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Quando alguém que você conhece comete suicídio
Poucas coisas, ou nenhuma, reafirmam mais nossa impotência do que quando você é informado que alguém que conhece cometeu suicídio. De repente, alguém que ontem sorriu com você, contou uma piada, disse que é preciso lutar, e hoje partiu. Não está mais lá. Lateja na mente a última conversa. “Será que algo poderia ter sido dito para evitar isso?”
Não se pode prever. Há sentimentos e estados, que dependendo da circunstância e intensidade, já não se transmutam com palavras, porque são acumulativos e podem pesar sobre a cabeça como um edifício de bigornas. Talvez haja também o peso da vergonha em partilhar um desinteresse pela vida que se intensifica. Medo de julgamentos, da condenação sem consideração. Medo da comparação, que não ameniza. Como se dores pudessem ser medidas.
Acredito que é por isso que muitas pessoas que sofrem de depressão morrem e até mesmo os mais próximos dizem que não tinham a mínima ideia de que tal ente “sofria de algo assim”. A educação, a cultura em que estamos inseridos, também moldam a forma como “nos transmitimos” emocionalmente, para os outros e para nós. A nossa percepção de mundo e dos outros – os limites da personalidade, e o que recebemos em troca.
Para muitos, há tantos bloqueios que a morte pode parecer menos dolorosa em um momento de desespero inenarrável – ainda que digam que é preciso ser forte. Exigir força dos outros também pode ser exaustivo para quem serve como objeto dessa intenção.
E dependendo da condição, vive-se em um estado intenso de transitoriedade – que vai rapidamente de um extremo ao outro. A depressão pode fazer isso. Acordar bem, mas horas depois não conseguir dormir porque sente-se numa autofagia crônica do existir. A mente e o arrebatamento das sensações incontroláveis não para e é como se afogasse a alma.
Apenas ser forte no mundo em que vivemos pode não ser suficiente, e dizer isso aos outros, dependendo do seu estado, talvez não ajude. A força só tem razão de existir quando há para onde direcioná-la. Quando os propósitos se diluem, a força é apenas uma palavra, já fragilizada, descaracterizada. Vontades, sonhos, intenções, creio que só existimos à medida que não os diluímos, ao menos por completo.
Alguns encontram forças para demonstrar o que sentem, ainda que em uma sessão de terapia, já outros não se veem como capazes ou simplesmente não creem. E se fecham, num constante drenar de energia, até o apagar da luz. Essas considerações podem ser tão reais quanto irreais, dependendo de quem seja. Para menos ou para mais.
Breve reflexão sobre a depressão
Se tenho ou já tive depressão, isso não faz de mim uma referência em depressão, mas apenas alguém que talvez tenha condições de compartilhar suas experiências e impressões do assunto – ou seja, talvez permitir uma compreensão diferenciada, um algo mais, nem completo nem incompleto. Não creio que isso signifique que eu esteja autorizado a falar em nome de outras pessoas que estão vivendo essa realidade, principalmente se isso for feito de forma pétrea. Afinal, os níveis de depressão e suas motivações podem ser visceralmente diversos.
Quando falo de alguém em determinada situação que conjecturo análoga ao que vivi, considero semelhança não equivalência, porque a minha individualidade, as minhas experiências, se traduzem em especificidade, em recortes pessoais. E recortes são mais subjetivos do que objetivos, assim como seu impacto, mesmo que eu tente fazer parecer o contrário.
A minha experiência não pode ser uma baliza para simplificar e julgar a experiência do outro, mas talvez uma possibilidade para criar uma ponte se não de entendimento, pelo menos de consideração à individualidade, porque, na minha concepção, isso é essencialmente uma manifestação de respeito. Por isso, sou da opinião de que a dor de uma pessoa é somente dela, e só ela sabe o que isso representa em sua vida.
Quando me coloco no lugar do outro, tenho como parâmetro tal reflexão: “A dor de alguém não pode ser medida, qualificada como maior ou menor do que a de ninguém, é simplesmente a sua dor.” Isso basicamente resume o que penso em relação à individualidade do sofrer. Creio que quando damos nomes às coisas, não raramente temos uma tendência a apoucar o seu impacto pessoal, e isso pode ser problemático, porque embora duas pessoas vivam uma chamada “mesma realidade”, por exemplo, isso não significa que o peso seja equivalente.
