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A vida de Seu Zé
Publiquei hoje no YouTube um curta-metragem bem simples intitulado “Seu Zé”. Gravado com o celular, conta a história do idoso José Rodrigues que divide uma casa em situação extremamente precária com a esposa na Vila Alta, na periferia de Paranavaí. Morador da Rua E, a última rua do bairro, Seu Zé tem alguns problemas de saúde, como a visão comprometida e a dificuldade para andar, consequência de um acidente que sofreu há alguns anos. Ainda assim, se esforça para tentar levar uma vida mais digna.
“Seu Zé” mostra a difícil realidade do casal, que é obrigado a se alimentar muito mal em decorrência da falta de recursos, já que a única renda deles são os R$ 630 recebidos por Seu Zé. Na residência de três cômodos, há furos por todo o telhado, tornando a casa um alvo fácil em dia de chuva. Quem assiste ao vídeo de um minuto e meio logo percebe que todo o cenário destaca a difícil e degradante situação do ex-boia-fria.
Como não há rede de esgoto, na entrada da casa há uma fossa aberta há quatro anos que já está cedendo. No geral, o idoso não tem uma boa perspectiva do futuro, mas gostaria que a sua realidade presente não fosse tão amarga. É um pequeno vídeo bem cru, inclusive não interferi no ambiente. Mostra a vida de Seu Zé em seu estado natural, sem qualquer artificialismo. Ele é o narrador da sua própria história.
Exploração animal, consumo de carne e fome mundial
O mundo atualmente conta com mais de 1,5 bilhão de bovinos e pouco mais de sete bilhões de pessoas. Os seres humanos consomem 9,5 bilhões de quilos de comida e 20 bilhões de litros de água por dia. Por outro lado, o gado é alimentado com 61 bilhões de quilos de comida e 170 bilhões de litros de água por dia, segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Ou seja, temos animais criados simplesmente para serem mortos e transformados em carne para pessoas que têm condições de pagar por ela. Claro, muitos não têm, já que o mundo soma mais de um bilhão de pessoas passando fome diariamente. Isso é absurdo e surreal. Gasta-se seis vezes mais para alimentar bovinos, quando poderíamos estudar e viabilizar uma alternativa para destinar comida de origem vegetal para sanar a fome do mundo.
Claro que muitos alegarão que ninguém tem obrigação de fazer nada em relação a isso, mas se há condições de fazer o bem, por que não fazer? Por que não investir na vida em vez de investir na morte? Que tipo de mensagem a humanidade transmite quando mata bilhões de animais por ano, e simplesmente para consumo? Além do mal que causamos aos animais não humanos, ainda desconsideramos a fome mundial, porque é isso que a produção e o consumo de carne privilegiam, uma aberrante desigualdade social, já que não se trata de algo justo nem aceitável. Acredito que quando comemos carne também estamos virando as costas para a miséria que assola o mundo e ajudando a perpetuar um sistema que incentiva mais a morte do que a vida.
O estigma social da Vila Alta
Maria de Fátima: “Todo mundo era cidadão em outro bairro e aqui se tornou um João Ninguém”
Uma das lideranças da Vila Alta, um dos bairros mais pobres de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, a catadora de recicláveis Maria de Fátima Oliveira conta um pouco da história do bairro que um dia foi conhecido como Vila do Sossego e atualmente soma mais de três mil moradores. Desse total, muitos já foram vítimas de preconceito social.
O começo nos anos 1970
A história da Vila Alta teve início em 1977, quando moradores de outros bairros foram obrigados a migrar para uma área desabitada além da Vila Operária. “Era só mato, não tinha nem árvore. Mudei pra cá alguns anos depois e lembro que aqui onde moro hoje só havia duas famílias, uma no Lote 1 e outra no Lote 16”, diz Maria de Fátima que já trabalhou como empregada doméstica, guarda e boia-fria. A catadora de recicláveis, assim como muitos outros habitantes da Vila Alta, nem sempre viveu na periferia.
