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Bolsonarismo daria um bom livro do Ray Bradbury e um bom filme do Truffaut
Bolsonarismo daria um bom livro do Ray Bradbury e um bom filme do Truffaut. “Fahrenheit 451” sobre a emergência da sonhada utopia transformada em distopia é a prova disso. O cerceamento da liberdade sob o pretexto da preservação da “tradição-maior” (“O que é tradição se não um arremedo em construção?”, já diziam os antigos) ou de valores incertos e questionáveis em uma sociedade diversa são sempre marcados pelo anti-intelectualismo na história das sociedades. O anti-intelectualismo é a guarida do despotismo, e surge sempre sob a pretensão de um “bem maior”, “da proteção de valores que nem mesmo são valores.
Se vale da ignorância combinada aos destemores de uma massa indouta, inculta para determinar e escolher por você o que é bom ou não, sem possibilidade de livres escolhas, porque segundo essa crença não há o que escolher, apenas ceder. Em “Fahrenheit 451” há queimas de livros, assim como muitos adorariam fazer hoje com os chamados “livros doutrinadores”. Ou seja, a crença na libertação baseada na privação. Intrigante, não? Atualmente, todos os dias nos deparamos com um sem-número de Montags, bombeiros que não apagam fogo, mas que adorariam incendiar e amplificar a incoerência da ignorância e da intransigência humana.
Crime e Castigo à brasileira
Heitor Dhalia e a interpretação moderna da obra de Dostoiévski
Lançado em 2004, Nina foi o filme de estreia do cineasta Heitor Dhalia. A história, que se desenrola a partir da difícil condição psicológica e emocional de uma jovem mulher, é uma livre interpretação moderna da obra literária Crime e Castigo, do existencialista russo Fiódor Dostoiévski.
Nina (Guta Stresser) é uma moça que vive em um mundo obscurantista e psicodélico, onde o convívio social se resume à exaltação de emoções efêmeras e superficiais. Ciente de sua condição, se mantém viva por meio da interiorização e do ato de desenhar, atividade explorada por Dhalia com a intenção de evidenciar a sensibilidade da personagem e despertar reações. Há uma clara referência ao expressionismo alemão e ao gekiga.
Do início ao fim, o filme ressalta as negatividades que a modernidade impõe aos humanos extraordinários através dos ordinários, usurpando-lhes a vivacidade. Como consequência, surge uma solidão avassaladora, envolta por uma redoma de sentimentos como humilhação e ausência de autoestima. Tudo isso se soma a uma austera descrença na humanidade.
A personagem principal, uma versão brasileira à imagem de Rodion Românovitch Raskólnikov, protagonista do romance russo Crime e Castigo, se aproxima da sociedade apenas em momentos de embriaguez ou sob efeito de alucinógenos. Aí se materializa o mundo eletrônico, falsamente colorido, onde as dores da alma encontram refúgio em uma artificial luz de néon. É uma plasticidade que representa fuga e reforça a negação da natureza.
A história tem momentos perturbadores, como nas cenas em que a fragilizada Nina, mesmo calada, admite a si mesma a intemperança emocional, o incólume desejo de matar ou se autodestruir. São situações trazidas à tona, na maior parte do tempo, pela antagonista Dona Eulália (Myrian Muniz), de quem a protagonista é inquilina e por isso se submete a muitas humilhações.
A idosa mesquinha, uma versão 2004 da odiosa usurária Aliena Ivánovna, de Dostoiévski, personifica não apenas as imperfeições do mundo contemporâneo, como a imoralidade do capitalismo selvagem ou as injustiças da sociedade de consumo, mas também valores retrógrados como o despotismo.
Com a primazia de uma estética cinematográfica revolucionária, que materializa emoções a partir de peculiares transformações de cenário e cinegrafia dissonante, Dhalia estreou como cineasta ofertando um inesquecível registro sobre um câncer invisível; doença que reside na existência humana, mas não pode ser aniquilada em uma mesa de cirurgia, nem mesmo tratada com quimioterapia ou radioterapia.
Além das excelentes interpretações de Guta Stresser e da memorável Myrian Muniz, Nina ainda conta com a participação de um grande elenco formado por Milhem Cortez, Abrahão Farc, Juliana Galdino, Heitor Goldflus, Ailton Graça, Sabrina Greve, Luiza Marini, Altamiro Martins, Selton Mello, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele, Walter Portela, Renata Sorrah, Eduardo Semerjian, Nivaldo Todaro e Guilherme Weber. A trilha sonora é do renomado compositor Antonio Pinto, filho do famoso cartunista Ziraldo, que já compôs para mais de 30 filmes, entre obras brasileiras e até hollywoodianas.
A opressão na mata
Empreiteiro escravizava peões que trabalhavam na derrubada de mata
Nos anos 1940, muitos pioneiros de Paranavaí atuaram na abertura de estradas no Novo Norte do Paraná. Em algumas situações, as condições de trabalho eram tão precárias que os trabalhadores passavam fome e até morriam.
