de atração turística.
Tudo isso e muito mais é retratado no filme Muscle Beach, de 1948, dos cineastas Joseph Strick e Lerner Irving, que levou milhares de pessoas comuns para os cinemas dos EUA, interessadas em conhecer e admirar os físicos perfeitos de homens e mulheres que frequentavam a Muscle Beach de Santa Monica, na Califórnia. A primeira obra sobre o bodybuilding apresenta a realidade dos fisiculturistas amadores que dividiam o mesmo espaço de treino com ginastas e praticantes de outros esportes.
Embora o bodybuilding tenha se profissionalizado em ambientes fechados e privados, a verdade é que o berço da modalidade é a praia, como apresenta Muscle Beach. O filme mostra atletas treinando rodeados por uma plateia de entusiastas e crianças que desde cedo aprendiam a cultivar uma bela relação com a natureza. Na obra, até os pássaros e outros animais se aproximam enquanto os bodybuilders mantêm o foco nas barras e halteres. Com uma estética vívida, iluminada, plácida e pueril, o filme é uma ode ao belo. Nem mesmo as limitações técnicas do cinema em preto e branco, com certa predominância do cinza, ofuscam a luz que se sobressai e transcende em cada cena.
O que também chama atenção em Muscle Beach é a harmonia e a alegria irradiadas pelo cenário. O filme contagia, embora não seja pautado em uma história nem em diálogos. É um registro fiel e nostálgico do bodybuilding em sua forma mais clássica. Strick e Irving tiveram uma grande preocupação em mostrar que a harmonia do corpo é capaz de promover uma conformidade psicológica e emocional com reflexos positivos no ambiente. Não foi preciso dar voz aos personagens para transmitir isso; bastou mostrá-los em seu habitat.
É possível interpretar que aqueles atletas não viviam para o corpo, mas sim o corpo vivia para eles, pois todos os resultados foram conquistados com a alegria e satisfação proporcionadas pela natural busca da qualidade de vida, sem excessos; como se o homem reconhecesse a sua necessidade de manter o corpo em movimento e desenvolvimento. Embora o filme não aborde o assunto, a Muscle Beach de Santa Monica era uma referência turística não apenas pela qualidade da praia. Todos queriam ver de perto o que aquelas pessoas faziam para conquistar uma forma física tão cativante.
Joseph Strick e Lerner Irving viajaram até a Muscle Beach, onde passaram três dias acompanhando o cotidiano de um grande número de atletas. O local também era famoso por ser uma área de aluguéis baratos e equipamentos de levantamento de peso disponíveis gratuitamente a qualquer hora do dia. O ginásio a céu aberto de Santa Monica foi frequentado por importantes nomes do bodybuilding. Alguns exemplos são Vic Tanny, Jack LaLanne, Joe Gold, Chet Yorton, Steve Reeves, Vince Edwards, Jack Delinger, George Eiferman e Dave Draper. Anos mais tarde, atraiu os atletas Larry Scott, Arnold Schwarzenegger, Franco Columbu, Hulk Hogan, o ator Danny Trejo e muitos outros.
A trilha sonora é uma singela viagem pela perspectiva do cantor Earl Robinson que do início ao fim narra as belezas do local e das pessoas que o frequentavam. Em 2008, o filme Muscle Beach foi recuperado pela Academy Film Archive e relançado em 2009 pela San Francisco Cinematheque que o avaliaram como um dos grandes documentários da cultura norte-americana do século XX.
A saga de um mineiro em Paranavaí
Sátiro Dias de Melo, do Vale do Jequitinhonha para o Noroeste do Paraná
Foi com um facão e um machado de quatro libras que o mineiro aposentado Sátiro Dias de Melo, de 91 anos, conquistou boa fama no Vale do Jequitinhonha nos anos 1930. Mais tarde, colocou o talento à prova no Paraná e Mato Grosso do Sul, onde outra vez surpreendeu pela habilidade na derrubada de mata.
“Tinha essa popularidade porque era bom no traquejo. Com 15 anos, poucos cortavam comigo, tinham dificuldade de acompanhar o ritmo”, conta Sátiro. O facão usado em Minas Gerais e Bahia nos anos 1930 e 1940 também veio ao Paraná na década seguinte. Dentro de uma mala, o instrumento viajou de trem e de ônibus até chegar a Paranavaí em 1952.
Nostálgico, enquanto acaricia o cabo e a lâmina do facão, o pioneiro diz que deixou marcas de corte até nas beiras dos rios Paraná e Paranapanema. “Ajudei a abrir cidades e estradas. Fui muito longe, trabalhei até do lado de lá, quando o Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso. Ele ‘tá’ acabadinho, tem mais de 70 anos, mas até hoje funciona, é só dar uma afiada”, destaca sorrindo.
Uma carta de Paranavaí
Sátiro teve a primeira notícia de Paranavaí por meio de um ex-namorado da filha que lhe escreveu uma carta elogiando a cidade e contando sobre as oportunidades de trabalho. “Logo pensei: que nome! É quase o mesmo do estado. Deixei a nossa propriedade rural na Bahia e trouxe a minha mulher e dez filhos pra cá”, lembra. O trajeto foi percorrido de trem e de ônibus. Só de Maringá a Paranavaí a viagem durou um dia.
