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Mais de 50% dos jovens britânicos experimentaram uma dieta vegetariana nos últimos 12 meses
De acordo com uma matéria publicada esta semana no jornal britânico The Sun, 56% dos britânicos com faixa etária de 16 a 29 anos experimentaram uma dieta baseada em vegetais nos últimos 12 meses. Nas faixas etárias dos 30 anos e dos 40 anos, o percentual é de 45%.
Essas informações fazem parte de uma pesquisa realizada pela companhia de alimentos Kellogg, que entrevistou dois mil adultos sobre seus hábitos alimentares; assim descobrindo que o interesse por alimentos livres de ingredientes de origem animal tem crescido bastante no Reino Unido.
Cerca de um terço dos entrevistados declarou que adotou uma dieta vegetariana por ser contra a exploração animal. Outros 29% se abstiveram do consumo de alimentos de origem animal por preocupações com o peso; e 4% se sentiram motivados a experimentar uma dieta vegetariana depois de ver celebridades abordando o assunto pelas mais diferentes razões.
A nutricionista sênior da Kellogg, Laura Street, explicou que uma nova linha de cereais vegetarianos da marca foi criada a pedido de um grande número de consumidores que querem reduzir o consumo de alimentos de origem animal, mas não sabem o que comer.
Ao The Sun, Laura enfatizou que muitas pessoas estão optando por uma dieta baseada em vegetais, porém há aqueles que creem que pode ser difícil mantê-la. “É por isso que, como parte do nosso Plano de Melhores Iniciativas para ajudar as famílias a fazerem escolhas mais saudáveis, estamos desenvolvendo uma nova linha de cereais para veganos”, argumentou.
Embora os objetivos da Kellogg tenham mudado substancialmente desde que foi fundada em 19 de fevereiro de 1906, vale lembrar que seus fundadores – Will Harvey Kellogg e John Harvey Kellogg – eram vegetarianos e defensores do vegetarianismo. Inclusive Harvey Kellogg fez campanha contra a indústria da carne antes de fundar a companhia Kellogg com o irmão.
Referência
Over HALF of young Brits have attempted to become vegan in last 12 months
Prefeito adota dieta vegetariana para encorajar a população a se abster do consumo de animais
Há alguns dias, o prefeito de Park City, em Utah, nos Estados Unidos, Andrew “Andy” Beerman, anunciou que vai adotar uma dieta vegetariana estrita por dez dias. E que se a experiência for positiva, pretende não voltar atrás. O convite foi feito por ativistas dos direitos animais, como uma forma de encorajar a população a se abster do consumo de alimentos de origem animal.
“Eu convido qualquer curioso a se juntar a mim nessa tentativa”, publicou o prefeito em seu perfil no Facebook. Beerman está recebendo o apoio da esposa, que também aceitou o desafio. Park City, a maior cidade-resort de Utah, que tem pouco mais de oito mil habitantes, conta com um espaço de recreação e esportes onde também é promovida a filosofia de vida vegana, e com o apoio do poder público.
Referência
Qual é a nossa dieta natural?
Collura: “Dietas vegetarianas e veganas podem proporcionar uma vida inteira de nutrição saudável”
Em 2004, o proeminente biólogo Randall Collura, que tem doutorado em biologia molecular e biologia antropológica pela Universidade Harvard, publicou um ensaio intitulado “What is our natural diet and should we really care?” A obra integra o livro “Food for Thought: The Debate Over Eating Meat”, editado pelo conceituado filósofo moral Steve Sapontzis, especialista em direitos animais e ética ambiental com doutorado em filosofia pela Universidade Yale.
No ensaio, Collura, que dedicou uma parcela de sua vida a estudar sobre a evolução das dietas humanas, defende que não existe uma dieta natural humana, mas sim diversas que foram colocadas em prática por inúmeros fatores – muitas vezes desconsiderados. Também critica a ideia de um retorno a um “estado natural”, defendendo que esse “estado natural” nunca existiu na singularidade, já que as sociedades humanas, e aquelas que deram-lhe origem nunca foram uniformes.
Além disso, destaca que estamos distantes de nossos ancestrais há milhares e até milhões de anos – e não há como ignorar as transformações contextuais. Logo, no seu entendimento, não faz sentido o ser humano crer, por exemplo, que a alimentação de seus ancestrais seria a salvação para problemas atuais (chamando isso de soluções simples para problemas complexos) – e ignorando a ideia de uma “tábua de salvação”. Ele aponta falhas em dietas como a paleolítica que culpa o surgimento da agricultura como responsável pelo declínio da saúde humana. “Curiosamente, os defensores da dieta paleo enfatizam a origem recente (nos últimos 100 anos ou mais) das principais doenças que marcaram a civilização ocidental; no entanto, a agricultura tem muitos milhares de anos. Se os alimentos neolíticos eram os culpados por essas doenças, teríamos uma história de vários mil anos dessas doenças”, argumenta.
Collura vai além – aponta inconsistências em relação a todas as dietas radicais. E não só isso, discute o mito do “Jardim do Éden”, o anseio do ser humano que, espelhando-se romanticamente no passado, espera reencontrar a dieta perfeita, como se isso permitisse uma proximidade com a ideia de um paraíso terreno, puro, livre de moléstias. Arrogância dietética e a crença em uma dieta mitológica são vistas por ele como inimigas do bom senso. O biólogo também cita a contradição de quem critica veganos por suplementarem B12, mas consome muitos alimentos enriquecidos com vitaminas – ignorando que “suplementa” diariamente sem perceber ou reconhecer. Randall Collura enfatiza ainda que dietas vegetarianas e veganas podem proporcionar uma vida inteira de nutrição saudável:
Qual é a nossa dieta natural? Essa tem sido uma questão central no movimento vegetariano dos últimos 150 anos ou mais. Autores vegetarianos exploraram a questão por meio de anatomia comparativa e fisiologia de diversificada sofisticação. A conclusão tem sido geralmente de que os seres humanos são mais adequados a uma dieta vegetariana, o que não surge como uma grande surpresa. As evidências apresentadas, no entanto, nunca foram definitivas e acredito que nunca será. Implícita nessa questão é a crença de que nossa dieta natural certamente seria a melhor dieta para nós.
Natural é igual a melhor – não é mesmo? Talvez nossos mitos enuviaram nosso pensamento. Mesmo se pudéssemos determinar nossa verdadeira dieta natural, seríamos capazes de encontrar os alimentos que a compõe? Nós não os encontramos em nossos supermercados locais – nós mudamos nossos alimentos tão dramaticamente quanto mudamos nossos hábitos alimentares. Deveríamos mesmo estar fazendo essa pergunta em primeiro lugar? Ou deveríamos perguntar, em vez disso, qual seria a melhor dieta para nós hoje, com nosso estilo de vida atual e nossas escolhas alimentares, e esquecer sobre a mítica (natural) dieta perfeita já perdida? Vamos explorar a questão.