Harry F. Harlow e a indução de macacos ainda bebês à depressão
1959 – Harry F. Harlow realizou uma série de experimentos em que induzia macacos ainda bebês à depressão. Em uma foto da revista Life, o macaquinho aparece agarrado a uma macaca de pano que ele acreditava ser sua mãe. Mais tarde, os macaquinhos foram colocados para conviverem com suas mães biológicas. No entanto, como também foram enclausuradas e privadas do convívio social desde o nascimento dos bebês, elas mais tarde não reconheceram qualquer vínculo. Uma das macacas mordeu os dedos das mãos e dos pés do seu filhote no primeiro contato. Já outra macaca esmagou o crânio do próprio bebê no chão. Essa experiência foi colocada em prática para avaliar as reações dos macacos rhesus em situação de ausência afetiva e maternal.
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A morte e a ajuda de Chester Bennington
Em muitos vídeos da banda Linkin Park no YouTube tem dezenas, talvez centenas ou milhares, de comentários de pessoas que sofriam ou sofrem de depressão e encontraram alento nas músicas do vocalista e compositor Chester Bennington, encontrado morto hoje, após cometer suicídio por enforcamento.
Inclusive pessoas que disseram ter desistido da ideia de cometer suicídio enquanto ouviam Linkin Park. Música é uma coisa extremamente poderosa. Há pessoas que confortam tanta gente em proporção inimaginável, o que não significa que sejam inatingíveis ou que não sejam frágeis.
Idosos e a depressão
Nas últimas semanas tenho conversado com idosos com mais de 85 anos e que sofrem de depressão. Me contaram que agora começaram a se sentir mais próximos da morte. Alguns porque restam poucos de suas gerações.
“Com 80 anos, ainda me sentia um pouquinho jovem”, disse um deles sorrindo. E percebi que todos eles têm uma mesma opinião reproduzida com palavras distintas.
“O mais difícil hoje é ter uma mente jovem em um corpo fustigado. A mente quer o que o corpo já não permite. Ele cobra por nossas ações. É como uma derrota difícil de aceitar”, comentou um senhor de 86 anos.
A dura realidade de Nelson
Entregue ao vício, pedreiro sonha em se livrar do álcool e do crack
Nelson Ferreira Filho tinha dez anos quando viu a mãe ir embora para nunca mais voltar. Inconformado, seu pai começou a beber pinga todos os dias. “Ele comprava pra tomar no fim da tarde. Só que não percebeu que eu também me sentia abandonado. Então quando ele ia trabalhar eu bebia o litro de pinga inteiro sozinho. Meu pai ficava bravo comigo e eu com ele porque minha mãe sumiu”, narra.
Mais tarde, Nelson conseguiu se afastar do alcoolismo. Porém, retornou ao antigo vício quando a esposa deixou claro que queria a separação. “É a mãe de um de meus filhos. Quando a perdi há 15 anos, mergulhei no álcool de uma maneira que você nem imagina”, admite. Quem o conhece de longa data, relata com pesar a degradação de Ferreira Filho.
No auge da profissão, acostumado a circular pelas ruas da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, com motocicletas caras, o pedreiro Nelson chegou a ter quatro casas, dois terrenos e uma boa grana na poupança. “Sou pedreiro bom, tenho tanta ferramenta que a maioria nem sabe para que serve. Trabalhei no ramo por quase 25 anos. Eu era o cara da Vila Alta, o pessoal me via como exemplo de sucesso. Tinha vida boa e gostava de ajudar todo mundo”, garante enquanto chora.
Há sete anos, quando perdeu outra esposa, Nelson encontrou na rua um garoto oferecendo “um negócio de fumar”. “Era crack. Me acostumei com a droga e vendi dois terrenos. Gastei tudo comprando pedra. Rapaz, já fumei até mil reais numa noite. Depois vendi minhas ferramentas de trabalho pra comprar droga”, revela.
Chegou a não se importar mais em ser flagrado fumando crack. Às vezes o desespero de Nelson era tão grande que ele invadia terrenos baldios e matagais para fumar pedra. “Eu fumava muito com um colega. Um cara levava todo dia 50 gramas na casa dele e a gente alucinava. Graças a Deus, ele se livrou da droga. Fico feliz por aquele cara. Ele não vem mais pra cá. Não gosta nem de lembrar. Só o encontro lá pra cima da Vila Operária”, assegura chorando.
A situação de Nelson piorou nos últimos cinco anos, quando se entregou completamente ao alcoolismo. Hoje em dia, o pedreiro acorda às 5h para beber. “A minha vida é essa. Bebo o dia todo se deixar. Tomo fácil dois litros de pinga, então quando quero cortar os efeitos do álcool eu fumo uma pedra de crack. Esta semana fumei quatro, mas o lance é que só fumo quando bebo. Se eu não bebo, eu não uso droga”, confidencia.