Logo que chegaram, conseguiram abrigo na Pensão da Dona Amélia, onde mais tarde foi construído o antigo Posto Moringão, na Rua Souza Naves. Chovia tanto que a primeira atitude de Melo foi levar todo mundo para se lavar. “Ficamos descalços porque tinha lama pra todo lado. A Dona Amélia viu que a família era grande e falou que pra ajudar faria um sortido pra gente em vez de cobrar o preço de costume por cada refeição”, relata.
Naquele dia, por azar, enquanto se prepararam para o jantar, um ladrão lhes furtou as malas e correu pelos fundos, invadindo quintais e saltando muros. O homem foi alcançado a algumas dezenas de metros do Terminal Rodoviário. “Só consegui recuperar graças a ajuda de um morador que se tornou meu amigo”, lembra o aposentado.
A vida na Fazenda Domingos de Almeira
Em 1952, quando começou a trabalhar na Fazenda Domingos de Almeira, o pioneiro acompanhou o caso de dois colonos que venderam uma vaca da propriedade para um açougueiro local. “Eles achavam que o Almeira nunca iria descobrir. Inventaram uma desculpa de que o animal tinha escapado, mas ele não acreditou”, relata. Para despistar o fazendeiro, a dupla pediu que enviassem uma caminhonete para buscar a vaca próxima a um riacho. Sátiro ouviu um diálogo suspeito e relatou ao administrador da propriedade. Foram até o córrego investigar o desaparecimento do animal e encontraram um bezerro abandonado.
À época, Paranavaí só tinha três açougues. No terceiro, identificaram a vaca pelo couro salgado nos fundos do estabelecimento. “O Edson, que era o gerente da fazenda, voltou para a colônia com a polícia. Foi um terremoto por dois dias. Só não prenderam os colonos porque eram casados e tinham filhos pequenos. Sem direito a nada, foram despejados em São João do Caiuá”, revela. Algum tempo depois, Melo começou a cuidar do gado da fazenda, inclusive entregava o leite ordenhado na cozinha da casa principal. A família ficou muito satisfeita porque tiveram a chance de morar em uma casa fora da colônia.
O preconceito contra os migrantes do Norte
Sátiro ainda se recorda do preconceito que sofreu quando morava perto de outras dezenas de colonos na Fazenda Domingos de Almeira. “Um dia, uma mulher disse para uma comadre cuidar muito bem das galinhas porque chegaram nortistas na colônia. Falou que baiano era tudo ladrão. Me deu vontade de ir embora daqui”, admite. Naquele tempo, muitos dos que deixavam os estados ao Norte para vir ao Paraná eram chamados de “nortistas”, até quem partia da região Sudeste.
O pioneiro atribui o preconceito às experiências negativas que os moradores tiveram com migrantes mal intencionados. Cita como exemplo ladrões e grileiros que buscavam “vida fácil” em vez de trabalharem. “Os bons que sofreram com isso. Lembro que era muito difícil uma pessoa que vinha do Norte conseguir comprar fiado. Vi muitos passarem fome enquanto esperavam o pagamento”, assegura.
A geada negra e o frio
Embora a geada que mais tenha marcado Paranavaí seja a de 1975, as duas anteriores nunca foram esquecidas por Sátiro. “A primeira foi a geada negra em 1953 e a segunda em 1955. Vi muita gente pagando para cortarem café, abandonando mesmo, e começando a fazer invernada. Eu ficava com muito dó. A imagem dos cafezais escuros, queimados e mortos me marcou para sempre. Tudo que era verde ficou preto”, frisa.
O desgosto do mineiro foi grande, mas ainda assim preferiu ficar, ao contrário de muitos outros migrantes. Teve de lidar com o desemprego e assistir ao fim dos pomares. “Nem laranjeira e abacateiro sobreviveram ao frio. Vi até o gado morrer com a geada. Para piorar, nem tínhamos roupas de frio. A gente andava quase nu, com aquelas roupas lisas, cavadinhas. Sofremos demais por isso”, revela. Paranavaí tinha fama de cidade chuvosa e nublada, tanto que era comum ver muitas pessoas nas ruas carregando enxada para desatolar veículos. “Só tinha estrada de chão, então todo dia eu resgatava alguém”, exemplifica Sátiro Melo que testemunhou brigas e assassinatos por causa de terras.
Quem ficasse uma semana longe do próprio imóvel corria o risco de perdê-lo. Sempre havia alguém circulando por Paranavaí, procurando propriedades sem moradores. “Conheci muitos que viviam disso. A pessoa perdia todo o trabalho limpando a fazendinha. Invadiam o local e quando o proprietário voltava não podia nem se queixar. Caso contrário, tinha que estar disposto a matar ou morrer”, pondera.
A amizade com Frutuoso Joaquim de SallesO mineiro Sátiro Dias de Melo foi amigo do controverso pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão local, que chegou a Paranavaí em 1929, nos tempos do Distrito de Montoya. “Ele morava num lugar escondido na baixada do Jardim São Jorge. Gostava muito de conversar sobre laços, até porque foi vaqueiro. Ficava muito feliz quando reparavam no seu trabalho”, confidencia.