O Jardim do Éden é um mito poderoso e difundido pelo menos na cultura ocidental. Alusões a esse mito estão em toda parte. Cobras, maçãs, folhas de figueira e o conceito de um paraíso tranquilo ou da “Idade do Ouro” estão tão enraizados na nossa consciência coletiva que são tomados como referência. A ideia é estendida à nossa história evolutiva também. Vivíamos em uma floresta paradisíaca até que alguma coisa (mudança climática?) nos forçou a nos mudarmos para a savana para cuidarmos de nós mesmos até perdermos a nossa inocência.
Talvez esse mito ressoe tão universalmente porque, em parte, a história espelha nosso próprio desenvolvimento como indivíduos. Somos nutridos enquanto crescemos em um lugar seguro onde somos assistidos por seres poderosos com quem partilhamos um interesse emocional. Eventualmente, é esperado que deixemos esse bom lar para cuidarmos de nós mesmos (e isso envolve a perda da nossa inocência). Até mesmo o nosso conto científico da evolução da vida na Terra é contado como um mito da criação, conforme a narrativa sempre começa e termina com a nossa evolução.
Essa mitologia faz com que estejamos abertos a um chamado “retorno à natureza”, para recuperar a “sabedoria antiga” e viver uma vida mais primitiva. A seguinte citação é de um livro publicado em 1896 que defende uma dieta crudívora, baseada principalmente em frutas e castanhas; o autor é Adolf Just, um naturopata alemão:
“No paraíso, o homem originalmente viveu livre do pecado e da doença, em perpétua alegria e límpida felicidade. Mas o homem perdeu o paraíso – foi expulso de lá. Os mitos antigos, especialmente os mitos sobre o paraíso, que encontramos em todos os povos civilizados, incorporam as mais profundas verdades sobre o estado original do homem e a história primitiva da humanidade.”
Como o mito do “Jardim do Éden” se enquadra à realidade? Não muito bem. Os últimos 150 anos ou mais trouxeram uma revolução na compreensão científica sobre os nossos parentes macacos mais próximos e sobre a nossa verdadeira história evolutiva. Até os anos 1970, nossa associação com os primatas era consideravelmente incerta, embora sempre tenhamos sido considerados da mesma família dos grandes símios. Desde então, nossa estreita relação com os chimpanzés foi descoberta, sem qualquer dúvida. É muito provável que os ancestrais dos modernos seres humanos estivessem vivendo (e provavelmente parecendo) como os chimpanzés de hoje, e isto há apenas seis milhões de anos.
Enquanto continuamos a estudar cuidadosamente nossos grandes primos, “a selva paradisíaca” que habitamos há muito tempo começa a parecer um pouco mais desagradável do que amistosa. No habitat do macaco moderno as frutas são abundantes em algumas épocas, mas bastante escassas em outras. As frutas que estão disponíveis não estão de acordo com os nossos gostos domésticos – são bem menos doces e muito mais rica em fibras do que aquelas que encontramos em caixas nos supermercados. Chimpanzés comuns fazem guerra contra os grupos vizinhos – matam os machos e muitas vezes ferem as fêmeas.
Macacos carregam parasitas, sofrem por causa de ossos quebrados e morrem de doenças que também afetam os seres humanos. Agressão e infanticídio são realidades desagradáveis de muitos primatas. Sob qualquer avaliação, estamos muito melhor ou temos potencial para sermos muito melhores do que nossos ancestrais e parentes mais próximos. O mito, no entanto, é muitas vezes mais poderoso do que a verdade – ou talvez seja apenas mais atrativo enquanto crença. A primeira coisa que precisamos fazer para olhar claramente esta questão é abandonar o mito do “Jardim do Éden”.
Como os autores vegetarianos analisaram nossa dieta no passado? Pegue um livro sobre vegetarianismo a partir da década de 1880 ou da década de 1980 e você provavelmente encontrará um capítulo sobre a nossa dieta natural. De fato, provavelmente não haverá muita diferença entre esses capítulos escritos com 100 anos de diferença. A lógica é simples: comparando nossa anatomia e fisiologia com a de outros animais, devemos ser capazes de determinar a dieta mais adequada para nós. Ouvi os mesmos argumentos feitos em um contexto evolucionário ou bíblico.
Chame-o de “determinismo físico dietético”. O foco geralmente é a forma e o tamanho do dente, comprimento e complexidade do trato digestivo e algumas outras características. Somos mais como os carnívoros ou como os herbívoros? E quanto aos onívoros? Humanos são classificadores – gostamos de colocar as coisas em categorias – mas quão rígidas são essas designações? No mundo natural, não há divisões rígidas como “os carnívoros”. Não é que não haja grupos naturais formados por linhas de descendência, mas esses grupos não são necessariamente homogêneos.
Além disso, os animais substituem o que comem ao longo do tempo. E eles devem fazer isso. Porque todos os mamíferos derivam de um ancestral comum, mudanças na dieta devem ter ocorrido em muitos pontos na evolução dos mamíferos, incluindo aqueles que deram origem aos nomes. É claro que não somos carnívoros como os gatos – meticulosamente adaptados a uma dieta de carne. Poucos argumentam que somos, no entanto. É claro que não somos herbívoros como os ruminantes artiodáctilos (isto é, as vacas), também. Eles têm um sistema digestivo evoluído que, com a ajuda de micróbios que digerem celulose, podem processar forragens que outros mamíferos não podem.
Curiosamente, um grupo de macacos do Velho Mundo (e uma ave do Novo Mundo) desenvolveram um sistema similar de forma independente. Outros mamíferos, incluindo alguns primatas, digerem alguns alimentos fibrosos no intestino grosso. O intestino posterior dos humanos não parece ser sido ampliado para esse propósito. Na verdade, nosso sistema digestivo não parece muito especializado. Nossos dentes também não ajudam muito. Uma coisa que define humanos e nossos ancestrais hominídeos (espécies que evoluíram desde nossa divisão com os chimpanzés) são os caninos reduzidos.
Um rápido olhar para os grandes símios (chimpanzés, gorilas e orangotangos) mostra caninos bem grandes, ainda assim eles são supostamente nossos primos vegetarianos. Acontece que esses dentes são usados em competições entre espécies – machos competindo e às vezes brigando por fêmeas. E se os machos não lutam pelas fêmeas (ou seja, formam pares), os caninos grandes podem ser desnecessários. Nossos dentes podem ter mais a dizer sobre nosso sistema social do que nossa dieta. O ponto de partida é que nada sobre a nossa anatomia ou fisiologia dita uma dieta vegetariana (ou a exclui também). Inclusive para o determinismo físico dietético.