Maria, que há 35 anos morou na região central de Paranavaí, serve de exemplo para mostrar como o desenvolvimento de um município pode ser prejudicial aos menos favorecidos. “Do Centro, mudei para o Jardim Panorama. De lá, fui para o Jardim São Jorge, até que me vi obrigada a vir pra cá, quando foi decretado o despejo. Isso aconteceu dois dias depois que cheguei do hospital com um filho recém-nascido”, lembra.
Os barracos de lona e os casebres de lata de óleo
Muitos dos moradores da Vila Alta passaram por situação semelhante por causa da supervalorização do custo de vida em outros bairros. “Todo mundo era cidadão em outro bairro e aqui se tornou um João Ninguém. Éramos excluídos da sociedade e muitos nos tratavam como ‘lixo humano’”, desabafa Maria de Fátima que aponta como um dos principais pioneiros o falecido Zé Bala.
Na década de 1980, ainda não havia muitas residências no bairro que se formou a partir da Rua Benedito Brambila. A maior parte da área era ocupada por barracos de lona e casebres feitos com latas de óleo de cozinha. “Era tanto barraco que a gente parecia um bando de urubus. Sempre fazia aquele barulhão quando o vento batia”, comenta.
O preconceito contra os moradores
A população também não contava com recursos básicos. Assim como a energia elétrica, o acesso à água surgiu bem depois, e de forma precária, quando o Centro Social Urbano instalou duas torneiras no bairro. Para piorar, conseguir emprego no comércio local era quase impossível. “No Centro, ninguém dava emprego para quem era da Vila Alta. As moças e os rapazes mentiam, mas logo que descobriam eram demitidos. O preconceito era muito grande”, revela Maria.
Um ex-gerente de uma loja de departamentos de Paranavaí, que pediu para não ser identificado, ressalta que por muitos anos recebeu recomendações para não contratar moradores da Vila do Sossego. “A gente tinha o costume de generalizar mesmo, era uma questão até cultural, de família e convivência social. Pensava que o morador de lá era diferente, não era confiável. A gente sempre o julgava da pior maneira”, admite outra testemunha, o empresário Juliano Fernão Garcia. Recentemente, um mototaxista pediu que o artista plástico Luiz Carlos Prates descesse da moto ao informar que o destino era a Vila Alta.
O desemprego e o trabalho braçal
Embora uma parte dos moradores tenha conquistado bom espaço no mercado de trabalho, concluindo o ensino superior e tornando-se enfermeiros e professores, a maioria ainda está relegada ao desemprego e às linhas de produção das agroindústrias, colheita de laranja, corte de lenha, mandioca e cana-de-açúcar.
“Muitos atuam como pedreiros fora de Paranavaí. Uma minoria trabalha no comércio e coleta materiais recicláveis”, relata Maria que ainda se recorda de episódios em que lojas da região central se recusavam a vender produtos para os moradores da Vila Alta, caso o pagamento não fosse à vista.
O sentimento de não pertencimento a Paranavaí
A principal queixa dos moradores é a de que grande parte da população de Paranavaí não vê as qualidades do bairro. Por isso, há um sentimento de não pertencimento à cidade e uma crença de que ao longo de mais de 30 anos a maior parte das conquistas é resultado de um trabalho comunitário.
“Somos bem unidos, tanto que muitas casas foram feitas em comunidade, com a ajuda de vizinhos e amigos”, garante a catadora de recicláveis, sem deixar de citar que receberam ajuda de pessoas de outros bairros e cidades.
O orgulho da periferia
A Vila Alta se orgulha dos seus trabalhadores que atuam na construção civil. Muitos desempenham função determinante na criação de condomínios e luxuosas residências situadas nas áreas nobres de Paranavaí. O bairro também é visto pelos moradores como um celeiro de artistas, pintores e vendedores. Ainda assim, a população clama por mais empregos, já que muitos se distanciam da família quando conseguem trabalho somente fora de Paranavaí.
Entre os moradores entrevistados é unânime o desejo de ver no futuro uma Vila Alta mais moderna, com a estrutura de uma pequena cidade e maior renda mensal. A população reclama da falta de opções de lazer, tanto para crianças quanto adultos. “A situação não é fácil, mas estamos lutando para melhorar ainda mais a vida na comunidade”, acrescenta Maria de Fátima.