Já se fizessem perguntas sobre violência e crimes no período da Fazenda Velha Brasileira, Frutuoso desconfiava, mudava o semblante e encerrava a conversa. “Com quase todo mundo, ele era bem fechado, não facilitava o diálogo, mas comigo era diferente. Eu ia lá pra prosear, batia na porta, ele saía, olhava e quando via que era eu a abria na hora. Gostava de conversar com aquele velho pernambucano do bigodão’”, brinca. Sátiro foi parceiro de trabalho de Salles. Apesar do gênio difícil, o pernambucano foi considerado por Melo um homem muito trabalhador e confiável.
“O frutuoso não deixava de fazer nada que lhe pediam. Só que muita gente tinha medo dele, as ‘histórias corriam’. Ele morreu nos anos 1980, mas pra mim foi um bom amigo”, salienta. Em Paranavaí, é raro encontrar alguém que tenha conversado abertamente com Frutuoso Salles sobre o que aconteceu em Montoya e na Velha Brasileira entre os anos 1920 e 1940, quando muitos foram assassinados no povoado. Um dos poucos que tiveram essa chance foi Sátiro Dias.
“Ele era capanga do capitão Telmo Ribeiro e um dia me segredou que matou muita gente em Paranavaí. As vítimas eram enterradas debaixo dos pés de café, tanto que anos depois, quando vieram as geadas e muita gente preferiu acabar com os cafezais, acharam bastante ossada humana”, explica o mineiro. Antes de morrer, o pernambucano falou que os restos humanos encontrados não chegaram nem perto do total de mortos na “Brasileira”. “Uma vez, achamos ossada perto do prédio da antiga Telepar. Acredito que ainda tem muitos restos de gente por aí”, alega o pioneiro.
As aventuras com João do Mato
Não foram poucas as vezes que Sátiro Dias de Melo saiu para caçar com o amigo e caçador João do Mato. Como o fornecimento de carne bovina em Paranavaí nem sempre atendia a demanda, a dupla chegava a ficar de 20 a 30 dias na selva caçando cateto, veado, capivara e outros animais. “No mato, nunca faltava carne. O que passava pela espingarda, a gente atirava. Infelizmente, não tinha aquela consciência de preservação dos bichos”, confessa.
Por muitas noites, Sátiro e João do Mato foram intimidados por onças que passavam perto dos carreadores. Quando a ameaça era iminente, atiravam contra o animal. Os maiores perigos das incursões em território selvagem, a dupla vivenciou na região do Povoado de Cristo Rei e no Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema. Nessas áreas, a biodiversidade animal era tão grande que somente caçadores experientes se aventuravam pela região.
O folclórico cavalo Boneco
O cavalo Boneco foi um personagem popular em Paranavaí no final dos anos 1960 e princípio de 1970. Muito bem educado, o animal adestrado pelo pioneiro Sátiro Dias de Melo gostava de descansar atrás das moitas, mas sempre que ouvia o chamado do proprietário, respondia na hora. “Eu podia deixar ele solto que mesmo assim não fugia nem aprontava nada. Também não deixava ninguém colocar a mão nele, além de mim”, pontua.
Quando circulava pelas ruas da cidade, boneco chamava a atenção pela altivez, beleza e impecável sela feita por Sátiro. Muitos, principalmente mulheres, pediam para tirar fotos com Boneco, a quem precisava convencer durante uma “conversa”. “Era um bicho que nunca tinha apanhado”, acrescenta. Um dia o cavalo deixou que uma pessoa o roubasse. O mineiro passou horas o procurando, chamando o pelo nome, mas não adiantou.
Boneco estava em Tamboara, preso a uma mangueira. Quando quis partir, simplesmente quebrou a cerca e arrastou o arame farpado. Dias depois, Melo ouviu um relinchado ao longe e identificou o cavalo em disparada. “Chegou e ficou junto de mim todo machucado pelo arame. Estava com o peito bem ferido. Dei banho e cuidei dele até ficar bom de novo, então o vendi para um gaúcho. Nunca mais quis saber de ter cavalo”, assume.
A oficina
Famosa também era a oficina do pioneiro que atraía até viajantes de Minas Gerais e Mato Grosso, segundo o artista plástico Luis Carlos Prates. “Ele é um artista. A fama dele ia longe. Pessoas de muitos estados vinham a Paranavaí para contratar os serviços de ferreiro e curtidor do ‘Seu Sátiro’”, testemunha Prates. O mineiro era conhecido na região como o melhor manipulador de alumínio. Fazia desde instrumentos mais simples até peças para maquinários pesados.
“Trabalhei muito com fundição. Foram mais de dez anos. Criava cadeado de qualquer tipo e tamanho”, garante enquanto mostra o local de trabalho no fundo da residência onde reside desde a década de 1960. Aos 91 anos, ainda passa algumas horas do dia produzindo ou consertando alguma peça. A fama de Melo foi longe, tanto que em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul até hoje tem muita gente que se recorda de suas habilidades.