E as dietas dos nossos parentes próximos? Estudos sobre os hábitos alimentares dos grandes primatas têm claramente mostrado que os nossos parentes não humanos mais próximos sobrevivem primariamente de vegetais. Mas eles são realmente vegetarianos? É importante ter em mente que o vegetarianismo é um conceito humano. Outros animais podem seguir dietas à base de plantas, mas eles não são vegetarianos no sentido de evitar intencionalmente alimentos de origem animal. Por exemplo, muitos primatas consomem insetos quando estão disponíveis. Chimpanzés adoram cupins e são especialistas em desenvolver ferramentas para capturá-los.
Formigas e vermes também estão entre os alimentos preferidos dos macacos. Chimpanzés comuns também caçam e comem mamíferos, embora isso seja mais raro. Os chimpanzés pigmeus (bonobos) não caçam tanto, mas ainda ocasionalmente comem carne. Esta espécie, tão relacionada aos humanos quanto os chimpanzés comuns, também geralmente é menos agressiva. Ambos os chimpanzés preferem frutas maduras quando estão disponíveis. Em geral, nossos parentes mais próximos têm dietas que são baseadas principalmente em vegetais, mas nenhum deles é vegetariano no nosso sentido da palavra.
E quanto à comida na evolução humana? Desde que aprendemos mais sobre a nossa história evolutiva, autores modernos que defendem várias formas de alimentação ampliaram as comparações dietéticas para incluir espécies e dietas do nosso passado. Ao longo dos últimos seis milhões de anos, nossos ancestrais existiram em pequenos grupos nômades que viviam da caça e da coleta. A quantidade de carne e outros alimentos de origem animal provavelmente subiu de forma gradual até se tornar uma parte significativa de algumas dietas dos nossos antepassados.
Como significativa é uma questão em aberto, opiniões podem dizer mais sobre o pensamento atual em relação à evolução humana do que sobre qualquer estimativa científica real. Essa pilha de ossos com marcas de ferramentas de pedras corresponde a uma refeição ou a um completo estilo de vida? Como poderíamos dizer se a caça era algo que era feito três vezes por semana ou três vezes por ano? Recolher e comer um pedaço de fruta ou desenterrar um tubérculo não deixa registros de traços de fósseis.
Reconstruir dietas antigas não é tarefa fácil. Na verdade, não é tão fácil determinar o que as pessoas estão comendo hoje, seja nas sociedades contemporâneas de caçadores-coletores ou na nossa própria. As dietas mudam frequentemente numa base sazonal e para obter uma imagem completa, as pesquisas precisam ser feitas ao longo do ano. As dietas podem mudar até de ano para ano dependendo da precipitação de chuvas, disponibilidade e outros fatores. Uma análise mundial recente das dietas dos caçadores-coletores apontou uma proporção relativamente alta de grupos de alimentos de origem animal para mais da metade das necessidades energéticas, independente de latitude.
No entanto, o registro arqueológico mostra claramente mudanças substanciais nas capacidades tecnológicas dos nossos antepassados há cerca de 50 mil anos. Como poderia a redução na capacidade de caça do arcaico Homo sapiens ou do Homo erectus alterarem a relação de alimentos caçados vs. alimentos coletados? Se pudéssemos voltar no tempo e pegar uma amostragem das sociedades humanas espalhadas por todo o globo há 30 mil anos atrás e até 90 mil anos atrás – olhando para o que eles comiam, como viviam e morriam – tenho certeza de que encontraríamos uma enorme quantidade de variabilidade.
Mudanças na dieta ocorridas durante a maior parte da evolução humana foram graduais, embora certamente não insignificantes. As mudanças que ocorreram com a invenção da agricultura contudo, tanto em termos de dieta como de estilo de vida, foram rápidas e sofreram guinadas dramáticas em relação a tudo que existia anteriormente. De certa forma, nossas dietas provavelmente se tornaram mais baseadas em plantas e menos dependente de alimentos de origem animal (de acordo com a disponibilidade de milhões de anos atrás).
No entanto, os grãos que se tornaram a base das dietas neolíticas (Nova Idade da Pedra: após cerca de dez mil anos atrás) foram introduzidas pouco antes de sua domesticação. Mudanças nos níveis de atividade, mobilidade e densidade populacional também foram pungentes partindo de um estilo de vida de pequenos grupos de caçadores-coletores que se espalharam pelo mundo no período Paleolítico (Período: antes de 10 mil anos atrás).
Os últimos cem anos trouxeram mudanças ainda mais dramáticas para as dietas e os estilos de vida das sociedades ocidentalizadas. Agricultura mecanizada e outros aspectos da industrialização reduziram ainda mais o gasto médio diário de energia (exercícios). As redes globais de comércio garantem que plantas e animais domesticados em uma parte do mundo sejam criados em climas semelhantes no mundo todo. O Mundo Novo tem domesticado tanto o milho e a batata que são cultivados na África e na Europa quanto a Ásia domestica o arroz criado no Novo Mundo.
Muitas dessas mudanças são benéficas; contudo, algumas reduzem drasticamente a qualidade da dieta. Refinamentos em técnicas de fresagem que separam eficientemente o farelo e o germe do trigo resultam em uma farinha que pode durar mais tempo nas gôndolas, mas com menor valor nutritivo. A produção de açúcar refinado de cana e beterraba também alterou drasticamente a relação entre nutrientes e calorias. Agora é possível consumir uma dieta adequada em total de calorias, mas quase completamente desprovida de nutrientes. Outra mudança substancial nas dietas ocidentais foi a inclusão de maiores quantidades de carne proveniente de animais domesticados, que tende a ser muito maior em gordura do que a carne proveniente da caça selvagem.
Então, até onde devemos ir para encontrar a nossa “dieta natural”? Cem anos, 500 anos, 20 mil anos, mais? Defensores da dieta paleo (que inclui apenas alimentos disponíveis antes do surgimento da agricultura) diriam que os seres humanos modernos têm a genética e constituição dos nossos antepassados paleolíticos, mas dietas e estilos de vida que são muito diferentes dos que eles tinham. As “doenças da civilização” – o que inclui aterosclerose, hipertensão, diabetes, câncer, osteoporose, perda auditiva, cáries, outras doenças e obesidade – são o resultado da discordância entre a nossa antiga genética e nossos estilos de vida e dietas modernas – de acordo com esses defensores. Isso pressupõe que não nos adaptamos a esses novos estilos de vida e dietas.