O que a população de Paranavaí desconhece até hoje é que muitas das vias que ligam a cidade a outros municípios, criadas há mais de 60 anos, tiveram um preço bem alto. Custaram dezenas de vidas de trabalhadores.
Na década de 1940, não havia nenhum tipo de fiscalização na abertura de estradas, assim permitindo que alguns empreiteiros do Governo do Paraná explorassem ao máximo os peões. Naquele tempo, a jornada de trabalho ultrapassava 16 horas diárias.
Quem viveu a dura realidade de trabalhar na mata, ajudando a abrir novas vias, foi o mineiro Arlindo Francisco Borges. O pioneiro passou por experiências surpreendentes em 1946, quando a Colônia Paranavaí se resumia a um “matagal mal fechado”, conforme palavras de Borges.
Naquele ano, Arlindo Francisco, que sonhava com um futuro melhor, chegou a colônia em uma jardineira da Viação Garcia que fazia a linha Londrina-Paranavaí. Logo conseguiu um serviço como peão. O trabalho na derrubada de mata era pesado e rendia 500 réis por alqueire, valor que era pago pelo Governo do Paraná. A primeira via aberta pelo pioneiro foi a Rua Paraíba, começando pelo antigo Terminal Rodoviário e indo até o antigo Cemitério Municipal, na região central.
“Abri também a Rua Acre, entre a Rua Bahia, perto da Santa Casa de Paranavaí, e Rua Mato Grosso. Meu irmão, um sobrinho e um amigo trabalhavam comigo”, relatou Arlindo Borges em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. À época, um dos responsáveis por coordenar o trabalho de abertura de estradas era o Capitão Telmo Ribeiro.
“A área que ele cuidava ia desde o Surucuá até o Jardim São Jorge”, disse. Em Paranavaí, quem executava e acompanhava as obras era o empreiteiro Zeca Machado que trabalhava para o Governo do Paraná. Borges e Machado tiveram uma boa relação de trabalho.
Além de criar novas ruas e avenidas em Paranavaí, o mineiro trabalhou muito tempo fora do povoado. Primeiro, ajudou a abrir uma estrada que ligou Paranavaí a Capelinha, atual Nova Esperança. “Também atuei na abertura de uma via daqui até o Porto São José”, declarou.
Quando estava abrindo uma estrada que ligava Maringá a Campo Mourão, Arlindo Borges viveu o pior momento da vida como peão. O empreiteiro da obra, de quem não citou o nome, não prestou nenhum tipo de assistência aos trabalhadores, muito pelo contrário, os tratou com um desrespeito e despotismo que beirou às raias da escravidão.
“Ele se recusou a dar comida pra gente, nos deixou com fome durante o tempo em que trabalhamos lá. Um dia, não estávamos aguentando mais, daí eu e mais cinco decidimos voltar pra Paranavaí”, revelou Borges, acrescentando que na região havia mais empreiteiros com a mesma índole.
Cinco dias sem comer nada
O caminho longo e tortuoso foi percorrido a pé pelos peões que há cinco dias não comiam nada. “A gente não tinha mais forças. Tivemos que posar no mato duas noites durante a volta, até chegar a sede da colônia. No caminho, viemos comendo banana que a gente encontrava na mata. Foi assim que conseguimos chegar aqui”, assinalou e ressaltou que se dependessem do contratante teriam morrido.
O fato mais alarmante narrado pelo pioneiro é que durante o trajeto encontraram muitas pessoas em situação semelhante. Havia um grande número de peões trabalhando em áreas próximas e muitos já estavam exauridos e doentes. Arlindo Francisco lembrou que os maus-tratos eram freqüentes e se a pessoa adoecesse era deixada para trás.
Nos casos em que os trabalhadores morreram, o empreiteiro apenas interrompeu o serviço, reuniu alguns peões e os enterrou na mata mesmo. O episódio se repetiu dezenas de vezes. Segundo Borges, o encarregado das obras nunca se preocupou em avisar a família do falecido ou em levar o corpo para a colônia. “Ele oprimia demais a gente e isso acabou só quando ele morreu”, desabafou.
Saiba Mais
Muitos peões foram esmagados por toras de árvores durante a derrubada de mata nos anos 1930, 1940 e 1950.
Frases dos pioneiros
João da Silva Franco
“Aqui nós fizemos ruas e estradas a braço porque não havia máquinas. Abrimos daqui a Nova Aliança do Ivaí [antiga Derrubada Grande e depois Guaritá], do finado João Pires, e também Amaporã que naquele tempo era Jurema.”
“Quando os peões se juntavam, rodava a pinga.”
Raimundo Leite
“Gustavo Marques, Lázaro Vieira, Antonio Foicim, Pedro Barizon e o Diamante também faziam a abertura das matas.”
Frutuoso Joaquim de Salles
“Em 1929, a Brasileira já estava instalada e o pessoal vinha aqui derrubar mato.”
José Ferreira de Araújo (Palhacinho)
“Tinha os coitados que trabalhavam no mato, no meio da mosquitada. No dia que vinham para a cidade traziam um dinheirinho e enchiam a cara.”
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