Há alguns anos, Sátiro retornou à terra natal, Jequitinhonha, Minas Gerais, onde nasceu em 12 de janeiro de 1921. Ficou chocado com o que viu depois de mais de 60 anos. “Ajoelhei à beira do Rio Jequitinhonha e chorei. Não era mais o mesmo, virou um córrego”, lamenta.
Curiosidade
Sátiro Dias de Melo se aposentou pela Prefeitura de Paranavaí em 1985, na gestão do prefeito Benedito Pinto Dias. Trabalhou durante muitos anos como “faz-tudo”.
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O avião que caiu na mata noroestina em 1947
A queda do teco-teco nas imediações do Rio Ivaí quase custou a vida de dois jovens
Em 1947, a região Noroeste do Paraná foi cenário de um acidente aéreo que quase terminou em tragédia nas imediações do Rio Ivaí. À época, o fato chamou muita atenção e sensibilizou a população de Paranavaí que se uniu para orar e procurar as vítimas.
Naquele ano, dois jovens de Cafelândia, na mesorregião de Bauru, interior de São Paulo, filhos de um conhecido produtor rural, deixaram a cidade natal em um avião monomotor do tipo teco-teco e vieram em direção ao Paraná para fechar uma negociação de produção de café.
Durante a viagem, pouco tempo depois entrarem no Paraná, foram surpreendidos pelo mau tempo, fortes correntes de ar frio que faziam com que o veículo balançasse bastante. Como o avião era relativamente leve, os rapazes não conseguiram manter a estabilidade por muito tempo, nem encontrar um local para pousar, já que estavam em área de mata primitiva próxima ao Rio Ivaí.
Não demorou muito, o temporal se intensificou e o frágil teco-teco foi ao chão, levando junto os dois passageiros. Dias mais tarde, a população de Paranavaí foi informada que aconteceu um acidente aéreo e dois jovens estavam desaparecidos. “Eu rezei muito por eles”, disse a pioneira Inez Colombelli em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Houve muita comoção na cidade. Enquanto alguns se voluntariavam para dar início a busca e salvamento, outros não acreditavam na possibilidade dos rapazes terem sobrevivido. “Naquele tempo, um acidente de avião era como uma coisa do outro mundo. Quando alguém falava disso, a maioria dava a morte como certa”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.
Mesmo assim, Inez e muitas outras pioneiras de Paranavaí oravam todos os dias pela salvação dos dois jovens. De acordo com a senhora Colombelli, as preces foram atendidas, pois 17 dias após a queda do avião os rapazes chegaram a Paranavaí. Estavam exauridos e famintos, mas felizes por verem pessoas depois de tanto tempo. “Quando apareceram no povoado, estavam barbudos e com as roupas todas rasgadas”, relatou o pioneiro catarinense Carlos Faber.
Os sobreviventes foram bem recebidos pela comunidade. No mesmo dia, enquanto alguns se preocupavam em oferecer um local de descanso e alimentá-los, outros trataram de entrar em contato com a família das vítimas em Cafelândia. O mais surpreendente é que ninguém estava gravemente ferido. O que garantiu a sobrevivência dos dois jovens foi a rica vegetação da região, principalmente as árvores que amorteceram o impacto da queda do monomotor.
Segundo os sobreviventes, dificilmente estariam vivos se o teco-teco caísse diretamente no solo. O que também chamou a atenção é que a mata primitiva do Noroeste do Paraná era conhecida por ser habitada por muitos animais selvagens. Os rapazes relataram que quanto a isso não enfrentaram nenhum perigo. Por precaução, sempre paravam para descansar quando anoitecia, normalmente em locais altos e de boa visibilidade. A alimentação era improvisada com frutos, até mesmo desconhecidos. Foi o risco que correram para garantir a sobrevivência.
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A velha jardineira deixou saudades
Catita e Pavão foram os principais meios de transporte em Paranavaí nos anos 1940 e 1950
O antigo ônibus jardineira da Viação Garcia deixou muitas saudades para os pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. São lembranças que começam em 1939, quando a empresa de transporte londrinense começou a investir na Fazenda Brasileira, atual Paranavaí.
Até 1938, todos os pioneiros que se aventuravam na Brasileira chegavam ao povoado de jipe, caminhão, carroça, cavalo ou a pé. A escassez de estradas, e também o fato da colônia se situar em uma área isolada, fazia com que somente os corajosos viessem para cá.
O pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles contou em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás que o povoado estava distante do resto do Paraná. “A gente tinha que viajar até Presidente Prudente [interior de São Paulo], daí lá pegava um trem até Ourinhos e depois a cavalo ou a pé ia pra Tibagi [no Centro Oriental Paranaense]. Dava toda essa volta pra chegar em outras cidades do Paraná”, contou.