Mas quanto tempo leva para se adaptar a uma nova dieta? O consenso emergente sobre a evolução genética é de grande variabilidade nas taxas de mudança. Nossos genes são uma colcha de retalhos de notável estabilidade e mudanças incrivelmente rápidas, dependendo das pressões seletivas nos genes individuais. Embora seja verdade que compartilhamos uma grande porcentagem de nossa composição genética com nossos ancestrais e outras espécies de primatas, assim como todos os outros animais, isso de forma alguma nega a importância das distinções genéticas.
As diferenças genéticas entre chimpanzés e nós mesmos são muito pequenas, mas as manifestações dessas diferenças são bem significativas. Além disso, mudanças na dieta parecem ser capazes de induzir mudanças evolutivas devido à importância central da dieta na sobrevivência das espécies. Um exemplo é a retenção da atuação da lactase (para digerir açúcar do leite ou lactose) em adultos cujos antepassados utilizaram o leite animal como fonte de alimento. Mudanças genéticas só começaram a ser investigadas recentemente e podem ter havido muitas adaptações genéticas em relação às mudanças dietéticas que ocorreram nos últimos 10 mil anos.
É muito menos provável que as mudanças na dieta e no estilo de vida que ocorreram desde a revolução industrial tiveram impacto significativo em nossa constituição genética. Curiosamente, os defensores da dieta paleo enfatizam a origem recente (nos últimos 100 anos ou mais) das principais doenças que marcaram a civilização ocidental; no entanto, a agricultura tem muitos milhares de anos. Se os alimentos neolíticos eram culpados por essas doenças, teríamos uma história de vários mil anos dessas doenças.
Por que autores que promovem a dieta paleo sugerem um retorno a uma dieta de mais de 10 mil anos para a prescrição de doenças que se tornaram um grande problema apenas desde a revolução industrial? Não há razões convincentes para começar a comer como um “homem das cavernas”. Talvez então, em vez de uma receita paleolítica para as doenças da moderna civilização, precisemos de uma receita neolítica. Ao contrário de questões relativas à proporção de alimentos de origem vegetal ou de origem animal nas dietas de nossos distantes ancestrais, é uma tarefa mais fácil realizar escolhas nos baseando em mudanças que ocorreram tão recentemente que temos registros escritos delas.
A dieta neolítica seria baseada em grãos integrais com uma proporção muito maior de alimentos não refinados, e muito menos carne e açúcar (a dieta macrobiótica, bem como dietas vegetarianas integrais poderiam ser consideradas neolíticas). Mudanças no estilo de vida incluem maiores quantidades de exercícios – embora não ao nível dos caçadores-coletores contemporâneos. Não estou sugerindo que todos os aspectos da vida neolítica devem ser replicados. No entanto, existem muitos aspectos da ecologia industrial que devem ser questionados. O generalizado uso de pesticidas, herbicidas, conservantes e outros produtos químicos em nossa comida têm consequências a longo prazo que são pouco consideradas e estudadas. Muitos desses têm benefícios incontestados, mas sem uma verdadeira compreensão dos custos – e decisões apropriadas sobre seu uso nunca podem ser tomadas.
Outro movimento dietético popular que olha para trás em sua busca por uma dieta perfeita é o crudivorismo. Os defensores das dietas crudívoras gostam de dizer (com escárnio) que os humanos modernos são os únicos animais que cozinham a comida. Quanto tempo faz que os humanos cozinham a comida é ainda uma questão ativa na antropologia. É seguro dizer que em algum ponto na evolução humana começamos a cozinhar alimentos e antes disso nossas dietas eram todas cruas. Essa mudança pode ter sido tão antiga quanto a origem do Homo erectus (1,8 milhão de anos atrás) ou tão tarde quanto a origem do Homo sapiens (40-100 mil anos atrás).
De qualquer forma, não há provas de que começar a comer alimentos cozidos foi prejudicial para nós – muito pelo contrário, se ponderarmos relatos imparciais que os humanos estão fazendo muito bem em comparação com os nossos parentes macacos que comem alimentos crus. O atual movimento crudívoro é um desdobramento do movimento vegetariano, e comer cru é por vezes considerado o “próximo nível dietético”. Onde exatamente essa progressão pode levar não está realmente claro. “Respiratorianismo” talvez? De qualquer forma, pode ser instrutivo olhar para um assunto do movimento crudívoro – enzimas alimentares.
O conceito de enzima alimentar pode ser resumido da seguinte forma: As células vivas contêm enzimas que mediam todas as atividades dentro da célula. Alimentos crus, incluindo aqueles que foram aquecidos, mas não acima de uma temperatura crítica (essa temperatura varia de autor para autor) mantêm suas enzimas intactas. Estas enzimas ativas, obtidas a partir de alimentos crus, são um componente essencial da nossa dieta. Ao consumir alimentos que contêm enzimas ativas, nós conservamos nosso próprio suprimento de enzimas que pode então ser utilizado para funções celulares importantes, em vez da digestão.
As enzimas alimentares podem também ser absorvidas, redistribuídas e usadas em todo o corpo. Há quase uma importância de qualidade mística atribuída às enzimas. Dizem que elas contêm “a vida e a força”, e isso é destruído pelo cozimento (ou seja, pelo calor). É por isso que as dietas de alimentos crus também são chamadas de dietas de “comida viva”. Infelizmente, não há mérito para esse conceito, e como qualquer reflexivo estudante de biologia do ensino médio poderia provar, de forma alguma enzimas ativas em alimentos poderiam ser um componente dietético essencial.
O conceito de enzima alimentar começa com uma importante observação sobre a bioquímica das células vivas; o papel central das enzimas na mediação das reações bioquímicas. Por enquanto, tudo bem; mas um fato crucial sobre as enzimas é encoberto nesse argumento – as enzimas são MUITO específicas. Existem milhares de enzimas diferentes em uma típica célula, cada uma mediando uma reação bioquímica específica. Enzimas são proteínas, muitas vezes trabalhando em conjunto com íons de metal e cofatores. Proteínas são feitas de longas cadeias de cerca de 20 aminoácidos diferentes que estão dispostos em uma ordem específica. Essa ordem é ditada pela sequência de DNA que codifica a proteína.
A atividade das enzimas específicas é regulada pela produção de proteína quando necessária e pela complexa interação de enzimas que regulam as atividades de outras enzimas. O fato importante é que as enzimas não são intercambiáveis. Especificamente, enzimas de alimentos, não importando quão ativas, seriam inúteis para nós como enzimas porque elas foram produzidas para mediar as atividades das células na planta (ou nos animais) que se tornaram nossos alimentos. Enzimas necessárias para produzir um broto de grama de trigo são muito diferentes daquelas necessárias para produzir células de sangue vermelho.