Por mês, Ferreira Filho gasta em média R$ 400 em dois bares onde compra pinga. Como a garrafa custa R$ 10, o acesso é fácil. “Muitas vezes o cara ‘tomba’ antes de terminar a garrafa, por isso não é difícil virar alcoólatra. Agora pra quem usa droga, R$ 10 não é nada. Outra facilidade é que toda hora tem gente te oferecendo bebida de graça. O povo bate até na porta de casa pra acordar pra beber. E se não tiver dinheiro, é só vender as coisas pra comprar o ‘goró’”, informa.
As muitas lembranças de Nelson na casa onde viveu com a família o motivou a sair de lá para morar em uma residência alugada. No local, há apenas duas camas, um fogão e uma geladeira. “Lembro de tudo que fiz de errado na minha vida. Seis mulheres que tive moraram lá, além dos meus filhos. E como eu já vivia sozinho, eu quis sair. Hoje fico por aí, pelas ruas. Quando caio bêbado em algum lugar, sempre tem alguém que me puxa pelos braços, me arrasta e me deixa em casa”, destaca.
O estado do pedreiro é tão grave que ele não consegue dormir quando não bebe. O consumo constante de álcool o obrigou a interromper o uso do sedativo Diazepam porque a combinação poderia ser desastrosa. “Já bebi e tomei remédio ao mesmo tempo e me deu um branco daqueles. Fiquei com medo de não acordar mais. Passa muita coisa pela minha cabeça. Quero ver meus netos crescendo. Esses dias uma nora trouxe um pra eu ver. Eu estava sentado em frente ao portão. Amo todos eles”, afirma.
Nelson diz que se sente mal pelo sofrimento que causou à família, sonha em se livrar do vício e em viver novamente com a esposa. “É muito amor. Preciso me curar. Tenho cinco filhos. Três são casados e dois são pequenos”, enfatiza sorrindo e enxugando as lágrimas do rosto.
Ouvia gente cochichando no quintal e corria com foice ou facão
Morador da Vila Alta desde 1986, Nelson Ferreira Filho se orgulha da profissão de pedreiro e também de ter trabalhado como segurança de prefeito. No entanto, quando fala do presente reconhece que a única solução para se livrar do alcoolismo, vício que inclusive o motiva a usar drogas, é o internamento em uma clínica de reabilitação. “Preciso de uma psicóloga pra trabalhar na minha cabeça. Sou explosivo e não quero mais essa vida. Fico perigoso e violento quando bebo demais”, confessa.
Sofrendo de ansiedade e depressão há anos, não se esquece do dia em que subiu na moto e foi a Alto Paraná [a 20 quilômetros de Paranavaí] à toa quatro vezes consecutivas. “Fiz isso na ‘noia’, na ‘pira’. Achei que se ficasse parado iria enlouquecer. Já fiz coisa mais estranha ainda. O crack me dá alucinação, coisa do diabo. Direto eu ouvia gente cochichando no quintal, daí eu corria em volta da casa com foice ou facão e via que não tinha ninguém. Quando decidi parar com a droga, a minha mulher já tinha ido embora. Há pouco tempo mesmo tive alucinação e fiquei três dias sem dormir”, conta Nelson que é aposentado por invalidez.
Apesar dos problemas com o alcoolismo, Ferreira Filho deixa claro que não tem coragem de ir atrás da família porque tem vergonha da própria situação. “Você tem poucos amigos quando bebe e usa droga. Quase todo mundo se afasta de você. Não me considero mais dependente químico porque chego a ficar até meses sem usar crack”, argumenta e lembra que está devendo R$ 40 reais em uma boca de fumo.
Dois encontros com a morte
Há 20 anos, antes de ser demitido de uma construtora, o pedreiro Nelson Ferreira Filho trabalhou até a noite em uma obra. No dia seguinte, discutiu com o patrão por causa da demissão. Bastante irritado, foi até um bar, comprou uma garrafa de pinga e bebeu tudo sozinho. Depois subiu na moto e dirigiu até as imediações da Serpavi, atual Secretaria Municipal de Infraestrutura, onde foi atropelado por um caminhão da prefeitura que atravessou a preferencial.
“O motorista sumiu de Paranavaí com medo de mim. Não vi nada depois da pancada. Tive uma fratura exposta tão grave que o médico queria amputar minha perna. Aí implorei pra ele não cortar. Fizeram uma gambiarra lá e não perdi a perna, só que ela não levanta mais. Ando mancando, puxando a perna”, relata e exibe uma grande cicatriz que começa no pé e termina quase no joelho. Além disso, perdeu os movimentos de um braço.