Foi assim até 1936, quando o Capitão Telmo Ribeiro reabriu a Estrada Boiadeira ligando Paranavaí ao resto do Paraná. Três anos depois, a iniciativa despertou o interesse do empresário Celso Garcia Cid que viu grande viabilidade comercial no povoado. Em 16 de dezembro de 1939, o empreendedor que atuava no ramo de transportes há cinco anos inaugurou a linha Londrina-Fazenda Brasileira. Naquele dia, Celso Garcia conduziu a jardineira “Catita”, adaptação de um caminhão Ford TT de 1933, até o seu destino.
Segundo o ex-prefeito Ulisses Faria Bandeira, em entrevista à prefeitura há algumas décadas, a viagem teve início às 17h30. “Chegamos aqui por volta das 14h do dia seguinte”, afirmou. Além de Faria Bandeira, entre os passageiros da primeira viagem da Viação Garcia a Paranavaí, estavam o prefeito de Londrina, João Lopes, e o fazendeiro Humberto Alves de Almeida.
Os viajantes logo apelidaram a estrada Londrina-Fazenda Brasileira como “Túnel Verde” por causa da mata densa e virgem que predominava na região Noroeste do Paraná. De acordo com pioneiros, o cenário era tão bonito que chegava a ser inacreditável. Durante o percurso era comum muitos mosquitos e borboletas invadirem a jardineira nas imediações da Capelinha, atual Nova Esperança.
Os insetos circulavam livremente no interior do veículo. “Isso acontecia porque os ônibus eram abertos como bondes”, relatou o pioneiro Oscar Gerônimo Leite. Por um bom tempo, o Governo do Paraná bancou as despesas da Viação Garcia, pois a demanda era pequena e a realização de duas viagens por mês não cobria o investimento.
O “Pavão” da Brasileira
Durante a Segunda Guerra Mundial, o ônibus que mais fez a linha Londrina-Paranavaí era conhecido como “Pavão”. O ônibus movido a gasogênio era econômico, ideal para o período de guerra que ficou marcado pelo racionamento de combustível. Na década de 1940, o veículo chegava a Paranavaí em 16 horas.
Por vários anos, a Viação Garcia transportou passageiros que não tinham condições de comprar passagem. Cada um pagava conforme podia, até mesmo com galinhas. Quando chovia durante a viagem, o motorista encostava o ônibus e amarrava correntes nos pneus para evitar que atolasse. “Lembro que uma vez a gente levou oito dias de Londrina até aqui. Cheguei com os peitos doendo de ajudar a empurrar um carro velho da Garcia pelo picadão”, revelou o pioneiro José Francisco Siqueira, conhecido como Zé Peão.
O pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros disse que nunca se esqueceu das viagens com o “Pavão”. “A gente tinha que atravessar um barro preto lá perto de Mandaguari e depois o areião de Maringá pra cá”, assinalou. Muitos pioneiros chegaram a Paranavaí com a jardineira. Alguns exemplos são o catarinense Carlos Faber, o gaúcho Severino Colombelli e os mineiros Enéias Tirapeli e José Antonio Gonçalves.
Naquele tempo em que as viagens duravam de 17 a 18 horas, o “Pavão” nunca deixou de cumprir a linha, nem quando havia só dois ou três passageiros. Com o passar dos anos, a demanda aumentou e a Garcia quadruplicou o número de viagens. “Em vez de duas por mês, ampliou para duas por semana”, enfatizou a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger.
Com as jardineiras não chegavam apenas pessoas, mas também informações, conforme palavras da pioneira Inês Colombelli. “Sempre às 11h e às 14h, mulheres e crianças corriam até os ônibus para saber das notícias”, explicou. Era o único jeito da população se informar sobre o que acontecia no Paraná, no país e no mundo.
Frases dos pioneiros sobre a época das jardineiras
Joao da Silva Franco
“A jardineira era velha, não era estofada, e se entrasse de um lado saía do outro.”
Cincinato Cassiano Silva
“O ônibus era todo aberto e só com as bancadas pregadas, e duro que nem pau.”
Salatiel Loureiro
“O fundador da primeira empresa de ônibus da Brasileira foi o Manezinho. Esse coitado acabou em nada e os ônibus dele não aguentavam nem fazer daqui até o Porto São José.”
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O temido João Camochina
Camochina ganhou fama pelo hábito de espoliar propriedades vizinhas
Dentre os pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, poucos sabem da história do migrante João Camochina. Polêmico, o homem temido ganhou fama durante a colonização pelo hábito de se apossar das propriedades vizinhas.
Camochina chegou a Paranavaí nos anos 1940 com o mesmo objetivo de muitos pioneiros: comprar as terras comercializadas pelo Governo do Paraná. A primeira propriedade adquirida pelo migrante foi um sítio de 59 alqueires em um lugar conhecido como Água da Cobra. Lá, estendeu os limites de sua propriedade até as áreas vizinhas. Um dos prejudicados pela atitude de João Camochina foi o pioneiro mineiro Arlindo Francisco Borges que morava em um sítio de 32 alqueires na Gleba 2.
