David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Quando recebi materiais sobre guerrilha

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Não sou a favor de revoluções baseadas na violência (Arte: Reprodução)

De uns dias para cá e sem que eu peça, alguns camaradas têm me enviado materiais sobre guerrilha e cheguei inclusive a ver pessoas falando em cursos sobre o assunto. Sinceramente, fique à vontade para fazer o que bem entender, mas esteja ciente dos desdobramentos de suas ações. Reflita também o quanto elas pesam sobre suas inclinações ideológicas, principalmente para não cair em contradição.

Não sou a favor de revoluções baseadas na violência e hoje mais do que nunca acho que isso é algo que não deveria ser nem mesmo aventado. Estamos em 2016 e não é difícil perceber que a maior guerra da atualidade é a da informação. Quem pensa o contrário talvez não tenha se dado conta das transformações que o mundo viveu nas últimas décadas.

Outro ponto a se considerar é que enquanto alguns pegam em armas, outros simplesmente as manipulam, e sem precisar empunhá-las. Sim, sou contra a exaltação da violência tanto quanto sou avesso à subtração e desvirtuação das liberdades. E jamais tive como herói pessoas que a exerceram para impor uma ideologia que pode parecer utopia para uns e distopia para outros.

Um mundo justo hoje seria um mundo de pessoas ponderadas, capazes de falar, mas também de ouvir e refletir sobre o que ouviram. Muitas tragédias e ações equivocadas surgem com a intemperança, desconhecimento, desinformação e desinteresse pela comunicação. E nessas circunstâncias abre-se espaço para o discurso impositivo, o mais nocivo de todos porque através dele o ouvinte absorve apenas a forma, não o conteúdo.

Como somos seres pensantes é difícil entender como o embrutecimento pode se sobrepor a tudo isso. Em menor ou maior proporção, penso que muitas das mazelas do mundo atual têm a ver com o infindável e megalomaníaco anseio de querer ser mais dono dos outros do que de si próprio. A ilusão da posse é danosa e inconsequente, mas, embora sejamos paradoxais por natureza, acredito que o ser humano sempre tem condições de aprender a viver dentro de si mesmo para então aprender a viver fora.

Literatura, Paulo Coelho, culinária e Alexandre Dumas

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Há quem acredite que para ser escritor ou leitor é importante desprezar alguns autores

Sempre me pareceu muito clichê desprezar o trabalho do Paulo Coelho (Foto: Divulgação)

Sempre me pareceu muito clichê desprezar o trabalho do Paulo Coelho (Foto: Divulgação)

Em 2014, participei do lançamento do novo livro de um escritor que prefiro não dizer o nome. É um autor relativamente conceituado no cenário da literatura e que me pareceu ser uma pessoa que valia a pena conhecer. Após o lançamento, houve um bate-papo com o escritor e infelizmente percebi mais uma vez que há autores que se preocupam mais em apelar para o senso comum, o que eu chamo de “malhar o Judas”, talvez visando conquistar com mais facilidade a cumplicidade da plateia, do que propor um diferencial, surpreendê-la com alguma ideia menos usual e que instigasse a reflexão.

Nem todo escritor é obrigado a ser bom em lidar com o público, até porque não é sua obrigação, mas é sempre estranho encontrar uma pessoa com uma capacidade tão complexa de raciocínio e criatividade se condicionando a repetir ideias fragilizadas e facilmente questionáveis. Como acontece em qualquer lugar hoje em dia, o referido escritor fez questão de despender uma parte do bate-papo para falar mal do trabalho do escritor Paulo Coelho, ou seja, uma pessoa que não acrescenta nem diminui nada na literatura desse autor. Então por que ele o “criticou”?

A impressão que fica é que para ser “escritor de verdade” ou “leitor de verdade” é importante desprezar alguns ou muitos autores. Parece existir uma lista sistemática com nomes seletos que determinam que você só é escritor ou leitor se ler este ou aquele, o resto não interessa. Sempre me pareceu muito clichê desprezar o trabalho do Paulo Coelho. Acredito até que são justamente as chamadas “críticas” e “desconsiderações” pelas suas obras que o tornam ainda mais popular no Brasil. O homem nem precisa investir em publicidade. Até quem nunca leu seus livros gosta de arremessar uma pedra que reverbera seu nome.

Depois de deixar claro o seu desprezo por Paulo Coelho, o autor declarou que hoje em dia o mercado editorial brasileiro está ruim porque há pessoas que nunca escreveram ocupando o espaço dos verdadeiros escritores. Ora, deveria haver um concurso em que quem for reprovado ou não se enquadrar nos temas e gêneros propostos não tem o direito de escrever? Nessa linha de pensamento, posso inferir que os leitores também não deveriam ter o direito de ler o que querem? Alguns dos maiores nomes da literatura universal se lançaram no mundo de forma independente. Rimbaud que o diga.

Alexandre Dumas já reconhecia a importância da culinária no século XIX (Arte: Reprodução)

Alexandre Dumas já reconhecia a importância da culinária no século XIX (Arte: Reprodução)

Bom, mas continuando. O escritor “criticou” também o trabalho de Laurentino Gomes, defendendo que o que ele faz não é literatura. Pode não ser literatura ficcional, mas não deixa de ser literatura, tanto que ele recebeu prêmios que se enquadram em categorias literárias, o que é mais do que um contraponto ao comentário feito pelo autor. Eu, como fã de culinária e gastronomia, tive que ouvir um escritor com mais tempo de literatura do que eu de idade declarar que outra “porcaria” que estraga o mercado editorial são os livros de culinária. Bom, generalizações à parte, culinária é cultura e sempre vai ser, independente do que quem não gosta ou não entende do assunto pense.

Com a tal “porcaria”, é possível aprender muito sobre as civilizações, e não falo apenas de hábitos e costumes, mas também de história, crenças, valores, capacidade de adaptação às adversidades e preservações ou transformações étnicas. A culinária sempre teve estreita relação com um ou diversos contextos. Ela já foi determinante na sobrevivência e ascensão de muitos povos em períodos de guerra, por exemplo. Em síntese, a culinária pode ter conotação econômica, social e até política. Muitos povos tiveram suas identidades, histórias e legados fortalecidos graças à culinária.

No século XIX, o escritor francês Alexandre Dumas, eternizado por obras como “Os Três Mosqueteiros”, “O Conde de Monte Cristo” e “Os Irmãos Corsos”, já reconhecia isso, tanto que dedicou os últimos anos de vida a escrever “O Grande Dicionário de Culinária”, lançado em 1873, três anos após sua morte. Na minha opinião, dizer que livros de culinária não merecem espaço é simplesmente um preconceito tolo e que revela um ego inflado por um desejo de cerceamento que nasce da incapacidade em lidar com as diferenças.

Written by David Arioch

March 23rd, 2015 at 2:03 pm