Em qualquer caso, enzimas e outras proteínas estruturais não passam intactas por nosso sistema digestivo. Todo o propósito do sistema digestivo é quebrar macromoléculas para os seus componentes por absorção. As proteínas são quebradas em aminoácidos, amidos se convertem em açúcares e lipídios em ácidos graxos. Esses componentes são então transportados para as nossas células para se tornarem os blocos de construção das proteínas (incluindo enzimas), carboidratos e lipídios que requeremos em nossas células. Isso é biologia muito básica.
Além disso, não há nada místico sobre as enzimas. Algumas operam em altas temperaturas, e outras preferencialmente em baixas temperaturas. Algumas em pH alto, outras em Ph baixo. Algumas são muito instáveis e vão quebrar rapidamente enquanto outras (como a lisozima) podem ser fervidas em ácido e, em seguida, funcionam muito bem (na verdade é assim que os pesquisadores purificam a lisozima). Estas diferenças funcionais são resultado de pressões evolutivas específicas ao longo de períodos de tempo. Agora chega de enzimas.
Para ser perfeitamente claro, não há nada de errado com alimentos crus. Frutas frescas e vegetais são excelentes fontes de muitos nutrientes e até mesmo os guias nutricionais mais conservadores promovem o seu consumo. Por outro lado, cozinhar não deve ser considerado um pecado. Cozinhar destrói alguns nutrientes, mas torna outros mais disponíveis. Também garante uma ampla variedade de alimentos comestíveis que são quase inúteis como alimentos. Os seres humanos se saíram muito bem seguindo uma dieta baseada na mistura de alimentos crus e cozidos. Então, por que as pessoas são atraídas por dietas extremas, como a dieta crudívora ou a dieta paleolítica?
Parte é a mentalidade do “Retorno ao Éden”, delineada acima: soluções simples para problemas complexos. Testemunhos são outro fator poderoso para convencer as pessoas a mudarem suas dietas. Eles geralmente envolvem curas milagrosas de doenças graves e potencialmente fatais. E se alguém diz que estavam perto da morte e uma certa dieta os curou, outros tomam nota. Dessa forma, essas dietas assumem um caráter quase religioso e os seguidores desenvolvem um tipo de fé e fervor. Testemunhos não são provas científicas, no entanto, e as pessoas que promovem dietas completamente diferentes, muitas vezes apresentam depoimentos que são virtualmente intercambiáveis (talvez qualquer mudança de uma dieta de coca-cola e “junk food” seja uma boa mudança em potencial).
Se metade de um por cento das pessoas que tentam uma determinada dieta têm uma melhoria acentuada na saúde e os outros não mostram alterações (ou poucas), isso não é realmente um grande endosso (e as melhorias podem ter ocorrido por acaso). No entanto, se cinco mil pessoas tentarem essa dieta, ainda haverá 25 testemunhos impressionantes soando por aí. Para muitas pessoas em dietas extremas, comida torna-se uma obsessão. Um autor cunhou um termo para obsessão na busca por uma dieta perfeitamente saudável: “ortorexia nervosa”.
Isso não é para sugerir que a alimentação saudável é um distúrbio, mas que algumas pessoas em um esforço para encontrar uma dieta que seja uma combinação de promoção de saúde e pureza perfeita podem desviar-se para o caminho do transtorno alimentar. Nenhuma dieta permitirá que você viva para sempre – nossos primos símios certamente não. Por toda a nossa impureza alimentar, em média, superamos os chimpanzés por décadas.
O que tudo isso significa para vegetarianos e veganos? Essas dietas são naturais? Eu argumentaria que os humanos não têm uma dieta natural. Nós evoluímos seguindo uma ampla variedade de dietas contendo alimentos de origem vegetal e animal. Poderíamos gastar tempo e energia tentando descobrir o que eram, mas isso só nos diria por onde passamos, não onde estamos.
Realmente não sabemos quão saudáveis nossos ancestrais eram ou por quanto tempo viveram, de qualquer forma. Podemos ter certeza de que eles sobreviveram, é claro; de outra forma não estaríamos aqui. No entanto, como seres humanos modernos nas sociedades industriais ocidentais (ou qualquer sociedade contemporânea), queremos saber quais opções de alimentos e estilo de vida fornecem a melhor chance de uma vida longa e saudável aqui e agora. Há muita evidência científica que mostra que as dietas vegetarianas e veganas são tão potencialmente saudáveis quanto as dietas mistas. Não há razão para vegetarianos e veganos éticos sacrificarem suas éticas e alterarem seus hábitos de consumo para que suas dietas pareçam mais “naturais”.
Na verdade, pode-se argumentar que nenhuma dieta consistindo de alimentos hoje seja natural – e isso não é necessariamente uma coisa ruim. Nos últimos dez mil anos, não apenas houve uma mudança em relação ao tipo de alimento que comemos como também em relação aos próprios alimentos. Alguém do período paleolítico não reconheceria a maioria das frutas e legumes nos supermercados. Seleção artificial (pessoas escolhendo apenas certas sementes, geralmente das melhores plantas a serem semeadas no ano seguinte) tem produzido alimentos com menos fibras, mais doces e maiores que seus parentes naturais.
Eles também são selecionados por conterem menores quantidades de compostos que as plantas produzem para repelir herbívoros, como taninos, alcaloides e oxalatos. Lembre-se, é apenas no mito do Jardim do Éden que as plantas são criadas para o nosso benefício. No mundo real, as plantas normalmente não “querem” ser comidas e evoluíram todos os tipos de defesas. Nossa seleção qualitativa de alimentos (estou me referindo a alimentos integrais, não processados) pode não ser realmente “natural”, mas provavelmente é melhor do que em qualquer ponto do passado.
No entanto, é importante que veganos e vegetarianos não ignorem o potencial problema da deficiência de vitaminas e outros nutrientes sob a falsa suposição de que suas dietas são “naturais” e, portanto, perfeitas – uma noção comum em minha experiência. No mesmo filão, embora na direção oposta, é curioso perceber como a comunidade dietética tradicional sempre aponta a falta de vitamina B12 como um problema em uma dieta vegana – o que implica na ideia de que sem suplementos há uma dieta inerentemente deficiente e restritiva – faz isso enquanto ignora as muitas vitaminas e suplementos minerais adicionados aos alimentos comuns (iodo em sal, vitamina B em grãos, vitamina D no leite, cálcio em muitos alimentos, etc).
Fazer essas importantes adições tornam as “padronizadas” dietas mistas inerentemente deficientes e restritivas? Deficiência de certos nutrientes podem ter sido uma característica comum da existência ao longo da evolução humana, ou pode ser o resultado de mudanças muito recentes nas tecnologias de processamentos de alimentos e estilo de vida – e até mesmo ambos.