Tudo começou em 1948, quando o grileiro se interessou pelas terras de Borges. Em vez de propor negócio, Camochina usou uma tática muito comum na época. Reuniu parte do gado que ficava em seu sítio e o levou até as terras de Arlindo Francisco. Depois o invasor foi até a inspetoria de terras, administrada pelo marceneiro Hugo Doubek, denunciar que Borges estava vivendo em “sua propriedade”. “Minha terra ficava num canto da dele. Quando isso aconteceu, fazia dois anos que eu tinha derrubado o mato e formado a roça”, relatou Arlindo Francisco em entrevista ao jornalista Saul Bogoni décadas atrás.
No mesmo período, João Camochina espoliou outras propriedades, como as dos pioneiros Guerino Pomin e Justiniano. Os dois migrantes foram até a delegacia e denunciaram o grileiro para o sargento Marcelino, a maior autoridade policial da colônia. “Ele foi preso, mas soltaram logo. Aí me aconselharam a esperá-lo atrás de um toco. Graças a Deus, eu não tinha essa natureza”, disse Borges. Naquele tempo, poucos sitiantes lesados tiveram coragem de denunciá-lo.
Após alguns dias, Arlindo Francisco foi convidado a ir até a inspetoria conversar sobre o acontecido. Hugo Doubek disse ao mineiro que o melhor seria entregar as terras. “Falou que o Camochina era ruim e poderia me causar algum mal. Eu já estava sendo oprimido e percebi que o Doubek ficaria do lado dele, então saí mesmo. Eu sabia que se eu resistisse teria de matar ou morrer”, enfatizou. Mais tarde, Camochina procurou Borges e prometeu dar a ele uma novilha mojando, dois mil e quinhentos réis e um capado de cinco arrobas. “Me deu isso em troca do estrago que o gado fez na minha roça. Aqui era assim, quem tinha dinheiro fazia o que queria e quem não tinha, perdia. Era melhor perder para não entrar em outros traços piores da vida”, justificou, acrescentando que nunca recebeu nada pelo sítio perdido.
O presente jamais recebido
Em 1953, Arlindo Borges foi chamado até a Coletoria Federal, onde informaram que ele devia cinco anos de impostos atrasados do sítio da Gleba 2. Ao deixar a coletoria, Borges foi atrás de João Camochina que estava em um açougue comendo churrasco. “Expliquei a situação a ele e marquei da gente se encontrar em frente ao prédio onde fica a Casas Pernambucanas [na Rua Getúlio Vargas] pra resolver isso”, declarou.
Naquela tarde chuvosa de sábado, Arlindo e Camochina foram até a Coletoria Federal. Para surpresa de Borges, o grileiro assumiu a responsabilidade dos impostos. Resolvida a situação, os dois foram embora juntos e se separaram na esquina da Avenida Distrito Federal com a Rua Antonio Felipe. “Me agradeceu muito, mas me senti humilhado quando disse que enquanto eu o considerava um homem, ele me via como um cachorro. Pediu que eu o perdoasse e emendou falando que me daria um presente”, revelou.
Na quarta-feira, Arlindo Borges, que estava vivendo em um sítio de três alqueires na Água do Quintino, ficou sabendo da morte de João Camochina. “Ele colocou um homem lá no sítio que era meu. O tal instalou uma cancha de bocha e depois o Camochina mandou ele sair. Indignado, o homem quis levar as tábuas e houve um desentendimento”, contou. Durante a discussão, o homem matou o grileiro. “Eu nunca soube qual era o presente que o Camochina ia me dar”, comentou Borges. Em entrevista ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas, o pioneiro catarinense Carlos Faber deixou claro que esse tipo de morte era comum. “As brigas eram sempre por causa de terras”, sentenciou.
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1945: Epidemia de leishmaniose ataca Paranavaí
Surto de úlcera de Bauru matou dezenas de moradores
Em 1945, muitos não escaparam da epidemia de leishmaniose tegumentar americana (LTA), conhecida como úlcera de Bauru, que atacou Paranavaí, no Noroeste Paranaense. A doença vitimou dezenas de pessoas em um período de grande carência médica.
Naquele ano, os moradores de Paranavaí ocupavam não mais que 40 casas, todas feitas de tábuas, e a única coberta por telhas era a residência usada como sede administrativa. Paranavaí ainda era sertão, tanto que animais campestres como veados-campeiros eram vistos todos os dias, até mesmo em frente as portas das casas. “Aqui era um lugar lindo porque era tudo mata. Não existia nada, mas tinha muito mosquito”, comentou o pioneiro paulista Salatiel Loureiro em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.
Em meio as belezas de um tempo em que o homem interagia diariamente com a natureza, surgiu na colônia um surto de leishmaniose tegumentar americana (LTA). Segundo o pioneiro Hugo Doubek, em entrevista à prefeitura há algumas décadas, a epidemia de úlcera de Bauru se alastrou muito rápido. Como não havia médicos e nem enfermeiros em Paranavaí, Doubek se viu obrigado a lidar com os enfermos. “Tive até que adquirir prática em aplicar injeções na veia. Felizmente, foi enviado um enfermeiro, Eurico Hummig, que exercia a função de guarda sanitário em Curitiba”, lembrou o pioneiro que foi administrador da colônia.
