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“Senti que Londres foi abençoada por sua amável consideração pelos gatos”
“O que me surpreendeu tanto quanto qualquer coisa eram os gatos gordos que dormiam pacificamente na entrada das lojas em Londres, enquanto as pessoas passavam por eles com cuidado. A Inglaterra deve ser a terra dos gatos, eles permanecem pacificamente por toda parte nas imediações de St John’s Wood.
Em Tânger [Marrocos] ou na Cidade do México, você quase não vê gatos tarde da noite, porque muitas vezes os pobres os pegam e os comem. Senti que Londres foi abençoada por sua amável consideração pelos gatos. Se Paris é uma mulher que foi violada pela invasão nazista, Londres é um homem que apenas fuma o seu cachimbo, bebe a sua stout e abençoa o gato tocando sua cabeça ronronante.”
Excerto de “Desolation Angels”, de Jack Kerouac, publicado em 1965.
Jack Kerouac, o beat que não queria ser beat
Kerouac desprezava a cultura pop e nunca quis ser um ícone
Ao longo de nove anos, Jack Kerouac foi de Nova York a São Francisco e do México ao Alasca. Quando não estava viajando, ele passava seus dias com Allen Ginsberg e William Burroughs. Já com uma extensa produção, e logo depois de lançar seu livro mais popular – On The Road, o autor publicou o curto romance The Subterraneans.
Em 1958, a novela narrada em primeira pessoa, e que tem a estrutura de um livro de memórias, despertou controvérsias porque Kerouac apresentou os afro-americanos como personagens humildes e primitivos, sem levar em conta os aspectos culturais e sociais em que estavam inseridos. Porém, mesmo que o livro tenha sido considerado à luz da superficialidade, o potencial de Kerouac era inegável. Sob os efeitos de benzedrina, ele escreveu The Subterraneans em apenas três dias de prosa espontânea. “Depois ele descobriu o Buda e redescobriu Thoreau”, diz o escritor canadense e professor de literatura Steve King.
Mais tarde, refugiado em uma cabana nas imediações do Desolation Peak, situado nas montanhas cascadas de Washington, Jack Kerouac passou dois meses sozinho. Nesse ínterim, escreveu 12 novelas, produziu haicais e escreveu cartas. De volta a São Francisco, celebrou seu retorno em um clube de jazz. Suas impressões daquela noite foram registradas na novela Desolation Angels (Anjos da Desolação), lançada em 1965.
Alguns dizem que o termo geração beat foi cunhado pelo próprio Kerouac no início dos anos 1950. Quando On The Road foi publicado em 1957, nove anos depois de escrever o esboço de Three Weeks, um trabalho registrado em 36,5 metros de rolo de teletipo, e que exigiu muita revisão e acabou leiloado por 2,4 milhões de euros, ele se tornou o mais famoso personagem da geração beat.
Considerado um escritor dedicado que desprezava a cultura pop, Kerouac percebeu dez anos após o lançamento de On The Road que ele criou um novo estilo de literatura, sem base ficcional e profissionalismo – somente genuínas, instantâneas e despretensiosas confissões baseadas em suas experiências. Ele estava mais interessado em escrever poesia para composições de jazz e produzir um filme experimental sobre a disciplina de fazer da mente uma escrava da língua. Ele não queria ser um beat ou um ícone.
Kerouac colocou a bebida entre as suas prioridades na década de 1960, sem saber que ela o levaria à ruína. À época, deu inúmeras entrevistas e provocou má impressão em todas. Declarou que os hippies eram um bando de comunistas e que as mulheres eram como demônios que deveriam ser mantidos dentro de casa. Falou também que negros e judeus eram um problema nacional. E contrariando a consciência popular, revelou que seu maior desejo era ser um fuzileiro naval no Vietnã. Esse comportamento fez com que Jack Kerouac não fosse mais levado tão a sério. Visto como um alienado, seguiu na contramão de amigos pacifistas como Ginsberg.
Após ser informado que seu grande amigo Neal Cassady, que o inspirou a escrever On The Road, se tornou motorista do grupo de escritores Merry Pranksters, Kerouac disse que ele foi sugado pelos hippies e pelo LSD. Quando soube disso, Cassady comentou apenas que era triste ver como Jack tinha desistido de tudo, entregue ao alcoolismo. “Agora ele é apenas um bêbado famoso em seus próprios termos”, frisou Neal.
Vítima de overdose, Neal Cassady morreu nas montanhas mexicanas em 4 de fevereiro de 1968. Próximo dele havia uma bíblia e cartas antigas de Jack e Allen. No mesmo ano, Kerouac finalizou a produção da sua 14ª novela biográfica – Vanity of Duluoz (Duluoz, O Vaidoso). Na obra, ele se recorda que era chamado de Memory Babe pelos colegas de classe por causa de sua memória extraordinária. “Vivendo novamente em Lowell [Massachussets], sua cidade natal, Kerouac não conseguia se recordar de seus ataques de fúria em decorrência do alcoolismo. Numa noite, ele arremessou uma faca na parede atrás de sua mãe”, relata Steve King.
Jack Kerouac faleceu aos 47 anos em 21 de outubro de 1969, um ano e sete meses após a morte de Cassady. A causa foi uma hemorragia gastrointestinal provocada pela cirrose. Apesar dos altos e baixos, ele foi considerado pelo jornal The New York Times como o mais importante escritor moderno desconhecido dos Estados Unidos. Até hoje muitos jovens visitam seu túmulo em Lowell, onde deixam baseados, garrafas de vinho e mensagens.
“Durante o funeral de Kerouac, o padre escolheu uma passagem bíblica que fala da reflexão de dois discípulos que acompanhavam Jesus até Emaús. ‘Não era como um fogo queimando dentro de nós quando ele falava conosco na estrada?’”, cita King.
Referências
http://www.todayinliterature.com/
Michael J. Dittman, Jack Kerouac: A Biography, Greenwood Publishing Group ( 2004).
Nicosia, Gerald. Memory Babe: A Critical Biography of Jack Kerouac. Berkeley: University of California Press (1994).