Em qualquer caso, as dietas vegetarianas e veganas não devem ser apontadas como exclusivas em relação a isso, mas vegetarianos e veganos não devem ser complacentes nesse sentido. Arrogância dietética e mitologia antiga não têm lugar na política alimentar moderna e na nutrição. Nem pressões de produtores e indústrias específicas de alimentos. Precisamos olhar, de maneira imparcial, quais regimes dietéticos promovem vidas saudáveis para as pessoas de acordo com suas opções de alimentos e estilo de vida. Financiadas por entidades que buscam uma resposta específica, muitas pesquisas nutricionais procuram respostas que são muito limitadas para responder questões maiores.
Inquéritos mais abrangentes que buscam abordar relações mais amplas entre longevidade, doença e dieta podem fornecer algumas respostas, e esta certamente é a melhor maneira de proceder. Nenhuma dieta jamais fornecerá uma vida potencialmente infinita, mitológica e 100% livre de doenças. Contudo, dietas vegetarianas e veganas podem proporcionar uma vida inteira de nutrição saudável.
Tradução: David Arioch
Referência
Sapontzis, Steve. Collura, Randall. What is our natural diet and should we really care? Food for Thought: The Debate Over Eating Meat. Prometheus Books (2004).
A dieta vegana é benéfica ao longo de todo o ciclo da vida
“Podemos consumir tudo que precisamos em uma dieta vegana. Ela é benéfica ao longo de todo o ciclo da vida. Ou seja, desde a gravidez, passando pela lactação, infância, adolescência e toda a fase adulta. Uma dieta vegana bem planejada é totalmente adequada. Acho que o veganismo é muito saudável. Se olharmos para as organizações de saúde nos Estados Unidos, veremos que elas estão promovendo dietas vegetarianas. Elas dizem que devemos comer mais frutas, mais vegetais, mais grãos integrais, mais feijões, mais oleaginosas, mais sementes. Elas não estão dizendo que devemos ser ideologicamente veganos. Mas a diferença entre isso e o veganismo [enquanto filosofia de vida] é de apenas mais alguns passos.”
Matt Ruscigno, nutricionista e ex-presidente da Academia de Nutrição e Dietética dos Estados Unidos, em “Live and Let Live”.
Associação Dietética Americana reconhece os benefícios da dieta vegana
A posição da Associação Dietética Americana é de que as dietas vegetarianas, incluindo a dieta vegetariana estrita ou a dieta vegana, são saudáveis, nutricionalmente adequadas e oferecem benefícios para a saúde na prevenção e tratamento de certas doenças.
Esse posicionamento da ADA foi publicado na US National Library of Medicine e pode ser conferido neste link:
A respeito do meu artigo sobre as afirmações de Drauzio Varella
A respeito do meu artigo sobre as afirmações do médico Drauzio Varella, defensor do consumo de carne, tem pessoas dizendo que veganismo não é pela saúde, mas sim pelos animais. Claro que isso é verdade. Porém, esse meu artigo em específico não é sobre veganismo, é sobre alimentação vegetariana, até porque não se rebate afirmações de um médico com informações sobre direitos animais. Acredito que cada coisa é uma coisa.
Direitos animais e veganismo devem ser abordados e discutidos quando os argumentos se voltam para isso, mas não quando são direcionados a outras questões. Se o Drauzio fala que não há nenhum estudo que prova que o consumo de carne faz mal, o correto é contrapor o que ele disse se valendo da mesma seara – ou seja, da medicina.
Falar em direitos animais tentando rebater o que ele disse, não ajudaria na minha opinião – porque o público dele é de pessoas que buscam informações sobre saúde e qualidade de vida, não sobre direitos animais. Na realidade, ir por esse caminho só reforçaria o discurso dele, de que não se tem argumentos para rebater o que ele disse fora do que ele chama de “campo ideológico”.
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John Joseph: “Se uma dieta baseada em vegetais funcionou para mim, ela funciona para qualquer um”
Como o vocalista da lendária banda nova-iorquina Cro-Mags tornou-se um atleta vegano
Vocalista da lendária banda de crossover Cro-Mags, pioneira na fusão do hardcore punk com o thrash metal, e uma das mais importantes da história do cenário hardcore de Nova York, John Joseph publicou em 2014 o livro “Meat is for Pussies: A How-To Guide for Dudes Who Want to Get Fit, Kick Ass…”. Embora o título possa parecer bobo, cômico ou provocativo, o conteúdo merece muita atenção.
“É um olhar sobre a perspectiva de que o homem ‘precisa’ de carne para ser varonil e forte”, explica o também escritor e atleta vegano. Na primeira parte do livro, John Joseph apresenta fatos e faz críticas aos horrores envolvendo a exploração animal e os processos de produção de carne.
Depois de falar das fazendas industriais, ele guia o leitor a um capítulo em que discorre sobre um estilo de vida mais feliz, saudável e muito mais humano. Ou seja, um estilo de vida vegano. Na obra, ele dá dicas sobre culinária livre de crueldade contra animais. Em síntese, “Meat is for Pussies”, ignorem o título jocoso, é uma obra em que Joseph desafia positivamente os leitores a mudarem de vida.
“Muitos dos caras que perguntam de onde consigo minhas proteínas estão acima do peso, precisam de pílulas para ereção e levam uma hora no banheiro para se livrarem das carcaças podres que estão em seus cólons”, diz.
Uma das figuras mais famosas do cenário hardcore punk dos Estados Unidos, John Joseph tem usado a sua popularidade para atrair pessoas para o veganismo, divulgando principalmente os benefícios de uma alimentação vegetariana aliada a um bom condicionamento.
“Aprendi sobre a PMA [atitude mental positiva] quando a banda punk rastafári Bad Brains me deu um trabalho como roadie deles em 1981. A primeira parte do processo era abandonar carnes, ovos, laticínios, comida processada e drogas”, confidenciou em entrevista à Deni Kirkova, do tabloide britânico Metro em 21 de agosto de 2015.
Segundo Joseph, a sua mudança de atitude foi uma consequência da sua dieta vegetariana estrita, um catalizador em sua vida. “As cortinas caíram, por assim dizer. Absorvi o conhecimento como se eu fosse uma esponja. Fiquei sóbrio, comecei a praticar ioga, meditação, artes marciais, ciclismo, natação de águas abertas e corrida”, revelou.
O novo estilo de vida também garantiu mais energia para tocar com o Cro-Mags e um bom desempenho no Ironman Triathlon, competição de resistência que exige que os atletas completem quase quatro quilômetros de natação, 180 quilômetros de pedaladas e mais de 42 quilômetros de corrida. E tudo isso exige muito treinamento e uma boa dieta. Em 25 de setembro de 2015, a Vice publicou uma matéria baseada na rotina de John Joseph em sua preparação para o Ironman, e se surpreendeu com a força de um homem que só consome alimentos de origem vegetal.