Na década de 1940, a leishmaniose foi classificada pelo Governo Federal como doença da margem de mata. A proximidade de Paranavaí das áreas florestais facilitou a disseminação da doença que tem como transmissor o mosquito-palha. “Que luta tivemos! Atendíamos até cinquenta pessoas por dia. Na época, o médico José Pedro Vicentini tinha pedido exoneração e foi substituído por Aguilar Arantes. Devo dizer que ele fez milagres”, frisou Hugo Doubek, acrescentando que o médico não descansou enquanto não encontrou o medicamento certo para curar os doentes.
A situação era tão alarmante que até mesmo o governador Manoel Ribas veio a Paranavaí buscar os enfermos para levá-los a Curitiba. Dentre os doentes estava o pioneiro paulista João da Silva Franco que se recusou a ir para a capital receber tratamento médico. “Me tratei aqui mesmo porque não podia deixar minha mulher e minha filha sozinhas. O problema é que quem não queria ir para Curitiba era expulso de Paranavaí. Ameaçaram fazer isso comigo”, relatou. Tal atitude refletiu o medo e a desinformação da população, pois LTA é uma doença infecciosa que não é contagiosa, de acordo com o Ministério da Saúde.
Doença deformou moradores
Quando adoeceu, João Franco contou pelo menos 18 feridas grandes pelo corpo. Segundo o pioneiro, só não apareceram úlceras no rosto. “Tinha na barriga, nas costas, nas pernas e nos braços. Por muita fé em Deus, me sarei. Resisti por natureza forte”, explicou.
Nem todo mundo teve a sorte do pioneiro paulista. Mais de 90 portadores de leishmaniose, entre adultos e crianças, foram levados de caminhão para Curitiba. “Daqueles que foram pra lá, alguns voltaram vivos, mas outros morreram”, enfatizou João Franco.
Em pouco tempo, foram registradas dezenas de mortes em decorrência da úlcera de Bauru que não só causava lesões cutâneas como deformava o rosto, impedindo o enfermo de se alimentar ou desempenhar qualquer outra atividade. “Muitas pessoas, até crianças, ficaram com os narizes e orelhas deformados. O que a gente mais fazia era lavar as feridas com água de peroba e de guaiçara. A situação era difícil porque Paranavaí era uma ilha isolada na mata virgem”, disse Franco.
O pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, declarou que a assistência médica era precária. “O Estado tinha mania de mandar uns médicos incompetentes pra cá. Alguns vinham porque queriam pegar uma beira lá”, reclamou. João da Silva Franco faz coro às palavras de Araújo. “Vivemos no mato por mais de 20 anos. Era muito difícil porque não havia tratamento de espécie alguma”, desabafou.
O covarde assassinato de Alcides de Sordi
Jovem idealista foi morto na entrada da delegacia com a conivência da polícia
Em 1947, o jovem Alcides de Sordi ficou conhecido em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, como defensor dos interesses dos mais pobres. No ano seguinte, por representar uma ameaça aos mais abastados, foi assassinado dentro da delegacia com a conivência das autoridades.
Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari quando houve um dos crimes mais polêmicos da história local, jamais esquecido pelos pioneiros: o homicídio de Alcides de Sordi, de 21 anos, membro da União Democrática Nacional (UDN). Alcides começou a chamar a atenção na colônia por ter uma participação política bastante ativa.
Naquele tempo, Paranavaí era administrada pelo marceneiro Hugo Doubek que depois foi transferido para Curitiba. “Na oportunidade, o Capitão Telmo Ribeiro decidiu colocar o João Carraro para assumir a inspetoria de terras”, lembrou o ex-prefeito Ulisses Faria Bandeira.
A partir daí, nasceu uma animosidade entre o capitão Telmo, membro do Partido Social Democrático (PSD), e o grupo político de Alcides que não concordava com a substituição, tanto é que realizaram um abaixo-assinado e colheram mais de cem assinaturas para tirar o novo inspetor do cargo.
A iniciativa surgiu quando Alcides de Sordi descobriu que Carraro estava dando terras de uma área conhecida como Água Nova para amigos do governador Moisés Lupion, com a conivência do engenheiro Alberto Gineste. João Carraro não aguentou a pressão e deixou a função pouco tempo depois.
Alcides aproveitou a oportunidade para entrar em contato com Hugo Doubek, o convencendo a reassumir o cargo em Paranavaí. Ao retornar de viagem, Telmo Ribeiro soube do acontecido. “Ele fez uma promessa de passar uma bala na cabeça do Alcides. Com medo, muita gente foi embora daqui”, relatou o pioneiro mineiro Arlindo Francisco Borges.
A polêmica sobre quem assumiria em definitivo o cargo de administrador do distrito durou mais de um mês, até que Doubek decidiu voltar para Curitiba. Então Alcides de Sordi fez um convite a Faria Bandeira para comandar a inspetoria. Ulisses Faria hesitou, mas depois aceitou. “Aqui dava medo porque o povo andava de carabina de dia e de noite”, revelou o pioneiro paraibano Cincinato Cassiano Silva.