O que também afetou muito o estado psicológico e emocional de Ferreira Filho foi a declaração do juiz durante uma audiência para conseguir a aposentadoria por invalidez. “Ele disse que eu não tinha como provar que era inválido. Eu nem andava na época, pra você ter uma ideia. E mesmo assim o juiz falou isso. Quando chove, não consigo caminhar. A outra perna tá boa”, pontua.
O acidente foi o segundo encontro do pedreiro com a morte. O primeiro aconteceu quando ele tinha 20 anos e estava trabalhando como lenhador. Nelson era um dos sete passageiros de um caminhão que retornava de Nova Olímpia, na região de Umuarama, também no Noroeste do Paraná. Antes que o motorista percebesse, o veículo ficou sem freio no trevo perto de Cianorte. “Até uma criança, filho do motorista, estava com a gente. O caminhão foi parar no canavial. Ainda bem que ninguém morreu. Quando saí do hospital, falaram que não sobrou nada do caminhão. Aquele dia foi Deus que abençoou”, comenta.
Frase de Nelson Ferreira Filho
“Tive uma esposa que foi morta na mesa de cirurgia por um médico daqui de Paranavaí. Hoje ele continua trabalhando como se nada tivesse acontecido.”
A superação de Stevie Zee
O fisiculturista com paralisia cerebral que se tornou um exemplo
O estadunidense Stevie Zee estava completamente perdido em 1992. Reprovado na faculdade comunitária e incapaz de encontrar trabalho, o rapaz que sofre de paralisia cerebral (PC) decidiu fazer algo para evitar a depressão e a autopiedade.
Em dezembro do mesmo ano, Stevie foi até um ginásio de musculação em Portland, Oregon, sua cidade natal, onde conheceu o fitness trainer e fisiculturista heavyweight David Hughes. “Ele apareceu para uma sessão de treinamento e logo me disse que queria se tornar um bodybuilder. Me surpreendi com a decisão e me empenhei em ajudá-lo”, conta Hughes que instruiu o rapaz no treinamento com pesos e o ensinou muito sobre nutrição esportiva.
Stevie queria competir no bodybuilding, seguindo o mesmo caminho de David. Porém as limitações impostas pela paralisia cerebral fizeram com que o sonho parecesse distante e utópico. Em função da doença, os músculos de Zee costumavam ser encurtados, rígidos e enfraquecidos, o que tornava tudo mais difícil. Com frequência, o controle dos músculos era interrompido por movimentos espontâneos e indesejados, além dos problemas de equilíbrio, instabilidade em movimentar pés, mãos e até falar. Em síntese, Stevie sofre de paralisia cerebral mista, o tipo mais severo.
“Eu tinha dificuldade em aceitar a doença, mas agora eu sei que eu a tenho para inspirar outros a se tornarem pessoas melhores, a tirarem o máximo proveito da vida, independente de tudo”, afirma Zee. Segundo David Hughes, Stevie é mais motivado que a maioria das pessoas. Apesar das dificuldades, mora sozinho, cozinha, dirige e faz as próprias compras.
A primeira recompensa do atleta veio em junho de 2003, quando surgiu um novo tratamento para paralisia cerebral. Zee passou por um procedimento em que foi instalado um mecanismo especial na parede abdominal, minimizando os extremos espamos musculares que o fizeram sofrer por tantos anos. Em 2006, o fisiculturista recebeu um prêmio da revista MuscleMag no Los Angeles Championships, onde foi aplaudido de pé por centenas de pessoas, entre celebridades do bodybuilding.
“Ele teve a coragem de deixar Portland e se mudar para Hollywood. Tudo isso, para realizar seus sonhos. É como se ele fosse um personagem de uma história em quadrinhos”, comenta o lendário ex-fisiculturista Rich Gaspari, que desde 2008 patrocina Stevie Zee. Para entender a história de superação do atleta é preciso ter em mente que para quem sofre de paralisia cerebral é complicado até mesmo caminhar e realizar pequenas tarefas diárias. “Imagine então fazer musculação? Há milhares de limitações que o dizem para não ir por esse caminho. Isso mostra o quanto ele é um vencedor”, diz David Hughes.
O que também chama atenção sobre Stevie Zee é a sua capacidade em seguir dietas restritivas, outro ponto considerado impossível para quem sofre de PC. Ao longo de 20 anos, o atleta não apenas ganhou em condicionamento e qualidade de vida, minimizando os problemas com a doença, como se tornou referência de novos estudos sobre a medicina da encefalopatia crônica não progressiva nos Estados Unidos. “Devo tudo isso a David Hughes que foi quem me transformou em uma pessoa totalmente diferente”, declara Stevie emocionado. Vale lembrar que o fisiculturista é tema do documentário Hang On To Your Dreams, lançado em 2008.
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