“Se você me dissesse em 1980 que um dia eu seguiria uma dieta vegetariana, e mandaria ver no IronMan, eu provavelmente daria risada em sua cara. Meu passado em Nova York foi duro, realmente duro”, explicou a Deni Kirkova. Mesmo quando sua rotina ficou atribulada por causa das turnês com bandas como Motörhead, Bad Brains, Megadeth e GBH, Joseph continuou cumprindo seu papel como vegano, sem qualquer deslize. Com o Cro-Mags, ele gravou entre os anos de 1986 e 1993 os álbuns “Age of Quarrel”, considerado um dos discos mais influentes da história do hardcore punk, “Alpha Omega” e “Near Death Experience”.
O escritor e atleta vegano já recebeu milhares de e-mails, mensagens no Facebook, Instagram e Twitter de pessoas dizendo que leram seu livro e mudaram de vida por causa do conteúdo e do seu estilo de escrever. “Eles gostam porque dizem que foi escrito na linguagem deles”, justifica.
Quem não conhece a história de John Joseph, jamais imaginaria que ele foi um sem teto viciado em álcool e drogas. Em 1969, aos sete anos, ele foi obrigado a abandonar um lar violento. Viveu em vários orfanatos e em mais lares abusivos. Sem perspectiva de futuro, passou o ano de 1988 consumindo crack.
Na mesma época, levou um tiro, foi esfaqueado e chegou a ser preso. Hoje, com 54 anos, ele continua atuando como vocalista e tornou-se um atleta vegano com desempenho exemplar em cinco edições do Ironman. E ele atribui a sua história de superação ao seu estilo de vida vegano, que não admite a exploração de animais e considera prejudicial à saúde o consumo de alimentos de origem animal.
“As pessoas são bombardeadas por comerciais de fast food barato, e ingerem comidas que não só causam estragos ao seu sistema como ao planeta por causa do abate de animais”, lamentou em entrevista ao jornal The Examiner, da Austrália, e repercutida pelo Exclaim, do Canadá, em 7 de outubro de 2009.
Saiba Mais
John Joseph, que nasceu em Nova York em 3 de outubro de 1962, se tornou vegetariano há mais de 30 anos.
Referências
Vegan rockstar and athlete John Joseph on why ‘meat is for pussies’
https://munchies.vice.com/en/videos/fuel-the-vegan-ironman-diet-of-cro-mags-john-joseph
http://exclaim.ca/music/article/cro-mags_john_joseph_declares_meat_is_for_pussies_with_new_book_begins_work_on_reality_show
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O budismo e a dieta vegetariana de Allen Ginsberg
O expoente do movimento beat passava semanas comendo aloo gobi, um de seus pratos preferidos
Allen Ginsberg entrou para a história da literatura contemporânea como um dos pilares da geração beat. Dentre seus livros de poesia, até hoje o mais importante continua sendo Howl and Other Poems (Uivo e Outros Poemas), obra lançada em 1956 que não levou muito tempo para chegar a um milhão de cópias vendidas. No entanto, o que pouca gente sabe é que para além de uma literatura confessional e combativa, também considerada obscena, Allen Ginsberg era um adepto da dieta vegetariana.
E o que aproximou o poeta beat do vegetarianismo foi o seu relacionamento com um mestre de meditação tibetano. Em 1974, Chögyam Trungpa fundou em Boulder, no Colorado, o Naropa Institute, mais tarde transformado na primeira universidade de budismo da América do Norte. Interessado em conciliar a cultura oriental com a ocidental, ele contratou William Burroughs para dar aulas de literatura e Allen Ginsberg para lecionar poesia. O contato com Trungpa fez com que o poeta beat se tornasse seu discípulo, o que não aconteceu com Burroughs.
Porém, aquele não foi o primeiro contato de Ginsberg com o budismo. Na década de 1960, ele já tinha viajado para a Índia. Embora não fosse uma viagem com finalidade espiritual, o poeta fez questão de conhecer importantes mestres da meditação como Gyalwa Karmapa e Dudjom Rinpoche, o que teve grande influência sobre seu comportamento.
Maior prova disso é que em 1968, durante um protesto que antecedeu a Convenção Nacional Democrática em Chicago, o beat subiu ao palco para tentar unir e acalmar a multidão, preocupado que a polícia pudesse intervir com violência. De repente, Ginsberg começou a pronunciar “Om! Om! Om!” de forma errada, o que não passou despercebido por um espectador indiano que jamais esqueceu daquela cena. À época, o poeta reconheceu que o budismo, apresentado a ele pelos beats Jack Kerouac e Gary Snyder, não era apenas uma tendência, mas algo que ele gostaria de abraçar como filosofia de vida.
Ainda assim, Ginsberg precisou de 30 anos para entender que no budismo o som não era mais importante que a concentração. “Seu erro foi se manter mais focado no som do mantra do que em seu significado. Ele usava os mantras para transmitir mensagens escritas durante suas viagens de carro pelos Estados Unidos. Allen Ginsberg viu nisso uma forma de impressionar seus ouvintes e leitores ocidentais sobre os valores orientais que ele aceitou ou considerou aceitar”, escreveu Jenny Skerl no livro Reconstructing the Beats, lançado em 2004.
Nos anos 1970, Allen Ginsberg passava até semanas isolado e meditando, colocando em prática o que aprendeu com Trungpa. Essa filosofia teve tanta influência sobre sua vida que em 1990, em entrevista à Harper’s Magazine, ele afirmou que estava completamente livre das drogas e de qualquer tipo de agitação. “Tenho vivido muito tranquilamente, seguindo dieta vegetariana, vendo poucas pessoas e lendo muitas obras religiosas, como São João da Cruz, a Bíblia, Fedro [Platão], Santa Teresa de Ávila e [William] Blake. Estou em um tipo de solitude, em modo contemplativo”, revelou.
Como adepto da dieta vegetariana, Ginsberg tinha preferência por pratos como aloo gobi, muito popular em países como Índia, Nepal, Paquistão e Bangladesh. Feito à base de batata, couve-flor e especiarias, ele definia o alimento que ele conheceu através do beat Gary Snyder como uma grande refeição vegetariana de 15 centavos. “Passo semanas comendo só isso”, confidenciou o poeta.
Segundo Snyder, era preciso apenas algumas batatas e uma cabeça de couve-flor para garantir sustância por vários dias de produção poética. “A comida faz toda a diferença no estado físico e mental. E não preciso ser um hare krishna para dizer isso”, enfatizou quando apresentou o aloo gobi ao amigo.