Após alguns meses, a situação parecia normalizada e ninguém mais comentava sobre o conflito político. À época, Telmo Ribeiro, que representava o Governo do Paraná na colônia, teria tentado elevar o preço dos títulos de terras. “O alqueire custava 80 mil réis e ele quis aumentar para 500 mil. O Alcides achou que era muito dinheiro para o pessoal daqui, pois a maioria era pobre”, assinalou o pioneiro paulista João da Silva Franco, complementando que grande parte dos moradores de Paranavaí tinha condições de pagar no máximo 150 mil réis por alqueire. Indignado, de Sordi viajou até Curitiba para registrar uma queixa formal contra o capitão Telmo.
Telmo Ribeiro assume autoria do homicídio
No dia 12 de outubro de 1948, poucos dias depois de retornar de viagem, quando estava em casa plantando feijão, Alcides de Sordi recebeu um convite para ir até a delegacia conversar com o sargento Marcelino, a maior autoridade policial da colônia. “Falaram a ele que o sargento faria uma viagem e precisava que ele o substituísse por um tempo”, frisou João Franco.
Naquele dia, Cincinato Cassiano foi levar comida para o cunhado que estava trabalhando em uma chácara. No caminho, encontrou Alcides indo ao encontro do sargento. “Houve uma discussão na delegacia e quando o de Sordi estava saindo meteram-lhe uma bala pela nuca que varou pela testa”, enfatizou Arlindo Borges, acrescentando que a morte foi instantânea. Outros pioneiros dizem que o rapaz levou sete tiros e logo após o acontecido Telmo Ribeiro, Oscar Camargo e o engenheiro Alberto Gineste fugiram em um automóvel e se esconderam na Fazenda Tabajara, nas imediações de Guairaçá.
Especula-se que pouco antes do crime tenham pressionado Alcides para não se envolver mais com política. Além de Ribeiro, Camargo e Gineste, estavam José Francisco, o sargento Marcelino, os soldados Olívio e Francisco e o paraguaio Marciano. Há suspeitas de que Frutuoso Joaquim de Salles, o baixinho Idalécio e outros pioneiros não identificados estavam no local do assassinato. “Tudo foi preparado e quem estava lá sabia o que iria acontecer”, informou Franco. Mesmo após o assassinato, nenhuma das testemunhas saiu em defesa de Alcides.
Naquele dia, o bispo de Jacarezinho, Dom Geraldo de Proença Sigaud, estava realizando uma cerimônia de crisma em Paranavaí. Durante a solenidade muita gente chorou pela morte do rapaz. Todos aqueles que eram do grupo político de Alcides de Sordi deixaram Paranavaí dias depois. “Quase cem pessoas foram embora, largando sítio e até família”, lembrou Borges.
O capitão Telmo Ribeiro assumiu a autoria do assassinato. Em primeira instância, foi condenado a doze anos de reclusão. Recorreu e foi absolvido em 10 de março de 1950. Ribeiro trabalhava para o governo paranaense e tinha grande influência política. Esperto e carismático, o capitão cultivava amizade com o ex-interventor federal Manoel Ribas e com o governador Moisés Lupion. “O Telmo assumiu, mas quem deu o primeiro tiro foi o engenheiro Alberto Gineste que viveu em Paranavaí até morrer de desgosto”, testemunhou João da Silva.
Franco lembrou que muita gente queria se juntar para matar Ribeiro. João de Sordi, pai de Alcides, não concordou. Disse que entregava a Deus porque acreditava que ele faria justiça. De acordo com a pioneira fluminense Palmira Gonçalves Egger, homens armados percorreram a colônia o dia todo ao longo de 20 dias após o acontecido. Alguns pioneiros afirmaram que eram membros de um grupo conhecido como “Capa Preta” que simpatizava com Alcides de Sordi. “Isso assombrou a cidade”, ressaltou Palmira. Mais tarde, o fato fez com que Telmo Ribeiro se afastasse da política.
Saiba Mais
Em 1950, segundo relatos de pioneiros, o advogado Accioly Filho, deputado estadual pelo PSD, que representou o réu Telmo Ribeiro, expediu um boletim com as palavras: “…e assim senhores do Conselho de Sentença, em nome do Partido Social Democrático, eu vos peço que absolvam este nosso correligionário que se acha no banco dos réus, porque ele, embora seja um criminoso, é do governo.”
Curiosidade
Alcides de Sordi era filho do casal João de Sordi e Angela Locatelli de Sordi, de São José do Rio Pardo, interior paulista, que se mudaram para Paranavaí em 1947. O casal veio com o mesmo objetivo de outros pioneiros, proporcionar melhor qualidade de vida aos cinco filhos. Na colônia, o primeiro negócio da família foi a instalação de uma máquina beneficiadora de arroz.
Frases dos pioneiros sobre Alcides de Sordi
Enéias Tirapeli
“Coitado do rapaz, estava plantando feijão e mandaram chamar ele lá. Foi o maior tiroteio. Ele caiu morto perto da porta da cadeia. Foi por causa de política, ele era um rapaz muito bom.”
João da Silva Franco
“Alcides de Sordi era um rapaz muito bom, solteiro, humilde e inocente. O povo contava que achavam o Alcides competente para ser o administrador geral da colônia.”
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