Allen Ginsberg gostava muito de preparar o seu cold summer borscht, baseado em doze beterrabas bem lavadas e fatiadas em tiras. A receita também incluía duas batatas, cebolas fatiadas, tomates fatiados, pepinos e rabanetes. Os caules e as folhas eram picados como em uma salada primavera. Ele cozinhava todos os ingredientes juntos e com moderada quantidade de sal. Deixava a sopa ferver por uma hora ou mais, até o ponto em que ela ficava bem vermelha, com as beterrabas visivelmente macias.
“Adicione açúcar e suco de limão para deixar o líquido doce e ao mesmo tempo azedinho. Ela rende quatro litros. Sirva com sour cream”, escreveu em um papel. Allen Ginsberg ficava muito feliz em cozinhar para seus visitantes. Ele adorava preparar sopas, tanto que instalou um suporte do lado de fora da janela da cozinha para arrefecer sua panela de 12 litros.
Excerto de Howl (Uivo)
Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato celestial com o dínamo estrelado na maquinaria da noite,
que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cômodos
que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de Blake entre os estudiosos da guerra…
Saiba Mais
Allen Ginsberg nasceu em 3 de junho de 1926 em Newark, Nova Jersey, e faleceu em 5 de abril de 1997 em East Village, Nova York.
Referências
Skerl, Jenny. Reconstructing the Beats. Palgrave Macmillan (2004).
Silberman, Steve. Ginsberg’s Last Soup. New Yorker (March 19, 2001).
Ginsberg, Allen. The Letters of Allen Ginsberg. Philadelphia, Da Capo Press (2008).
Ginsberg, Allen. Howl and Other Poems. City Lights Publishers; Reissue Edition (2001).
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Como trocar a faca pelo garfo
Documentário mostra como a dieta vegetariana tem transformado vidas
Lançado em 2011, Forks Over Knives, conhecido no Brasil como Troque a Faca pelo Garfo, é um documentário contundente e muito bem embasado, produzido pelo jornalista estadunidense Lee Fulkerson. Na obra, o espectador é convidado a conhecer as grandes transformações que uma dieta vegetariana proporcionou na vida de muitas pessoas com doenças graves, algumas até mesmo desenganadas pelos médicos. E mais, mostra como a indústria de produtos de origem animal é capaz de manipular a política a seu favor, atribuindo a esses alimentos qualidades que fazem a população acreditar que eles são insubstituíveis, quando na realidade não são.
Com o lema “Que o seu alimento seja o seu remédio”, inspirado em Hipócrates, Forks Over Knives segue na mesma linha intimista de documentários como Super Size Me, de 2004, ou seja, um filme em que o realizador participa como personagem. Fulkerson é um homem com sobrepeso que descobre que possui inúmeros problemas de saúde em decorrência de seus maus hábitos alimentares. Como muitos ocidentais, tem uma alimentação rica em produtos industrializados – principalmente carboidratos ruins, carnes e laticínios.
Com o iminente risco de contrair doença arterial coronariana, o jornalista aceita o desafio de participar de um programa de reeducação alimentar baseado em uma dieta vegetariana. Em um mês, ele começa a perceber mudanças positivas. O mesmo acontece com muitas outras pessoas que participam do desafio proposto por profissionais como o cientista e bioquímico P.H.D. em nutrição T. Colin Campbell, o cardiologista Caldwell Esselstyn e o médico John McDougall, profissionais que se tornaram grandes autoridades do assunto nos Estados Unidos.
Para endossar os benefícios da dieta vegetariana, o documentário apresenta pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Ásia, trazendo informações alarmantes sobre a relação entre doenças e o grande consumo de carne e laticínios. Talvez um dos casos mais emblemáticos dos benefícios da dieta vegetariana seja o de uma atleta que após os 40 anos descobriu que tinha câncer de mama estado em avançado, atingindo os ossos e os pulmões.
Sem se deixar abater, ela adotou a dieta vegetariana e continuou praticando atividades físicas com a mesma intensidade, até que o câncer desapareceu, sem recidiva mesmo após décadas. Outros grandes exemplos são de homens e mulheres que se livraram do diabetes e de outras doenças que exigiam consumo regular de medicamentos. E tudo isso porque encontraram na dieta vegetariana a quantidade necessária de macro e micronutrientes que precisavam para ter uma vida realmente saudável.
Questionado sobre a deficiência de proteínas na alimentação vegetariana, Campbell deixa claro que isso é mito e que é possível sim encontrar em plantas, frutas e grãos tudo que o corpo humano precisa. A economia gerada pelo não consumo de produtos industrializados, carboidratos de baixa qualidade, carnes e laticínios também é outro ponto a se considerar, já que quem segue esse tipo de dieta acaba investindo em mais diversidade de alta qualidade.
Forks Over Knives desvela que a chamada dieta ocidental, rica em carboidratos ruins e grandes quantidades de carnes e lácteos também invadiu a Ásia no período pós-moderno. Enquanto as populações das pequenas cidades e vilarejos preservavam os mesmos hábitos por gerações, os moradores dos grandes centros urbanos foram seduzidos pela praticidade do fast food e pelos excessos no consumo de carne e laticínios.
Através de pesquisa, T. Colin Campbell e outros pesquisadores descobriram que muitos chineses que seguiam uma dieta vegetariana continuavam totalmente saudáveis após os 90 anos. Surpreendente também é o depoimento do homem que possuía 27 problemas de saúde e após adotar o vegetarianismo conseguiu eliminar 26.
O triatleta Rip Esselstyn, inspirado pelo pai, mudou a vida dos bombeiros de um batalhão do Texas depois que entrou para a corporação. E tudo isso sem qualquer imposição, somente mostrando os benefícios práticos do vegetarianismo na vida de colegas de trabalho com altos níveis de mau colesterol. Logo todos concordaram com a inclusão de um cardápio vegetariano. Outros atletas, incluindo um boxeador, também dão depoimentos endossando os benefícios desse estilo de vida. Citam melhor rendimento, melhor recuperação, mais disposição e refutam a afirmação de que há deficiência proteica na alimentação.
Revelador também é o fato de que T. Colin Campbell perdeu espaço em uma das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos por causa do seu posicionamento. A instituição sofreu pressão de uma multinacional do ramo de laticínios e eles optaram por dispensar o cientista. A falácia de que o leite é o alimento mais rico em cálcio é apontada por Campbell como um fator cultural que atravessa décadas e justamente porque as grandes indústrias tiveram sucesso em disseminá-la.
Forks Over Knives prova que direta ou indiretamente os maiores produtores de carnes e lácteos controlam até mesmo o que a população consome nas escolas, em repartições públicas e nas empresas. Ou seja, a influência da indústria é tão grande que foi legitimada como se fosse uma prática aceitável, em prol de um bem maior.
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